A Campanha da Fraternidade de 2012 traz à tona um tema importante para a nossa reflexão: a saúde pública. Saúde física,mental, social e espiritual é o que todos nós queremos. Somos sabedores das grandes dificuldades encontradas pelo povo brasileiro para ter acesso a uma saúde pública, gratuita e de qualidade, bem como do valor do Sistema Único de Saúde (SUS).
Considerando um dos objetivos específicos da campanha, o de “disseminar o conceito do bem viver e sensibilizar para a prática de hábitos de vida saudável”, reflitamos, à luz da Bíblia, sobre os nossos hábitos alimentares e a sua relação com a saúde corporal, de modo que a “saúde se difunda sobre toda terra” (Eclo 38,8).
Comer é
Comer é um gesto sublime que exercitamos a cada dia de nossas vidas, para que o sopro de vida seja perpetuado em nossos corpos. Comer é comer, mas, sobretudo, saber comer. Caso contrário, seremos comidos pela comida. Comer é prazer. Prazer na saciedade, no descanso do corpo que se nutre das vitaminas. O não comer como convém era praticado nos palácios romanos, onde havia o costume de comer exageradamente e, em seguida, provocar o vômito para comer novamente.
Comer na Bíblia
A Bíblia, relatos de experiências da vida humana com o doador da vida, Deus, nos oferece várias pistas e dicas de como comer e a sua relação com a manutenção de uma vida saudável.
No princípio o ser humano era vegetariano
As páginas iniciais da Bíblia, no livro do Gênesis, nos dizem que Deus, quando criou o ser humano, deu-lhe o direito de alimentar-se das ervas e árvores que dão sementes e fruto (Gn 1, 29). Somente depois do dilúvio, motivado pela má conduta do ser humano, é que Deus lhe permitiu alimentar-se de todos os seres vivos que se movem, animais e peixes (Gn 9, 3), mas não do sangue deles (Gn 9,4). Em tempos bíblicos, o ser humano acreditava que no sangue estava a vida, a alma. Comer o sangue significava comer o outro, a sua essência. Simbolicamente, o não comer o sangue é demonstração de que a vida do semelhante deve ser preservada. Desse modo, Deus também pôs um freio à violência.
Não coma os animais impuros.
No livro do Levítico, no Código da Pureza (Lv 11-14), há uma lista de animais terrestres, aquáticos e avesque não devem ser comidos pelo ser humano, a saber: camelo, coelho, lebre, porco, peixes sem escamas, animais aquáticos que não têm barbatana, abutre, corvo, avestruz, gavião, mocho, garça, morcego, insetos alados de quatro pés, etc. (Lv 11, 1-23). Os argumentos utilizados para proibir o uso desses animais como comida justificavam-se pela sua constituição genética, como: não ter casco fendido, partido em duas unhas, ruminar, não ter barbatanas e escamas, pois são peixes limpadores, assim como as aves limpadoras.
Esses animais não eram considerados puros para o sacrifício e tampouco para Deus. A tradição de proibição de comer carne de porco surge na experiência do deserto, quando o povo percebe que esta carne, mal conservada no ambiente de calor, causava a doença e a morte do povo. Proibir o seu uso como comida foi o modo encontrado para preservar a vida. Se a Bíblia fosse escrita em nossos dias, com o sistema moderno e higiênico de criar e conservar a carne de porco, Deus diria: “podereis comer carne de porco”. A regra básica para proibir o comer animais impuros refl etia a mentalidade do povo de Israel, escolhido para ser santo e puro para Deus. Um povo puro não deve comer coisas impuras. A pureza, a saúde, vem pela boca.
Comer muito gera.
Um dos pecados morais, a gula, é condenada na Bíblia. “Põe uma faca na tua garganta, se és glutão”, ensina a sabedoria recolhida no livro dos Provérbios 23, 2, sobretudo quando és jovem e vais comer com um chefe. A Teologia Moral da Igreja Católica, já no século seis e, depois, com Santo Tomás de Aquino, no século treze, definiu a gula como “busca incessante aos prazeres da comida e da bebida” e a colocou na lista dos sete pecados capitais.
Segundo a sabedoria bíblica, comer muito causa miséria, “Quem ama o vinho e a boa carne jamais ficará rico” (Pr 21, 17); “Bebedor e glutão empobrecem” (Pr 23,21) e exploração do pobre: “Eles estão deitados em leitos de marfim, estendidos em seus divãs, comem cordeiros do rebanho e novilho do curral... mas não se preocupam com a miséria da casa de José” (Am 6,4). Nesses dois exemplos, o paradoxo da comida despropositada, uns comem muito e empobrecem; outros comem do bom e do melhor e nem se dão conta de que muitos não têm o que comer para sobreviver. Em ambos os casos, Deus não está de acordo. Ele deu o alimento como dom para todos os seus filhos e filhas.
Felicidade é comer.
A escola judaica do livro Eclesiastes ensinava que o trabalho era o caminho da felicidade humana, desde que o ser humano pudesse comer e beber, desfrutando o produto do seu trabalho. “E compreendi que não há felicidade para o ser humano a não ser a de alegrar-se e fazer o bem durante a sua vida. E que o ser humano coma e beba, desfrutando do produto de todo o seu trabalho, é dom de Deus” (3,12-13). Diante da paideia grega helenística que não valorizava o trabalho manual e a vida do trabalhador, o autor de Eclesiastes afirma que a felicidade, a vida saudável, só é possível com relações sociais de justiça. E isso é questão de saúde. Um corpo bem alimentado tem menos possibilidade de adoecer.
A arte de comer com sabedoria
Saber comer é uma arte. Saber combinar os alimentos e comê-los como convém exige esforço e moderação. O provérbio bíblico ensina: “Encontraste mel? Come o suficiente, para que não fiques enjoado e vomites” (Pr 25, 16). Lapidar é o ensinamento de Sabedoria 37, 29-31: “Não sejas ávido de toda delícia, nem te precipites sobre iguarias, porque na alimentação demasiada está a doença e a intemperança provoca cólica. Muitos morreram por intemperança, mas aquele que se cuida prolonga a vida”. E o livro da Sabedoria não para por aí. Outros conselhos são dados: “quando fores convidado para um banquete, não abras demais a boca e não digas: que abundância”... “Como um homem bem-educado, come o que te é apresentado e não sejas voraz”... “Acaba primeiro por educação”... (Sab 31, 12-24). Além desses conselhos, o texto afirma com sabedoria: “Sono saudável tem aquele de estômago moderado, levanta-se cedo e com boa disposição. Insônia, vômitos e cólicas são tributos do homem insaciável” (Sab 31,20).
Conclusão: regras para comer e ter boa saúde
O comer com moderação é uma das principais regras de boa saúde. Para não se sentir insaciável ao comer, vale a regra da salivação antes e durante a comida. Mastigar bem os alimentos, formando um bolo alimentar na boca, já é meio caminho andado para uma boa digestão e saúde. Comer nas horas certas, com apetite e lentamente, é também boa norma de alimentação. Experimente deixar o garfo sobre a mesa enquanto castiga, de modo que o cérebro seja avisado rapidamente da saciedade.
A moderação ao comer é um caminho certo para a saúde e vida tranquila. Não deixe a comida o comer, coma-a com prazer e alegria e na relação saudável com os seus semelhantes.
Regimes que emagrecem rapidamente não resolvem nada. O segredo está numa reeducação alimentar.
Chega de efeito sanfona no corpo. Isto causa somente frustração, ansiedade e quilos a mais.
Outra dica para comer com arte é saber o momento de parar de comer. Em um dia de festa e até mesmo em finais de semana, é claro que comemos um pouco mais, mas, no dia seguinte, vale a moderação ou diminuição do alimento. Fazer monodieta, isto é, comer uma única fruta durante o dia, é um bom conselho para quem muito comeu em dia de festa.
O ato de comer é importante. Ninguém vive sem comer. Mas também ninguém vive para comer. Não é necessário privar o corpo de comer, o desafio está em aprender a comer com sabedoria, para viver com saúde e não deixar o corpo adoecer e morrer. Isto é também uma questão de corporeidade! Isto é arte! Isto é sabedoria! Arte de viver com saúde, comendo com sabedoria.
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