quarta-feira, 23 de setembro de 2009

Conselho para a unidade dos Cristãos


PONTIFÍCIO CONSELHO PARA A UNIDADE DOS CRISTÃOS

APRESENTAÇÃO DE D. BRIAN FARRELL

O ecumenismo nos dias de hoje:
a situação na Igreja Católica
Resultados de uma sondagem
do Pontifício Conselho para
a Promoção da Unidade dos Cristãos


Introdução

Durante o mês de Novembro de 2004, o Pontifício Conselho para a Promoção da Unidade dos Cristãos organizou um encontro internacional nos arredores de Roma (Itália), com a finalidade de recordar o quadragésimo aniversário da promulgação, ocorrida no dia 21 de Novembro de 1964, do Decreto sobre o Ecumenismo Unitatis redintegratio, do Concílio Ecuménico Vaticano II. Mais de 250 participantes estiveram presentes nesse encontro. Entre eles, os Presidentes (ou os Secretários) das várias Comissões Ecuménicas da maior parte das Conferências Episcopais e dos Sínodos das Igrejas Orientais Católicas, os moderadores dos diálogos teológicos bilaterais com as principais Comunhões cristãs, os membros e consultores do mencionado Dicastério ecuménico. Estavam também presentes nesse encontro mais de trinta "delegados fraternos" das outras Igrejas e Comunidades eclesiais, do "Conselho Ecuménico das Igrejas" de Genebra (Suíça) e da "Conferência das Igrejas Europeias", além de diversos hóspedes representantes da Cúria Romana, das várias Universidades Pontifícias e das Faculdades de Teologia. A reunião tinha como finalidade celebrar, precisamente, o quadragésimo aniversário do compromisso ecuménico da Igreja, mas inclusive reflectir sobre o significado permanente do Decreto Unitatis redintegratio, examinar o caminho percorrido a partir do Concílio Vaticano II até hoje e formular propostas para uma acção futura.

Em preparação para este importante encontro internacional, o Pontifício Conselho para a Promoção da Unidade dos Cristãos tinha enviado um questionário às várias Conferências Episcopais e aos Sínodos das Igrejas Orientais Católicas, com o objectivo de elaborar um relatório acerca da situação actual do ecumenismo no interior da Igreja Católica e também a nível local. Mediante esta iniciativa, o Pontifício Conselho para a Promoção da Unidade dos Cristãos desejava apurar o grau de aplicação prática, tanto da Unitatis redintegratio, a quarenta anos de distância da sua promulgação, como do Directório Ecuménico, publicado dez anos depois da divulgação desse Decreto conciliar. Dos 163 questionários enviados, 83 foram preenchidos e restituídos ao Pontifício Conselho. Considerando as respostas recebidas a níveis continental e regional, pode-se constatar o seguinte: 20 respostas da África (44% dos organismos episcopais e sinodais presentes nesse Continente); 17 respostas da América Latina e do Caribe (71%); uma resposta da América Setentrional (50%); 12 respostas da Ásia (60%); 24 respostas da Europa (60%); sete respostas do Médio Oriente (46%); e duas respostas da Oceânia (40%).

O Pontifício Conselho para a Promoção da Unidade dos Cristãos está totalmente consciente da natureza limitada desta sondagem; o questionário não tinha sido formulado com bases científicas; as respostas foram menos numerosas em relação ao número que esperávamos, e correspondiam a realidades quantitativamente diversas entre si, o que não tornou possível uma comparação realmente credível dos dados e das estatísticas.

Para dar um exemplo, o Brasil não pode ser comparado com Gibraltar, nem a Alemanha com o Cazaquistão. Não obstante, julgamos ter à nossa disposição uma base sólida com relação à qual podemos traçar um quadro da situação actual do compromisso ecuménico. Quanto apresentamos a seguir constitui um breve relatório sobre os resultados alcançados na mencionada sondagem.

Os dados recebidos foram subdivididos segundo quatro temas principais:

1. O progresso da consciência ecuménica no âmbito da Igreja Católica;
2. A organização do ecumenismo;
3. A acção ecuménica da Igreja Católica a nível local; e
4. Algumas sugestões de reflexão sobre o futuro do ecumenismo.

1. O progresso da consciência ecuménica no âmbito da Igreja Católica

1.1 Sinais positivos
A sondagem demonstrou evidentemente que, em todas as regiões do mundo, a Unitatis redintegratio introduziu um melhoramento radical das atitudes católicas em relação aos outros cristãos; a abordagem polémica do passado não é mais predominante. Os católicos têm uma atitude positiva no que se refere à tarefa ecuménica a desempenhar. Eles desejam conhecer mais profundamente as outras Igrejas e Comunhões cristãs, enquanto manifestam em geral a vontade de participar nos acontecimentos e encontros ecuménicos, e de maneira especial no que diz respeito à oração conjunta em favor da unidade. O ecumenismo espiritual constitui uma prática muito difundida. Além da "Semana de Oração pela Unidade dos Cristãos", que permanece como um elemento principal da acção ecuménica, as celebrações conjuntas das maiores festas litúrgicas e comemorações, assim como as solenidades civis, nacionais e locais, quase em toda a parte são hoje uma realidade. Além disso, há uma difundida partilha dos lugares de culto. Dois terços das respostas ao referido questionário fizeram referência à colaboração ecuménica a nível paroquial e à publicação de orientações para a actividade ecuménica nas respectivas regiões. Em geral, podemos estar certos de que o esforço em vista de aplicar o compromisso ecuménico do Concílio Vaticano II continua e difunde-se através de toda a Igreja.

1.2 Problemas e resistências
Contemporaneamente, não podemos ser ingénuos. E embora nem todas as dificuldades mencionadas nas respostas ao questionário estejam presentes ao mesmo nível em toda a parte na Igreja, um olhar de conjunto sobre estas dificuldades pode ser útil, enquanto evidenciam os desafios enfrentados por aqueles que trabalham pela unidade dos cristãos a nível prático.

Supondo uma possível síntese, pode-se afirmar que as questões teológico-pastorais que foram mencionadas com maior frequência nas respostas ao questionário são as seguintes:
o problema do reconhecimento recíproco do baptismo e o novo baptismo dos católicos por parte de algumas Igrejas e Comunidades eclesiais, como dado de facto ou práxis seguida; após a sua Sessão Plenária de 2001, o Pontifício Conselho para a Promoção da Unidade dos Cristãos enviou às Conferências Episcopais uma apresentação das directrizes sobre o reconhecimento recíproco do baptismo, que algumas delas tinham entretanto emanado. A apresentação foi também publicada no Boletim do Pontifício Conselho Ecuménico (cf. O reconhecimento recíproco do baptismo. Síntese das respostas das Conferências Episcopais Documento de estudo, em: Service d'Information Information Service, n. 109 [2002/I-II]. Este Documento é publicado nas línguas inglesa e francesa);

- a problemática dos abusos a respeito da communicatio in sacris;

- as questões relativas aos matrimónios mistos;

- os problemas levantados nalguns lugares por excessos aparentes em práticas devocionais católicas, relativas ao culto mariano;

- a questão da unificação da data da Páscoa tema debatido em vários contextos a partir do Concílio Ecuménico Vaticano II que constitui uma preocupação especialmente sentida no Médio Oriente;

- a diversidade na organização e nas estruturas eclesiais em determinados países faz com que os católicos encontrem dificuldades na identificação dos parceiros ecuménicos em certas Confissões; constata-se também a difundida presença de acusações recíprocas de proselitismo (América Latina, Egipto e Rússia); e

- por fim, muitas Conferências Episcopais concordam em indicar que a falta de uma literatura ecuménica acessível aos fiéis menos preparados constitui um problema.

Entre os factores não teológicos que têm repercussões sobre o ecumenismo, as respostas puseram em evidência os seguintes: as situações sociais e políticas (de forma especial na ex-União Soviética); os conflitos étnicos (África e região dos Balcãs); e a situação majoritária ou minoritária da Igreja. Na Europa Oriental, muitas respostas dizem respeito às tensões relativas à restituição dos bens eclesiásticos. Nalguns lugares, a promoção da unidade dos cristãos é vista como uma ameaça por determinados grupos islâmicos.

As respostas provenientes de todos os continentes realçaram a persistência de atitudes caracterizadas pelo temor recíproco, pela suspeita e pela desconfiança. Outros cristãos nutrem o medo de ser absorvidos pela Comunidade católica mais forte do que eles e, vice-versa, os católicos consideram com desconfiança certos grupos, que recorrem aos meios de comunicação e a campanhas públicas de opinião para criticar as doutrinas católicas ou para insistir sobre situações negativas ou escandalosas, para assim atacar a Igreja. Em síntese, ainda persistem muitas suspeitas acerca das respectivas intenções concretas e das motivações evangélicas dos programas e das atitudes de uns e de outros. Embora muito já tenha sido realizado em termos de purificação das mútuas memórias históricas, algumas Igrejas particulares continuam a afirmar que a recordação de acontecimentos do passado, tanto os mais remotos como os mais recentes, ainda impedem ou obstam os relacionamentos ecuménicos. A purificação das memórias constitui um tema sobre o qual o Papa João Paulo II chamou a nossa atenção em múltiplas ocasiões, e permanece um dos desafios mais cruciais para aqueles que trabalham em prol da unidade dos cristãos.

Algumas respostas evidenciaram a ausência de motivações e de entusiasmo e, em determinados casos, a suspeita de que o ecumenismo debilita a missão evangelizadora da Igreja Católica. Alguns católicos julgam que o ecumenismo compromete a sua fé e que equivale a admitir uma certa inadequação da Igreja Católica, que eles não estão prontos a aceitar. Nalgumas regiões, o número exíguo de cristãos pertencentes às outras Igrejas é considerado como uma justificação para a falta de iniciativas ecuménicas. Noutros lugares, as comunidades evangélicas e pentecostais mais recentes e a utilização indiscriminada do termo "seita" continuam a levantar problemas em todos os continentes. As Comunidades eclesiais (Baptistas, Evangélicas e Pentecostais) com as quais a Igreja Católica mantém um diálogo teológico e relacionamentos internacionais, que em certos casos continuam ao longo das décadas, são incluídas na lista das seitas. Por outro lado, e especialmente na América Latina, as respostas ao mencionado questionário indicaram frequentemente um não-reconhecimento do carácter cristão dos católicos por parte de alguns grupos evangélicos e pentecostais. Poderia ser útil recordar que esta dificuldade recíproca constitui o objecto de alguns documentos de estudo elaborados por várias comissões mistas de diálogo (por exemplo, o diálogo católico-pentecostal: Evangelização, Proselitismo e Testemunho comum; as "Consultas entre a Igreja Católica e a Aliança Evangélica Mundial": A Igreja, a Evangelização e os vínculos da Koinonia).

2. A reorganização do ecumenismo

O Concílio Ecuménico Vaticano II confiou a tarefa ecuménica de modo especial aos Bispos. O Directório para a Aplicação dos Princípios e das Normas sobre o Ecumenismo, por sua vez, recomenda a instituição de Comissões ecuménicas em todas as dioceses, e aos níveis nacionais e regionais, ou pelo menos a designação em cada diocese, de um delegado encarregado de promover o espírito ecuménico e os relacionamentos intereclesiais.

O Pontifício Conselho para a Promoção da Unidade dos Cristãos constatou com satisfação que apenas poucas Conferências Episcopais não dispõem de um Departamento ou Comissão para o Ecumenismo. Por outro lado, muitos dos questionários preenchidos recordaram que a acção de tais comissões ou delegados são limitadas. A este propósito, mencionou-se a falta de continuidade no desenvolvimento de projectos, a necessidade de uma potencialidade humana renovada e mais jovem entre aqueles que estão comprometidos na actividade ecuménica. A nível das dioceses, o quadro não é tão positivo: a falta de pessoas, de uma formação específica, de recursos tanto financeiros como de outros tipos significa que a acção ecuménica é muitas vezes deixada à iniciativa espontânea dos fiéis. Por outro lado, nalguns países reconhece-se a presença de florescentes grupos e associações de ajuda, formados por pessoas bem preparadas no campo ecuménico, activas na promoção da formação ecuménica nas várias dioceses, nas paróquias, nos seminários e nos grupos em geral. Deve-se prestar maior atenção à identificação de tais peritos e voluntários e ao desenvolvimento da sua formação.

No que concerne à adesão aos Conselhos de Igrejas, relevou-se uma mudança substancial nos anos mais recentes. Há quarenta anos, a Igreja Católica ainda não tinha aderido a nenhum destes Conselhos. Actualmente, do total dos 120 Conselhos de Igrejas existentes, ela é membro de 70, e participa em três dos sete Conselhos Regionais de Igrejas e em sete dos Conselhos Regionais de Igrejas, associados ao Conselho Ecuménico das Igrejas, de Genebra (Conforme os dados de que dispomos, relativos a Setembro de 2004, a Igreja Católica é membro integrante de três Conselhos Regionais de Igrejas: do Caribe, do Médio Oriente e da Região do Pacífico. A Igreja Católica é também membro de 14 Conselhos nacionais cristãos, dos Conselhos de Igrejas na África, de três na Ásia, dez na Oceânia, doze no Caribe, 25 na Europa, um na América Setentrional e cinco na América Meridional. Cf. "Inspired by the same vision": Roman Catholic participation in national and international Councils of Churches, Apêndice E).

Um novo Documento, de próxima publicação, elaborado pelo "Grupo Misto de Trabalho" entre os representantes da Igreja Católica e do Conselho Ecuménico das Igrejas, apresenta uma análise das implicações e das formas de participação católica nos mencionados Conselhos, assim como algumas sugestões para enfrentar as dificuldades e os desafios que impedem a participação católica nalguns lugares.

3. A acção ecuménica da Igreja Católica a nível local

No que se refere ao diálogo, 42 das 83 Conferências Episcopais que responderam à sondagem do Pontifício Conselho para a Promoção da Unidade dos Cristãos confirmaram a presença no seu território de estruturas permanentes de diálogo com as demais Igrejas e Comunidades eclesiais; 38 delas dispõem das suas próprias Comissões mistas de diálogo. No que diz respeito à recepção dos documentos de diálogo, somente 35 Conferências Episcopais evidenciam uma boa difusão dos resultados e um debate activo, com a publicação de vários subsídios. Algumas pessoas que preencheram o referido questionário mencionaram também certas iniciativas em curso, em vista de utilizar a Internet para a promoção do ecumenismo em determinados países, um aspecto que o Pontifício Conselho para a Promoção da Unidade dos Cristãos tem grande interesse em desenvolver. No campo social, 44 Conferências Episcopais mencionaram a sua participação em actividades de cooperação com as outras Confissões. Também a este propósito, deve-se admitir que muito ainda pode ser realizado.

A necessidade de uma formação ecuménica mais idónea foi um dos temas realçados praticamente por todas as Comissões ecuménicas que responderam ao questionário. Ela deveria valer-se da presença e da contribuição de representantes de outras Igrejas e Comunidades eclesiais. Com efeito, o Pontifício Conselho para a Promoção da Unidade dos Cristãos formula votos a fim de que, onde for possível, esta formação seja cada vez mais realizada na colaboração. O Documento elaborado pelo Dicastério ecuménico em 1995: A dimensão ecuménica da formação de quem se dedica ao ministério pastoral, que oferece sugestões para um curso de ecumenismo e aconselha os subsídios para o organizar, não é suficientemente conhecido e ainda deve ser amplamente distribuído. Juntamente com a Congregação para a Educação Católica, o Pontifício Conselho para a Promoção da Unidade dos Cristãos tomou a iniciativa de promover uma sondagem a nível mundial, junto dos Seminários católicos dotados do seu próprio "Studium" Teológico, das Universidades e das Faculdades de Teologia, para conhecer exactamente de que maneira se dispensa o ensino sobre o ecumenismo, e se se lhe tem prestado a atenção que ele merece no conjunto da formação católica. Actualmente, está-se a promover uma colecta de dados com a intenção de publicar, em seguida, os resultados da sondagem.

4. Algumas sugestões de reflexão sobre o futuro do ecumenismo

A consulta demonstrou que o grau de compromisso na tarefa ecuménica a nível local está a crescer de intensidade e de extensão em toda a Igreja. Num mundo globalizado, os cristãos de todas as Igrejas sentem o desejo de superar a sua situação de divisão. O ecumenismo espiritual conversão da mente e do coração a Jesus Cristo, oração conjunta pela unidade está a reunir à sua volta uma atenção cada vez maior. Os questionários ofereceram numerosas e positivas sugestões para a acção ecuménica futura, evidenciando três aspectos a considerar com urgência, tanto no contexto presente como em ordem ao futuro: 1) incluir as iniciativas ecuménicas nos programas pastorais orgânicos das várias dioceses; 2) promover a formação ecuménica dos leigos, dos religiosos, das religiosas, dos seminaristas, dos sacerdotes e dos bispos; 3) reflectir sobre os modos de enfrentar o problema do proselitismo agressivo.

Num mundo que passou por uma grande transformação nos anos que nos separam do Concílio Ecuménico Vaticano II, a abordagem católica ao restabelecimento da unidade está impregnada de um novo realismo. Resulta mais claro do que nunca que o ecumenismo só pode ser promovido a partir de uma sólida base doutrinal, e de um diálogo rigoroso entre os cristãos divididos.

Sobretudo, compreende-se mais plenamente que a obra em prol da unidade somente pode desenvolver-se no interior de uma espiritualidade convincente e profunda, de uma espiritualidade de esperança cristã e de coragem. O Pontifício Conselho para a Promoção da Unidade dos Cristãos formula votos a fim de que a comemoração do quadragésimo aniversário da publicação do Decreto conciliar Unitatis redintegratio tenha inspirado uma nova esperança e uma renovada coragem naqueles que são mais directamente responsáveis pela realização do compromisso ecuménico da Igreja.



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