segunda-feira, 21 de setembro de 2009

Afasta-te de mim, satanás!

AFASTA-TE DE MIM, SATANÁS!
(Mt 16, 21-27)


“21 A partir dessa época, Jesus começou a mostrar aos seus discípulos que era necessário que fosse a Jerusalém e sofresse muito por parte dos anciãos, dos chefes dos sacerdotes e dos escribas, e que fosse morto e ressurgisse ao terceiro dia. 22 Pedro, tomando-o à parte, começou a repreendê-lo, dizendo: ‘Deus não o permita, Senhor! Isso jamais te acontecerá!’ 23 Ele, porém, voltando-se para Pedro, disse: ‘Afasta-te de mim, Satanás! Tu me serves de pedra de tropeço, porque não pensas as coisas de Deus, mas as dos homens!’ 24 Então disse Jesus aos seus discípulos: ‘Se alguém quer vir após mim, negue-se a si mesmo, tome a sua cruz e siga-me. 25 Pois aquele que quiser salvar a sua vida, vai perdê-la, mas o que perder a sua vida por causa de mim, vai encontrá-la. 26 De fato, que aproveitará ao homem se ganhar o mundo inteiro mas arruinar a sua vida? Ou que poderá o homem dar em troca de sua vida? 27 Pois o Filho do Homem há de vir na glória do seu Pai, com os seus anjos, e então retribuirá a cada um de acordo com o seu comportamento”.



Em Mt 16, 21 diz: “A partir dessa época, Jesus começou a mostrar aos seus discípulos que era necessário que fosse a Jerusalém e sofresse muito por parte dos anciãos, dos chefes dos sacerdotes e dos escribas, e que fosse morto e ressurgisse ao terceiro dia”.


O Pe. Juan Leal escreve: “Desde agora quer arrancar de uma vez por todas da mente de seus discípulos os pré-juízos que tinham sobre um Messias terreno, glorioso, restaurador da grandeza política de Israel, anunciando-lhes concretamente que havia de ser julgado e condenado à morte pelo Sinédrio, o mais alto tribunal da nação judia, no qual estavam representados os anciãos, os escribas e os sacerdotes. Quão longe estivessem os discípulos de entender estas palavras do Mestre, apesar de sua claridade, o veremos ainda mais tarde, e expressamente o manifestam São Marcos (9, 32) e São Lucas (18, 34)”, e: “Uma vez que os apóstolos haviam já chegado à convicção de que Jesus era o Messias, ‘desde então’ (Mt) – o que não requer uma imediata proximidade histórica com a cena de Cesaréia, mas que pode muito bem referir-se ao período de tempo seguinte a esta data histórica – ‘começou’, pois o faz pela primeira vez abertamente e o repetirá, segundo registram os evangelhos outras duas vezes, a expor-lhes a necessidade de sua morte, segundo o plano de Deus. Ele era o Messias, e eles o reconheciam por tal, e o céu o confirmava com seus milagres (Jo 3, 2). Porém não era o Messias nacionalista, político e triunfador que os judeus esperavam, nem o qual eles acreditavam (At 1, 6). Esta predição de Jesus sobre sua morte é precisa e terminante. 1) Este é o plano de Deus: ‘convém’ (Mc-Lc; cfr. Mt 26, 54). 2) Irá para isso a Jerusalém. A isso refere à resposta que ele manda dar um dia a Antipas: ‘Não pode um profeta morrer fora de Jerusalém’ (Lc 13, 33). 3) Ali será condenado pelos ‘anciãos, os sumos sacerdotes e os escribas’ (Mt). Era o tribunal supremo: o Sinédrio, com suas três classes de componentes. Mc, no lugar dos ‘sumos sacerdotes’ de Mt, põe ‘príncipes dos sacerdotes’. Os que haviam exercido o sumo sacerdócio eram membros natos do Sinédrio e permaneciam com o título de sumos sacerdotes. Na Escritura são chamados também ‘príncipes dos sacerdotes’ (At 4, 5-8). Pode ser que os dois títulos seguissem no uso popular ou que fosse uma citação ‘quoad sensum’. Possivelmente na categoria de sumos sacerdotes se incluíam os membros das famílias, das que se havia escolhido algum membro para o sumo sacerdócio. 4) Ali ‘sofrerá muito’ e será ‘entregue à morte’. Era a profecia de sua paixão: Getsêmani, Sinédrio, Pilatos e Herodes, flagelação, coroa de espinhos, Ecce Homo, via dolorosa, morte de cruz. É sempre a consciência de Cristo, de seu destino, de seu futuro, de seu dia e de sua liberdade. 5) Porém é também, para contrastar este messianismo de dor, o messianismo triunfante de sua ressurreição: ‘Ressuscitarei ao terceiro dia’ (Mt-Lc). Entretanto Mt-Lc citam que a ressurreição será ‘no terceiro dia’, Mc cita ‘depois de três dias’. Em outras passagens neo-testamentárias se usa a fórmula primeira (At 10, 40; 1 Cor 15, 4). A fórmula de Mc resultava um pouco ambígua sobre a precisão dos dias que devia permanecer no sepulcro (Os 6, 3). Acaso fosse isso com motivo, para que prevalecesse a fórmula ‘no terceiro dia’. A importância da ressurreição de Cristo como controle de toda sua obra é tal (1 Cor 15, 14), que Jesus Cristo vai anunciando-a repetidas vezes e com a precisão dos três dias. Já antes falou dela, ao dizer que, se destruíssem o templo de seu corpo, Ele o restauraria em três dias (Jo 2, 19), ou o sinal que deu de si mesmo aludindo aos três dias de Jonas (Mt 12, 39. 40). Jesus vai livremente à morte e à ressurreição” (Pe. Manuel de Tuya), e também: “A partir desse momento, Jesus, que já havia predito a sua paixão e morte, começou a anunciá-la com mais clareza ainda. Queria ele, deste modo, tirar da mente de seus discípulos o preconceito dominante então, de um Messias terreno glorioso, restaurador da grandeza de Israel, e preparar-lhes o ânimo para não se escandalizassem de sua paixão e morte na cruz” (PIB).
O Pe. Juan de Maldonado escreve citando alguns Autores.
A interpretação de São Jerônimo é: quando havia padecido. Porém é manifesto que a intenção do evangelista foi que Cristo, desde o ponto em que Pedro o confessou Filho de Deus, começou a falar de sua morte, e não uma vez, mas muitas, avisando aos apóstolos do que havia de passar, como se dissera que desde aquele momento não teve já Cristo em segredo aos apóstolos sua futura morte e paixão, mas que falava dela claramente.
Poderia perguntar porque desde aquele tempo e não antes. A razão é clara, e a trazem São João Crisóstomo, Eutímio e Teofilacto: porque antes não havia sido reconhecido ou publicamente confessado pelos apóstolos como Filho natural de Deus, e havia que temer, se fazia menção clara da ignomínia da futura morte, se escandalizassem e o deixassem ou se retardasse o progresso de sua fé. Por que depois? Por análoga razão: reconhecido por eles como Filho de Deus, eram idôneos para que se lhes explicasse o mistério de sua morte futura. E necessário que se fizesse, não fora que depois, se viram a Cristo padecer sem prévio anúncio, duvidassem de sua divindade, segundo observa Teofilacto. Assim fez em outra ocasião com semelhante motivo: Digo-vos isto para que não vos escandalizeis: Expulsar-vos-ão das sinagogas (Jo 16, 1-2). Outros dão outras razões: que Cristo quis prevenir com seu exemplo aos apóstolos para que padecessem, como está no versículo 24: Se alguém quer vir após mim, negue-se a si mesmo, tome sua cruz e siga-me. Já o disse São Pedro (1 Pd 2, 21): Cristo padeceu por nós, dando-nos um exemplo, a fim de que sigamos seus passos.


Em Mt 16, 22-23 diz: “Pedro, tomando-o à parte, começou a repreendê-lo, dizendo: ‘Deus não o permita, Senhor! Isso jamais te acontecerá!’ Ele, porém, voltando-se para Pedro, disse: ‘Afasta-te de mim, Satanás! Tu me serves de pedra de tropeço, porque não pensas as coisas de Deus, mas as dos homens!”


O Pe. Francisco Fernández-Carvajal comenta citando alguns Autores e a Sagrada Escritura.
Os Apóstolos não entendem bem essa linguagem, pois ainda conservam uma imagem temporal do Reino de Deus. “Pedro, tomando-o à parte, começou a repreendê-lo, dizendo: ‘Deus não o permita, Senhor! Isso jamais te acontecerá!” (Mt 16, 22). Levado pelo seu imenso carinho por Jesus, Simão procura afastá-lo do caminho da Cruz, sem compreender ainda que ela será um grande bem para a humanidade e a suprema demonstração do amor de Deus por nós. “Pedro raciocinava humanamente e concluía que tudo aquilo – a Paixão e a Morte – era indigno de Cristo e reprovável” (São João Crisóstomo, Homilias sobre São Mateus, 54, 4).
Pedro encara a missão de Cristo na terra com olhos demasiado humanos, e não chega a entender que, por vontade expressa de Deus, a Redenção se tem de fazer mediante a Cruz e que “não houve meio mais conveniente de salvar nossa miséria” (Santo Agostinho, Tratado sobre a Trindade, 12, 1-5). O Senhor responde energicamente ao discípulo, tratando-o como se estivesse novamente com o tentador do deserto: “Retira-te de mim, Satanás; tu serves-me de escândalo, porque não tens a sabedoria das coisas de Deus, mas das coisas dos homens” (Mt 16, 23).
Em Cesaréia, Pedro tinha falado movido pelo Espírito Santo; agora, deixa-se dominar por uma visão terrena. O anúncio da Cruz, da mortificação e do sacrifício como bem, como meio de salvação, sempre chocará os que a encararem com olhos humanos, como Pedro nesta ocasião. São Paulo teve que prevenir os primeiros cristãos contra aqueles que “procedem como inimigos da cruz de Cristo; o fim deles é a perdição; o deus deles é o ventre; e fazem consistir a sua glória na sua própria confusão, tendo prazer, somente nas coisas da terra” (Fl 3, 17-19).
Pensando apenas com uma lógica humana, é difícil entender que a dor, o sofrimento, aquilo que se apresenta como custoso, possa chegar a ser um bem. Por um lado, a experiência mostra-nos que essas realidades, tão freqüentes no nosso caminho, nos purificam, nos enrijecem e nos tornam melhores. Por outro lado, no entanto, não fomos feitos para sofrer, pois todos aspiramos à felicidade.
O medo à dor, sobretudo, se se trata de uma dor forte ou persistente, é um impulso profundamente arraigado em nós, e a nossa primeira reação é de repulsa. Por isso, a mortificação, a penitência cristã, tropeça com dificuldades; não é fácil, e, ainda que a pratiquemos assiduamente, não acabamos nunca de acostumar-nos a ela.
A fé, no entanto, permite-nos ver — e experimentar que sem sacrifício não há amor, não há alegria verdadeira, a alma não se purifica, não encontramos a Deus. O caminho da santidade passa pela Cruz, e todo o apostolado fundamenta-se nela. É o “livro vivo em que aprendemos definitivamente quem somos e como devemos atuar. Este livro está sempre aberto diante de nós” (João Paulo II, Alocução, 1-4-1980). Devemos aproximar-nos dele e lê-lo; nele aprenderemos quem é Cristo, o seu amor por nós e o caminho para segui-lo. Quem procura a Deus sem sacrifício, sem Cruz, não o encontrará.
“Porque NÃO tens a sabedoria das coisas de Deus, mas das coisas dos homens” (Mt 16, 23). Mais tarde, Pedro compreenderia o profundo significado da dor e do sacrifício; sentir-se-ia alegre com os outros Apóstolos por ter “padecido por causa do nome de Jesus” (At 5, 41).
Nós, cristãos, sabemos que a nossa salvação e o caminho do Céu estão na aceitação amorosa da dor e do sacrifício. Existe por acaso uma vida cristã plenamente fecunda sem sofrimento? “Porventura os esposos estão certos do seu amor antes de terem sofrido juntos? Porventura, a amizade não se torna mais firme pelas provas sofridas em comum ou simplesmente por se ter sofrido junto com os outros o calor do dia, ou por se ter compartilhado com eles a fadiga e o perigo de uma escalada?” (J. Lechercq). Para ressuscitar com Cristo, temos que acompanhá-lo no seu caminho para a Cruz: aceitando as contrariedades e tribulações com paz e serenidade; sendo generosos na mortificação voluntária, que nos faz entender o sentido transcendente da vida e reafirma o senhorio da alma sobre o corpo. Como nos tempos apostólicos, devemos ter em conta que a Cruz que anuncia Cristo é escândalo para uns e loucura e insensatez para outros.
Hoje vemos também muitas pessoas que não sentem as coisas de Deus, mas as dos homens. Têm o olhar posto nas coisas da terra, nos bens materiais, sobre os quais se lançam sem medida, como se fossem os únicos reais e verdadeiros. A humanidade sofre o embate de uma onda de materialismo que parece querer invadir e penetrar tudo. “Este paganismo contemporâneo caracteriza-se pela busca do bem-estar material a qualquer custo, e pelo correspondente esquecimento — melhor seria dizer medo, autêntico pavor — de tudo o que possa causar sofrimento. Com esta perspectiva, palavras como Deus, pecado, cruz, mortificação, vida eterna... acabam por ser incompreensíveis para um grande número de pessoas, que desconhecem o seu significado e sentido” (A. del Portillo).
Sobre o trecho de Mt 16, 22-23, escreve o Pe. Manuel de Tuya: “O quadro era de uma plasticidade tal, de uma precisão como até então não haviam escutado de seus lábios, pois, como disse Mc acusando esta surpresa, ‘isto (condenação, morte e ressurreição) se dizia claramente’, tanto que Pedro, sempre com seu ímpeto e ‘tomando-o’ (Mt-Mc), acaso por seu manto, em todo caso com um gesto precipitado, o repreende, dizendo-lhe que isso jamais sucederá. Era Pedro, que realizava com a espontaneidade de seu enorme afeto a Cristo; porém, fazia, com efeito, da ‘carne e do sangue’. O interpretava bem São Jerônimo, ao dizer que Pedro, ‘ainda que errasse no sentido, não errou no afeto’. Lc omite todo este episódio. A expressão de São Pedro que transmite Mt, já que Mc se limita em dizer que Pedro ‘começou a censurá-lo’, é duplo, e, contudo, ambas são fundamentalmente sinônimas. A resposta de Cristo a Pedro é forte. Se ‘voltou’ (Mt) a ele – no caminho?, no gesto?, é recurso literário? – para ‘repreender-lhe’ (Mc). Manda Pedro apartar-se d’Ele, chamando-lhe ao mesmo tempo ‘Satanás’ (Mt 4, 10). Satanás era considerado na concepção demoníaca desta época como um ser pessoal, superior, que recebe diversos nomes, e que é ser hostil por excelência a Deus e a sua obra. Naturalmente, não é que Pedro o fosse nem que Satanás influía (Jo 13, 2), mas que sua expressão era digna da missão de Satanás: que era desfazer sua autêntica obra messiânica, e que já o havia planejado nas ‘tentações’ do deserto. Por isso, a expressão de Pedro a Jesus, que surge forte de afeto, é para ele ‘escândalo’ (Mt)... Pedro não olhava ‘as coisas de Deus, mas as dos homens’ (Mt-Mc)”.
O Pe. Juan Leal comenta: “As palavras de Cristo deixaram desconcertados os apóstolos. São Pedro, como mais ardente e impetuoso, se atreve a demonstrar com expressões veementes... Falam em suas palavras a carne e o sangue, isto é, os pré-juízos messiânicos, que ainda estão arraigados em seu coração, porém fala também o amor que sente por Jesus. O Senhor se volta então para Pedro e para todos os apóstolos, como adverte São Marcos (8, 33), e em tom severo repele suas insinuações, dirigindo-lhe umas palavras parecidas às que disse ao mesmo Satanás quando o tentou (Mt 4, 5-10). Lhe chamou Satanás, porque, como este, se opunha aos planos de seu Pai; e neste mesmo sentido, lhe disse que é para ele um tropeço, enquanto suas palavras se opunham como um obstáculo no caminho que Deus havia determinado a seu Messias”.
O Pe. Juan de Maldonado escreve citando alguns Autores.
E tomando-o. – Que todos interpretam apartando-o, chamando-o em segredo, como se não se atrevesse a repreender a Cristo diante dos demais (São João Crisóstomo, São Jerônimo, São Beda e Eutímio). Parece-me que é uma frase semelhante à castelhana quando quer um repreender a outro: ‘O tomou por sua conta’. Só que não me atrevo a afirmar que seja exato, pois não posso sustentar com exemplos tomados do hebraico, ainda que observando em Números 16, 1, que o verbo hebraico que corresponde ao grego original desta passagem significa falar ou começar a falar: e tomando-lhe Coré, etc.
Aos que não agrada esta interpretação, ofereço outra, que se lhes agradar, não agrada a mim. Este tomar se entende muitas vezes nos escritos dos apóstolos por compadecer-se: Ao enfermo na fé, disse São Paulo, tomai (Rm 14, 1); quer dizer compadecei. Pelo qual diz em outro lugar: Tomai uns aos outros (Rm 15, 7), isto é, tende misericórdia de uns e de outros. Também este sentido concorda com a ação de Pedro, que, ouvindo da futura paixão de Cristo, tomou-o, isto é, compadecendo intimamente, começou a repreendê-lo. E é o sentido que parece dar a este lugar São Jerônimo: tomando-o, isto é, tomando-o em seu afeto.
Começou a censurá-lo.- Não lhe repreendendo, mas aconselhando-o, como fazem os amigos, segundo São Beda e Eutímio notaram.
São João Crisóstomo e São Jerônimo dizem que Pedro, antes, ao chamar a Cristo Filho do Deus vivo, demonstrou que tinha mais fé n’Ele que os demais, agora demonstrou para com o Mestre maior amor.
Satanás.- Santo Hilário recusa admitir que este Satanás se dirija a Pedro. De maneira que separa assim as palavras. Primeiro disse a Pedro: “Afasta-te de mim”, e logo, dirigindo-se a Satanás, como se fosse o tentador do protesto do apóstolo, exclama: “Satanás, tu me serves de pedra de tropeço”. O que mais admira, é que o mesmo Santo Hilário em outro lugar disse que Pedro foi chamado Satanás.
Com razão poderia alguém se espantar do que chamou a atenção de Santo Agostinho: que em tão breve espaço de tempo, ao mesmo Pedro, chamava Cristo bem-aventurado e Satanás.
Santo Agostinho e Teofilacto dizem que Pedro era bem-aventurado, quando o Pai o revelava e não a carne nem o sangue, e Satanás, quando não sabia senão o humano e desconhecia o divino.
Não chamou, pois, a Pedro de Satanás como se ele fosse o diabo, mas com o significado de adversário, porque o era naquela ocasião, opondo-se que o Salvador morresse pelos homens.
Edições Theologica comenta: “Jesus opõe-Se com energia aos protestos bem intencionados de São Pedro. O Senhor dá-nos a entender assim a importância capital que tem para a salvação o aceitar a cruz (cfr. 1 Cor 1, 23-25). Pouco antes (Mt 16, 17) Jesus tinha elogiado Pedro: ‘Bem-aventurado és Simão’; agora repreende-o: ‘Afasta-te de Mim, Satanás!’; ali tinha falado Pedro movido pelo Espírito Santo, aqui pelo seu próprio espírito de que não se tinha despojado totalmente”, e: “Satanás pode ter aqui o sentido etimológico de ‘adversário, opositor’ ou ser apelativo próprio do diabo tentador, aplicado a alguém que lhe imita a ação de tentar, afastando do bem ou incitando para o mal. Em todo o caso, é injúria gravíssima e mostra até que ponto Jesus havia abraçado de coração sua dolorosa paixão para salvar os homens” (PIB), e também: “Retira-te de minha frente, Satanás, tu és para mim um obstáculo, teus pensamentos não são de Deus mas dos homens!’ Tremendo contraste entre estas palavras e as que ouvira o apóstolo em Cesaréia quando confessara a messianidade e divindade de Jesus. Lá: ‘Bem-aventurado és!’ e a concessão do primado; aqui, o apelativo de Satanás e a repulsa. O motivo é único; a oposição à paixão e morte do Senhor. Mais fácil é reconhecer, em Jesus, o Filho de Deus, que aceitar vê-lo morrer como malfeitor. Mas quem se escandaliza de sua cruz, escandaliza-se d’Ele; quem sua paixão recusa, a ele recusa, porque Cristo é o Crucificado” (Pe. Gabriel de Santa Maria Madalena), e ainda: “Ainda há pouco, falava Pedro sob a inspiração divina, agora fala como homem e segundo a carne. Não compreendendo o mistério do Filho de Deus aniquilado e calcado aos pés como um verme da terra, quer desviá-lo, em boa fé, da obediência à vontade de Deus. Por isso Jesus lhe chama Satanás, isto é, adversário, mau conselheiro – Note-se que, nesta passagem, o Divino Mestre nos ensinou ainda a obrigação de não darmos ouvidos a quem quer que nos desvie dos nossos deveres. Seja embora um amigo, é Satanás, é um mau conselheiro” (Dom Duarte Leopoldo).


Em Mt 16, 24 diz: “Então disse Jesus aos seus discípulos: ‘Se alguém quer vir após mim, negue-se a si mesmo, tome a sua cruz e siga-me”.


Quem segue a Cristo deve aceitar não só a cruz de Cristo, mas também a própria; “imediatamente o diz Jesus para ensinar aos discípulos que seria ilusão pensar em segui-lo sem levar com ele a cruz: ‘Se alguém quer vir após mim, renuncie a si mesmo, tome a sua cruz e me acompanhe’. Após o pecado, é a única via de salvação para cada pessoa e para a humanidade inteira... O cristão não leva sua cruz à força; é um grande voluntário que a aceita com amor para fazer de si um sacrifício ‘vivo e santo’, em união com a cruz de Cristo, para a glória do Pai e redenção do mundo. Tal é, porém, impossível sem aquela profunda transformação de mentalidade que leva o cristão a pensar ‘à maneira de Deus’ e por isso o torna capaz de ‘discernir qual seja a vontade de Deus e de não se escandalizar perante o sofrimento” (Pe. Gabriel de Santa Maria Madalena), e: “Renunciar a si mesmo, isto é, às más inclinações da natureza corrompida; tomar a sua cruz, isto é, a que nos foi imposta pela Providência, e não outra; e aceitar, com coragem, as penas, trabalhos, sofrimentos e misérias da vida; seguir a Jesus é tomar o caminho por ele santificado” (Dom Duarte Leopoldo), e também: “Se alguém quer me seguir’ – é o mesmo que dizer: - se alguém quer se salvar, se alguém quer ter parte comigo na glória eterna. ‘Se alguém quer me seguir’ – é uma proposta que o Filho de Deus fez a todos os homens. O segui-lo ou não, deixa à nossa vontade, porque não quer forçar ninguém a entrar no céu. ‘Negue-se a si mesmo’ – E negar-se a si mesmo o que é? É dizer não aos gostos e inclinações terrenas do nosso coração. Negar-se a si mesmo é não guiar-se alguém pelos conselhos de sua natureza depravada, mas pelos ditames da razão iluminada com a luz da fé. Negar-se a si mesmo é não dar ouvido às vozes que do interior se levantam, pedindo prazeres e deleites sensuais e satisfação completa de todos os apetites desordenados. ‘Tome a sua cruz’: - eis a condição sem a qual não se pode chegar a Cristo. A cruz não falta a ninguém: é tomá-la e seguir com ela a Jesus até à morte. Cruz é tudo o que nos contraria ou torna a vida difícil. São as dores do corpo, tédio e agonia da alma, reveses da fortuna, estragos do tempo, prejuízos do inimigo, tudo, enfim, que nos aflige, tudo que nos arranca lágrimas e confrange o coração. ‘Toma a tua cruz’ – nos diz a todos Jesus Cristo – porque o discípulo não é mais que seu mestre, nem o servo mais que seu senhor; porque se foi necessário que Jesus carregasse com ela para entrar na sua glória, muito mais nos é necessário a nós levá-la para podermos entrar numa glória, que só o combate nos fará nossa. Seguir a Cristo levando com Ele a nossa cruz, é preciso para salvar a nossa alma” (Pe. Alexandrino Monteiro), e ainda: “Parece dura e pesada a ordem do Senhor: quem quiser segui-lo, tem de renunciar a si mesmo. Mas não é duro nem pesado o que ordena, pois ele próprio nos ajuda a cumprir seu preceito... Que significa: Tome a sua cruz? Quer dizer: suporte tudo o que custa, e então me siga. Na verdade, quem começar a seguir meus exemplos e preceitos, encontrará muitos que o critiquem, que o impeçam, que tentem dissuadi-lo, mesmo entre os que parecem discípulos de Cristo” (Santo Agostinho, Sermões).
São João Crisóstomo escreve: “Depois de Pedro ter dito: ‘Tem compaixão de ti, Senhor, nada disso acontecerá contigo’ (Mt 16, 22), e o Senhor o repreendeu: ‘Afasta-te de mim, Satanás!’ (Mt 16, 23) o Senhor não se contentou só com esta repreensão, mas quis fazer-lhe ver de uma maneira excessiva a inconveniência de suas palavras e manifestar-lhe o fruto de sua paixão. Por isso disse: ‘Então disse a seus discípulos: se alguém quer vir após mim’, que equivale a dizer: Tu me dizes: Tem compaixão. Pois eu te digo que não só te será prejudicial que eu evite minha paixão, mas que tu não poderás salvar sem padecimento, se não morreres e não renunciares para sempre a sua vida” (Homiliae in Matthaeum, hom. 55, 1), e: “Porque o que não se nega a si mesmo não pode aproximar-se daquele que está sobre ele. Porém, se nos abandonamos a nós mesmos, para onde iremos fora de nós? Somos uma coisa caída pelo pecado e outra por nossa natureza original. Nós nos abandonamos e nos negamos a nós mesmos, quando evitamos o que fomos pelo homem velho, e nos dirigimos para onde nos chama nossa natureza regenerada” (São Gregório Magno, Homiliae in Evangelia, 32, 2), e também: “Nega-se a si mesmo, aquele que repara sua má vida e começa a ser o que não era e deixa de ser o que era” (Idem., Homiliae in Hiezechihelem prophetam, hom. 10), e ainda: “Nega-se a si mesmo, aquele que pisoteando seu vão orgulho se apresenta diante dos olhos de Deus, diferente a si mesmo” (Idem., Moralia, 23), e: “Ainda que pareça que algum se abstém de pecar, entretanto, se não tomar a cruz de Cristo, não se pode dizer que está crucificado com Cristo ou que está abraçado à sua cruz. Por isso disse: ‘E toma sua cruz” (Orígenes), e também: “Devemos, pois, seguir ao Senhor, tomando a cruz de sua paixão, se não for na realidade, ao menos com a vontade” (Santo Hilário, in Matthaeum, 16), e ainda: “Como os ladrões sofrem também muito, o Senhor, a fim de que ninguém tenha por idôneo essa classe de sofrimentos dos maus, expõe o motivo do verdadeiro sofrimento, quando diz: ‘E me siga’. Devemos sofrer tudo por Ele e d’Ele devemos aprender as virtudes. Porque o seguir a Cristo consiste em ser zeloso pela virtude e sofrer tudo por Ele” (São João Crisóstomo, Homiliae in Matthaeum, hom. 55, 2), e: “Podemos tomar a cruz de duas maneiras. Dominando nosso corpo com a abstinência, ou carregando nosso espírito com a compaixão que inspiram as misérias do próximo. Porém, como muitas vezes se misturam alguns vícios com a virtude, devemos tomar em consideração que algumas vezes a vanglória acompanha a mortificação da carne e a virtude se faz visível e digna de louvor, porque aparece a secura no corpo e a palidez no rosto. E quase sempre, há uma falsa piedade que se compadece da alma, e que nos arrasta com freqüência a condescender com os vícios. O Senhor a fim de evitar tudo isso disse: ‘E siga-me” (São Gregório Magno, Homiliae in Evangelia, 32, 3), e também: “Ou de outra maneira, toma sua cruz o que está crucificado para o mundo e segue ao Senhor crucificado” (São Jerônimo).
O Pe. Juan Leal escreve: “Tomando Jesus Cristo ocasião da cena anterior, proclama agora a lei da mortificação e da renúncia de si mesmo. Por isso, como adverte São Marcos, estas palavras as dirigiu não só aos apóstolos, mas à multidão que fez chamar para que as escutasse (Mc 8, 34), como querendo significar que esta doutrina de seu reino era para todos. E antes (Mt 10, 38) encontramos o mesmo pensamento, ainda que ali falta a expressão de renunciar-se a si mesmo”.
O Pe. Manuel de Tuya comenta: “Este ensinamento que Cristo faz, e que em Mt se dirige a seus ‘discípulos’, é mais claro em Mc. Cristo, ‘chamando à multidão junto com seus discípulos, lhes diz...’ Que é o que resume Lc dizendo: ‘e dizia a todos’.
Necessidade da abnegação própria. – O primeiro ensinamento que Cristo faz aqui é a necessidade absoluta de ‘negar-se a si mesmo’ para entrar ou permanecer em seu reino, é dizer, desprezar tudo aquilo que obstaculiza as exigências para entrar no reino”.
O Pe. Juan de Maldonado escreve citando alguns Autores.
Se alguém quer. – Com razão São João Crisóstomo, Eutimio e Teofilacto advertiram que com essas palavras se confirma a existência do livre arbítrio.
Negue-se a si mesmo.- Em que consiste semelhante negação o explicam de diversas maneiras os autores. São Jerônimo, São Beda e São Gregório, acreditam que não é outra coisa que despir-se do homem velho e vestir-se do novo. ‘Então – disse São Beda – negamos a nós mesmos, quando evitamos o que fomos e insistimos na nova vida a que fomos chamados’.


Em Mt 16, 25-27 diz: “Pois aquele que quiser salvar a sua vida, vai perdê-la, mas o que perder a sua vida por causa de mim, vai encontrá-la. De fato, que aproveitará ao homem se ganhar o mundo inteiro mas arruinar a sua vida? Ou que poderá o homem dar em troca de sua vida? Pois o Filho do Homem há de vir na glória do seu Pai, com os seus anjos, e então retribuirá a cada um de acordo com o seu comportamento”.


O cristão não pode passar por alto estas palavras de Jesus Cristo. Deve arriscar-se, jogar a vida presente em troca de conseguir a eterna: “Que pouco é uma vida para oferecê-la a Deus!” (São Josemaría Escrivá, Caminho, n° 420).
A exigência do Senhor inclui renunciar à própria vontade para a identificar com a de Deus, não aconteça que, como comenta São João da Cruz, tenhamos a sorte de muitos “que queriam que Deus quisesse o que eles querem, e entristecem-se de querer o que Deus quer, e têm repugnância em acomodar a sua vontade à de Deus. Disto vem que muitas vezes, no que não acham a sua vontade e gosto, pensam não ser da vontade de Deus e, pelo contrário, quando se satisfazem, crêem que Deus Se satisfaz, medindo também a Deus por si, e não a si mesmos por Deus” (Noite Escura, Liv. I, cap. 7, n° 3).
Edições Theologica comenta Mt 16, 26-27: “As palavras de Cristo são de uma clareza meridiana: situam cada homem, individualmente, diante do Juízo Final. A salvação tem, pois, um caráter radicalmente pessoal: ‘remunerará a cada um segundo as suas obras’ (v, 27). O fim do homem não é ganhar os bens temporais deste mundo, que são apenas meios ou instrumentos; o fim último do homem é o próprio Deus, que é possuído como antecipação aqui na terra pela graça, e plenamente e para sempre na Glória. Jesus indica qual é o caminho para conseguir esse fim: negar-se a si mesmo (isto é, tudo o que é comodidade, egoísmo, apego aos bens temporais) e levar a cruz. Porque nenhum bem terreno, que é caduco, é comparável à salvação eterna da alma”, e: “O menor bem da graça é superior a todo o bem do universo” (Santo Tomás de Aquino, Suma Teológica, I-II, q. 113, a. 9), e também: “Quando se trata da salvação da alma, devemos sempre colocar-nos em face da morte, diante do juízo final, tremendo e inexorável, desse momento em que O Filho do Homem há de vir com seus anjos, na glória de seu Pai, para julgar a todos os homens. Quão diferentemente havemos de apreciar as coisas da vida, quando chegar a hora da nossa morte!” (Dom Duarte Leopoldo).
São João Crisóstomo escreve: “Que coisa dará o homem por sua alma?’ Que vale tanto como dizer: se perderes as riquezas, poderás dar outras riquezas para comprá-las; porém, se perderes tua alma, não poderás dar outra alma e nenhuma outra coisa qualquer” (Homiliae in Matthaeum, hom. 55, 3), e: “Ao ordenar o Senhor a seus discípulos que se negassem a si mesmos e tomassem sua cruz, todos os que o escutavam se encheram de terror; porém a estes pensamentos tristes sucede a alegria com as palavras do Senhor. ‘Porque o Filho do homem há de vir na glória de seu Pai’. Temeis a morte? Ouvi a glória de seu triunfo. Tens medo da cruz? Escutai a quem servem os anjos” (São Jerônimo), e também: “Agora veio o Filho do homem, porém não em sua glória, porque não era oportuno que viesse em sua glória carregado de nossos pecados; porém virá em sua glória, quando houver preparado seus discípulos e os houver feito semelhantes a Ele e participantes de sua glória” (Orígenes, Homilia 2 in Matthaeum), e ainda: “Mas não disse Ele: em tal ou qual glória do Pai, a fim de evitar que se suspeitasse que houvesse duas glórias; mas na glória do Pai, para manifestar que falava de uma mesma glória. E se a glória é uma só, claro é que também a essência é uma só. Por que tens, ó Pedro, medo da palavra morte? Então me verás na glória, mas se eu estou na glória, também o estarão vocês; porém ao falar da glória, insinua coisas terríveis, pondo-nos diante ao juízo pelas palavras: ‘E então dará a cada um segundo suas obras” (São João Crisóstomo, Homiliae in Matthaeum, hom. 55, 4), e: “E o Senhor disse isso, não só para recordar aos pecadores os males, conseqüência de seus pecados, mas também as recompensas e as coroas dos justos” (Idem., Homiliae in Matthaeum, hom. 55, 4), e também: “O Senhor querendo manifestar o que é a glória que viria depois, a revelou aos apóstolos na vida presente (enquanto lhes era possível compreender), a fim de que não se abatessem com o pensamento da morte do Senhor” (Idem., Homiliae in Matthaeum, hom. 56, 1), e ainda: “Isto que se diz aqui, foi cumprido àqueles três discípulos, diante dos quais se transfigurou o Senhor na montanha, mostrando-lhes as alegrias da recompensa eterna: eles o viram do modo em que virá em seu reino, isto é, brilhando com a claridade, na qual o verão todos os santos depois do juízo” (Remígio).
O Pe. Paulo Segneri comenta o trecho de Mt 16, 26.
Cristo não fala propriamente de perda total, mas apenas de prejuízo, de dano para a alma. Isto significa que não só perdendo a alma não se lucra nada por um bem qualquer deste mundo, como também nem sequer convém sofrer qualquer dano espiritual por amor dos bens deste mundo: fossem mesmo os maiores. Realmente: quando será que poderás dar à alma o equivalente que lhe tiras? Sabes, por acaso, qual é o valor de um mínimo grau de glória? Vale certamente muito mais que todas as monarquias do mundo, em todos os tempos, consideradas juntas. Tanto que, se tu, para conseguir um domínio sobre todas elas, tivesses que cometer um pecado venial, serias um imprudente. Não só: és também um imprudente, quando sentes dificuldades em oferecer a Deus qualquer grande sacrifício de algo a que não estás obrigado sob pena de pecado: pois que, o que poderás oferecer a Deus que Ele mesmo um dia já não te tenha dado e que um dia também não irá te retribuir com imensa vantagem para ti? “Em suas terras terão partes dobradas” diz Isaías 61, 7, a respeito dos eleitos que se mortificam por amor de Deus.
Talvez, porém, esta medida pareceu a Jesus muito pouco expressiva, tanto que Ele a apresentou nestes outros termos: “No seio vos será lançada uma medida boa, e cheia, e recalcada, e sacudida” (Lc 6, 38). Já presenciaste alguma vez a venda de um saco de trigo realizada de amigo para amigo? Antes de tudo ele escolhe um saco que não seja defraudado: “medida boa”; em seguida enche de trigo o saco, mas até em cima, fazendo ainda pressão com as mãos: “medida cheia”; depois sacode o saco, para que, se possível, ajeitando bem o trigo no fundo, haja ainda um pouco de lugar: “medida recalcada”; e, por fim, ainda põe mais trigo, que chega até a sair fora do saco: “medida sacudida”. Poder-se-ia imaginar algo de mais benévolo e superabundante? E é essa a medida que o Senhor usará também contigo ao te retribuir todas as coisas que tiveres feito por seu amor, cada palavra, cada passo, cada sacrifício. O Senhor é bom.
Não há pois nenhuma dúvida possível a respeito da sentença que estamos meditando: “Que aproveita ao homem ganhar todo o mundo, se vier a sofrer prejuízo sua alma?” E que deveríamos dizer, quando se tivesse que pensar sobre a ruína total da própria alma?
Pensemos, pois, também, na perda de nossa alma, com relação aos bens deste mundo. Que te adiantará tudo quanto tiveres gozado em prazeres, grandezas, glória, se fores condenado? Acreditas, por acaso, que se houver algum imperador condenado no inferno, ele sinta algum refrigério ao pensar nos bens que teve nesta terra, nos seus velhos tesouros, nos seus antigos triunfos? Antes, não pode ser senão o contrário: o bem perdido somente poderá ser causa de maior aflição. E se, como no caso dos condenados, o bem terreno foi precisamente o início da perdição, quanto maior será a dor para quem perdeu os bens e a alma para sempre! “Será abatida a arrogância dos homens e humilhada a altivez dos grandes”, diz Isaías 2, 17: castigo em contraste direto com o pecado cometido sobre a terra.
Não há dúvida: nada te adiantará tanto esforço para subir, para acumular, para exaltar loucamente a condição de tua casa: perdendo a alma, tudo isso redundará em humilhação ainda maior para ti.
Diz o texto: que aproveitará? Mesmo presentemente que te aproveita? Devemos pensar, pois, que não só não aproveitará para a eternidade, como também não aproveita nem aqui nesta terra, o conseguir lucros com prejuízo para a própria alma. De fato, que te aproveitará qualquer bem se isso resultasse em perigo para ti? “Que dará o homem em troca de sua alma?” (Mt 16, 26): nenhuma compensação. O risco é por demais grave, para que possamos nos permitir de aceitá-lo ou mesmo até de pensá-lo. Que dizem aqueles que agora se encontram no inferno por causa dos próprios pecados? “De que nos aproveitou a soberba? De que nos serviu a vã ostentação das riquezas?” (Sb 5, 8). É a constatação experimental da relatividade de valores. Por conseguinte, para quem deve ainda viver nesta terra, é de grande importância a pergunta: que aproveitará? Que importa a tua posição destacada? Que importa a mitra? Que importa a púrpura? Que importa até mesmo uma tiara se com isso vieres a sofrer algum prejuízo em tua alma ou ficares exposto a perigos de condenação eterna?
Mas, na maioria das vezes, a medida dos homens é diversa: “São mentirosos os filhos dos homens postos na balança” (Sl 61, 10): eles fazem continuamente prevalecer o temporal sobre o eterno: eles não mantêm as justas proporções. Não se encontrarão, porém, balanças que dêem resultados assim tão enormemente errados: mentirosos são os homens, não as balanças, os homens, que até diante dos outros homens dão como lhes parece melhor, a inclinação da balança, opondo-se a toda e qualquer evidência da razão: “Rebeldes à luz” (Jó 24, 13).
Por mais que o Senhor tenha dito: Que aproveita ao homem ganhar todo o mundo, etc., apesar disso não haverá nenhum que será condenado por ter conquistado todo o mundo. A maioria condena-se por ter conseguido migalhas tão diminutivas e miseráveis deste mundo, que pensando bem, dá vontade de chorar. Nunca acontece que o demônio apanhe alguém pelos cabelos e o conduza até o alto do Olimpo ou a qualquer outro monte e mostrando-lhe “todos os reinos do mundo” diga-lhe: “Dar-te-ei tudo isso se prostrado me adorares” (Mt 4, 8-9). Os homens satisfazem-se com muito menos para dobrarem seus joelhos e prestarem-lhe homenagem: uma pequena vinha, como Acab, uma mísera igreja, um modesto cargo, uma pequena bolsa, como Judas; por tão pouca coisa não conseguirão abster-se de oprimir os pobres, das simonias, dos perjúrios, das traições. E, além disso, poder-se-á encontrar coisas piores: verás aqueles que nada exigirão como pagamento para cometerem seus pecados, mas pelo contrário, eles mesmos pagam: recomendam-se de certo modo ao demônio para que os compre, a ele que preferia ser comprado.
Vê aqueles que se perdem porque vão atrás dos seus prazeres sensuais, que não conseguem nem se “alegrar”...: o demônio ri, e deixa que esse esforcem em busca de novas invenções para despertarem os sentidos quase mortos. Vê quantos há que quase explodem de tanta raiva e apesar disso não conseguem vingar-se dos que os ofenderam. Vê como se debatem por causa da inveja e apesar disso não realizam um contrato proveitoso. Vê os que perdem a paciência com tanta ambição, e, todavia, não encontram um clima que lhes seja favorável. Todos esses, o que experimentam no pecado? Unicamente o amor doloroso da escravidão. Quanto ao resto, não encontram quem lhes pague mesmo que seja uma bagatela: “... não haverá comprador” (Dt 28, 68).
Católico, cuide bem da sua alma imortal: “Quem perde a própria alma já não está em condições de a resgatar. É no juízo final, no qual Jesus dará a cada um o que tiver merecido, manifestar-se-á quão grande e irreparável é a perda da alma” (PIB).




Pe. Divino Antônio Lopes FP.
Anápolis, 27 de agosto de 2008

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