Os pensadores medievais insistiam em que há dois modos de degustar a música.
Uma é a forma vulgar que fica no sensível, no prazer imediato da orelha afagada pelos sons doces.
A outra forma é intelectual: ela eleva a beleza sonora até o mundo das proporções inteligíveis, até o próprio Deus.
Na primeira forma os compositores se comprazem na simples audição e compõem segundo seu capricho.
Na segunda forma, compõem segundo as regras.
Os primeiros são como bêbados que voltam para casa sem conhecer o caminho.
Os outros são sábios que sabem o que fazem e como o fazem.
Para os sábios, a música é uma atividade intelectual e contemplativa. Ouvindo-a com inteligência penetra-se no mundo dos mistérios sublimes, das regras da harmonia, dos números eternos.
Assim faziam os Antigos, ensina Casiodoro, mas os cristãos sobem mais alto e chegam até a unidade, i. é, até a fonte de todas as harmonias, o Criador de todas as belezas, a Felicidade absoluta.
Então, a música se dilata num êxtase místico.
A catedral de pedra é símbolo do mundo invisível, ela lembra a sociedade perfeita do Céu. Assim também é a música.
A cítara nos lembra a Sagrada Escritura: sua caixa é o símbolo da história, suas cordas esticadas fazem aparecer o sentido místico dos acontecimentos.
O duplo tetracórdio é símbolo de Cristo.
O primeiro tetracórdio representa sua Humanidade santíssima: pelos sons graves nos fala de sua vida oculta, pelos sons agudos nos fala de sua Paixão e Morte.
O segundo tetracórdio é a imagem da harmonia divina realizada na Ressurreição e na glória eterna.
A sinfonia é a imagem do Universo unificado em Deus.
Guilherme de Auvergne vê nas notas mais altas a harmonia das criaturas mais sublimes. Para ele os sons graves são signo dos seres materiais.
Todo concerto é o símbolo da harmonia cósmica, da fabulosa unidade do universo estruturado com hierarquia e proporção.
(Fonte: excertos de Edgar de Bruyne, “Études d’esthétique médiévale”, tomo 2, Albin Michel, Paris).
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