quarta-feira, 12 de maio de 2010

Em nome do marketing.

Em nome do marketing

Igreja evangélica organizada
como franquia torna-se o maior
fenômeno desde o surgimento
da Universal do Reino de Deus


Marcelo Carneiro

Raphael Falavigna
Culto do Evangelho Quadrangular: a quarta maior igreja do país adotou o modelo de células

O aumento do número de evangélicos no Brasil é um fenômeno. Em pouco mais de meio século, esses fiéis passaram de 3% para 15% da população brasileira, somando cerca de 25 milhões de pessoas. Nos últimos anos, uma parcela dessas igrejas tem adotado um novo e eficientíssimo modelo de expansão. Conhecido como igreja de células, funciona como uma espécie de franquia da fé, com forte apelo de marketing e truques que parecem tirados dos manuais de técnicas de venda porta a porta. O sistema se baseia na multiplicação do número de fiéis organizados em grupos de doze pessoas. Cada um desses grupos forma uma célula. A função primordial de cada célula é atrair fiéis em quantidade suficiente para gerar uma célula nova. Seguindo esse modelo, já foram implantadas no Brasil, nos últimos quatro anos, cerca de 30.000 novas igrejas, expansão só vista antes com o assombroso crescimento da Igreja Universal do Reino de Deus. O sucesso começa a incomodar as lideranças de duas das maiores denominações do país – a própria Universal e a Assembléia de Deus. A igreja de células, que reúne adaptações importadas da Colômbia e da Coréia do Sul, já é considerada uma das cinco maiores forças do meio evangélico.

O segredo do sucesso da "visão celular", como também é conhecida, está numa combinação infalível: o boca-a-boca entre os fiéis e um rígido controle de metas. Cada novo membro da igreja de células deve, no prazo de um ano e meio, tornar-se um líder e formar o próprio grupo de doze integrantes. Para isso, é orientado a arrebanhar fiéis entre parentes, colegas de trabalho ou de faculdade, exatamente como fazem os especialistas em venda direta. Outro ingrediente importante da receita são os encontros para evangelização e formação de líderes, geralmente cercados de sigilo. Em alguns dos encontros de fim de semana, os fiéis são recebidos com festa e fogos de artifício e mantidos incomunicáveis nas primeiras 24 horas. Eles também são instruídos a não contar nem aos parentes mais próximos o que é ministrado nas reuniões. Cria-se, então, a curiosidade, a fim de que outros fiéis também se sintam estimulados a participar dos próximos encontros. Marketing puro.


Claudio Rossi
A apóstola Valnice Milhomens: "Deus usaria o marketing"


O modelo tem sido muito criticado pelas hostes rivais, que vêm perdendo não apenas fiéis, mas também valiosos dízimos. "Eles tentam fazer uma reengenharia do Evangelho, perseguindo o crescimento a todo custo", diz Silas Malafaia, pastor de uma das principais lideranças da Assembléia de Deus, a maior igreja do país, com quase 50% de todo o rebanho evangélico. É fato que a igreja de células não tem crescido apenas arrebanhando os chamados "novos crentes", mas fincando bandeiras no território alheio. No meio evangélico, essa estratégia é conhecida como "pescar no aquário". A expressão é usada quando uma nova igreja, em vez de tentar conquistar fiéis de religiões concorrentes, como católicos ou espíritas, busca adeptos de outras denominações evangélicas.

A questão é que essa estratégia é utilizada por boa parte das quase 1.000 denominações do tipo neopentecostais que existem hoje no mundo. "Se seu pasto não está servindo para sua ovelha, cuide melhor de seu pasto. Só nos critica quem não está crescendo", responde Valnice Milhomens, uma ex-pastora batista de 57 anos, intitulada apóstola da Igreja Mundial do Senhor Jesus Cristo, uma das mais agressivas na adoção do crescimento por células. Criada em 1994, com apenas quatro discípulos, a igreja de Valnice adotou o modelo em 1999, depois de uma visita a Bogotá, onde o pastor colombiano César Castellanos criou a estratégia dos grupos de doze fiéis, ou G12, que teriam sido inspirados no número de apóstolos de Jesus Cristo. Hoje, a Igreja Mundial, com sede em São Paulo, possui sessenta congregações em todo o país, além de filiais em Portugal, Moçambique, Suíça e Japão.

O que diferencia a igreja de células dos modelos tradicionais é, além desses aspectos, a ausência de lideranças com projeção nacional. Valnice Milhomens é um exemplo. Ela está longe de ser uma figura com a fama e o poder do bispo Edir Macedo, criador da Igreja Universal do Reino Deus, com seus 3 milhões de fiéis distribuídos por 138 países. No modelo celular, o crescimento se dá entre as franjas do meio evangélico, nos rincões do país. O maior exemplo de força da igreja de células vem de Manaus. Foi ali que o ex-pastor batista Renê Terra Nova conseguiu a façanha de, em um período de seis anos, fazer seu Ministério Internacional da Restauração pular de 2.000 para cerca de 30.000 fiéis. Com o sucesso, até denominações tradicionais já aderiram à novidade. Uma das principais é a Igreja do Evangelho Quadrangular, uma das quatro maiores do país, com 7.500 igrejas e quase 10.000 pastores responsáveis por um rebanho estimado em 2 milhões de fiéis. A expectativa é que, em um prazo de no máximo cinco anos, todo esse rebanho esteja rezando pela heterodoxa cartilha celular. Conclui a apóstola Valnice Milhomens: "O marketing é criação do homem e o homem é criação de Deus. Por que Deus não usaria o marketing para atrair mais fiéis?"

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