domingo, 22 de junho de 2014

Padre Paulo Ricardo - A providência divina (Ouça).

Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo
Mateus (Mt, 10, 26-33)
Neste Domingo, Jesus envia os Seus apóstolos em missão (a palavra “apóstolo” quer dizer justamente isto: enviado), pedindo-lhes que confiem inteiramente na providência divina. Ele tem consciência de que a situação não é fácil. No mesmo capítulo, um pouco antes, adverte: “Eu vos envio como ovelhas no meio de lobos” [1]. Mesmo assim, Ele pede três vezes aos discípulos para que não tenham medo.
Ora, por que confiar? Para convencer os Seus, Jesus usa um argumento a fortiori: “Não se vendem dois pardais por algumas moedas? No entanto, nenhum deles cai no chão sem o consentimento do vosso Pai. Quanto a vós, até os cabelos da vossa cabeça estão contados. Não tenhais medo! Vós valeis mais do que muitos pardais”.
Ao falar da providência, é importante usar a distinção que faz Santo Tomás de Aquino:
“Duas coisas cabem à providência: a razão da ordem dos seres a quem ela provê, a um fim; e a execução dessa ordem, a que se chama governo. — Quanto à primeira, Deus, que tem no seu intelecto a razão de todos os seres, mesmo dos mínimos, a todos provê imediatamente. E preestabelecendo certas causas a certos efeitos, deu-lhes a virtude de os produzir. Logo, é necessário nele preexista a razão da ordem desses efeitos. — Quanto à segunda, a providência, que governa os inferiores pelos superiores, emprega certos seres médios; não por defeito do seu poder, mas pela abundância da sua bondade, que comunica a dignidade de causa, mesmo às criaturas.” [2]
Ao colocar em ação (=governo) o Seu plano de amor (=razão) para as criaturas, Deus nem sempre o faz de modo imediato, mas age por meio de outros seres. Ele ama diretamente a todos, tem uma providência para cada um e cuida dos mínimos detalhes de sua existência, mas, ao executar seu projeto, fá-lo por mediadores. Por exemplo, quando uma pessoa tem um cachorro de estimação, ela é um instrumento da providência divina para aquele animal, assim como Deus se utiliza de Seus anjos, de Seus santos e até mesmo de outras pessoas para cuidar de nós. Às vezes, esperamos que o Senhor faça milagres em nossas vidas, mas não nos atentamos àquilo que Ele mesmo faz por meio dos que nos são próximos. Se, por exemplo, alguém passa fome e suplica a Deus que lhe mande comida, é claro que o Todo-Poderoso pode, milagrosamente, fazer que a sua farinha não acabe e que a sua ânfora de azeite não se esvazie, como fez à viúva de Sarepta [3]; mas Ele também pode providenciar alguém generoso que lhe dê de comer – e, diga-se de passagem, é assim que Ele geralmente prefere agir.
É certo, de qualquer modo, que nos devemos abandonar à providência de Deus. Mas, como fazer isso? Por certo, não devemos “cruzar os braços”, descuidando de nossos deveres de estado e fugindo de nossas responsabilidades. É preciso, antes, cumprir aquela vontade divina que já nos foi manifestada – que o Aquinate chama de “vontade de sinal” – e, depois, confiar na vontade de Deus propriamente dita, que nos é oculta e que Tomás chama de “vontade de beneplácito” [4].
É sabido, por exemplo, que as tribulações que Ele permite que nos advenham nem sempre são para castigar-nos por nossos pecados. Podem ser para purificar o nosso amor. Isto depende do estado em que se encontra a nossa alma.
São Paulo escreve que “todas as coisas concorrem para o bem daqueles que amam a Deus, daqueles que são os eleitos, segundo os seus desígnios” [5]. E ainda: “Não só isso, mas nos gloriamos até das tribulações. Pois sabemos que a tribulação produz a paciência, a paciência prova a fidelidade e a fidelidade, comprovada, produz a esperança. E a esperança não engana. Porque o amor de Deus foi derramado em nossos corações pelo Espírito Santo que nos foi dado” [6]. Também Santo Tomás, ao comentar o livro de Jó, antecipa o que São João da Cruz escreve no século XVI: que Deus permite purificações passivas na vida daqueles que O amam.
Agora, se não amamos a Deus, nem tudo concorre para o nosso bem. E isto, não por culpa divina, mas por causa de nós mesmos, que nos fechamos à Sua graça. Um dos sinais de que uma pessoa está caminhando para a perdição eterna é a sua constante revolta contra Deus em meio as tribulações. Quem age deste modo é “forte candidato” a ser réprobo, pois está frequentemente tratando Deus como inimigo.
Diante das cruzes que o Senhor permite que nos venham, precisamos nos purificar. No começo, sofremos mais. Mas, com o tempo, percebemos que Ele age “ad dirigendos pedes nostros in viam pacis – para dirigir os nossos passos, guiando-os no caminho da paz” [7], como rezamos no Benedictus.
Aproveitemos este Domingo para rezar este belo Ato de Abandono à divina providência:

Ato de Abandono

Frei Réginald Marie Garrigou-Lagrange, O.P.
Em vossas mãos, ó meu Deus, eu me entrego.
Virai e revirai esta argila,
sicut lutum in manu figuli (Jeremias 18, 6),
como a vasilha que se modela nas mãos do oleiro.
Dai-lhe forma;
e em seguida despedaçai-a, se assim quiserdes;
ela vos pertence, e nada tem a dizer.
Basta-me que ela sirva a todos os vossos desígnios
e que em nada resista a vosso divino beneplácito,
para o qual eu fui criado.
Pedi, ordenai;
que quereis que eu faça?
que quereis que eu deixe de fazer?
Exaltado ou rebaixado,
perseguido, consolado ou aflito,
utilizado em vossas obras ou sem para nada servir,
a mim não resta senão dizer,
a exemplo de vossa Mãe Santíssima:
“Seja feito segundo a vossa palavra”.
Concedei-me o amor por excelência,
o amor da cruz,
não destas cruzes heroicas
cujo esplendor poderia nutrir o amor próprio,
mas destas cruzes ordinárias
que nós carregamos, ai de nós, com tanta repugnância,
destas cruzes de todos os dias,
com as quais a vida está repleta
e com as quais nos deparamos a todo momento,
no caminho, na contradição, no esquecimento,
no fracasso, nos falsos julgamentos, nas contrariedades,
nas friezas ou no entusiasmo de alguns,
na grosseria ou no desprezo dos outros,
na enfermidade do corpo, nas trevas do espírito,
no silêncio e na secura do coração.
Somente então sabereis que vos amo,
embora, às vezes, nem eu mesmo o saiba nem sinta;
e isto me basta!

Referência

  1. Mt 10, 16
  2. Suma Teológica, I, q. 22, a. 3
  3. Cf. 1 Rs 17, 14
  4. Cf. Suma Teológica, I, q. 19, a. 11
  5. Rm 8, 28
  6. Rm 5, 3-5
  7. Lc 1, 79




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