sábado, 27 de novembro de 2010

Obrigação e dispensa da Liturgia das Horas.

Um padre, por se encontrar em idade avançada e com precárias condições de saúde, dirige ao bispo o pedido de dispensa da obrigação de rezar todo dia integralmente a Liturgia das Horas. Pergunto: o bispo pode conceder tal dispensa? O motivo apresentado constitui uma causa justa e razoável?




Todos os fiéis cristãos, independente de serem clérigos, consagrados ou leigos, devem empenhar-se constantemente na busca da perfeição da vida cristã (can. 276), de acordo com cada estado ou condição de pessoa na Igreja. Porém aos clérigos, torna-se ainda mais incisiva essa busca, devido ao seu peculiar estado de vida (PO, 12)




Os meios usados pelos clérigos na busca da santificação são reportados no cânon 276, § 2. Tais meios são o resultado de uma longa tradição da Igreja, para que os clérigos possam conseguir a finalidade da busca da perfeição evangélica, através da sua constante santificação. Assim, resumem-se os principais meios para conseguir tal finalidade:
1º) Cumprir fiel e incansavelmente os deveres do ministério pastoral;
2º) Alimentar quotidianamente a vida espiritual através da Palavra de Deus e da Santíssima eucaristia;
3º) Rezar diariamente a Liturgia das Horas, como obrigatória aos clérigos;
4º) Participar dos retiros espirituais, de acordo com o direito próprio;
5º) Exercitar-se diariamente na oração mental pessoal, na devoção mariana e frequentar esporadicamente o sacramento da Penitência, bem como nos outros meios de santificação comuns ou particulares.




Em se tratando de vida de piedade, a Liturgia das Horas é a única obrigação expressa no atual Código de Direito Canônico. Não se encontra outro fundamento nessa obrigação, a não ser o argumento da tradição. A Liturgia das Horas era uma prática diária, desde o Antigo Testamento, através do Shemá Israel (escuta, Israel...), que se rezava no nascer e no por do sol. Além do mais, essa tradição enraíza-se profundamente na vida monástica, onde se desenvolveu a vida consagrada. Daí, o gancho da obrigação, destinada especialmente aos clérigos e religiosos consagrados, que na história da Igreja tiveram que absorver muitas práticas religiosas, tendo como modelo a vida religiosa consagrada (exemplo do celibato). Porém, sublinhamos que não é porque se trata de uma obrigação jurídica que os clérigos e religiosos consagrados estão obrigados à sua celebração. A Liturgia das Horas é uma expressão da Sagrada Escritura, que recitada ou cantada, sempre que é celebrada. E sendo uma expressão dos textos sagrados, não deveria se tornar uma camisa de força dentro da Igreja, mas uma fluente prática de oração, num oásis de textos que foram cristalizados durante o tempo, para que pudessem criar a ponte entre o ser humano e Deus. Por outro lado, os fiéis leigos, mesmo não sendo obrigados à sua reza, cada vez mais estão buscando essa riqueza, rezando-a individualmente, em comunidade, ou até formando coro com os clérigos onde isso é possível. Então, o rezar a Liturgia das Horas se transforma não tanto em obrigação, mas em oportunidade de louvar e agradecer aos Deus da vida pelas suas maravilhas operadas na criação, através dos textos sagrados. 




Finalmente, configurando tal arrazoado ao caso exposto pelo internauta, podemos tecer as seguintes considerações à guisa de conclusão:
1) Embora não saibamos bem o tipo de justa causa que pudesse motivar a sua dispensa, o ordinário local (bispo ou ordinário próprio) pode dispensá-la, desde que se apresentem os devidos motivos. Poderíamos apresentar, como exemplo, uma doença que impeça a pessoa de participar da oração comunitária, ou ainda, um compromisso que a impeça de estar presente nos atos comunitários;
2) Sendo uma obrigação, de acordo com uma resposta da Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos, o recurso à epiquéia, somente é possível em casos de justa necessidade e verdadeira impossibilidade de participar da Liturgia das Horas.


Portanto, se a pessoa em epígrafe apresenta precárias condições de saúde, não vemos por que não se possa desobrigá-la da celebração da Liturgia das Horas. E que a misericórdia vigore sobre a lei! 

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