sábado, 6 de dezembro de 2014

2º Domingo do Advento - A virtude da humildade.

Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo Marcos
(Mc 1, 1-8)
O Evangelho deste Domingo apresenta a figura de São João Batista, que foi o precursor (πρόδρομος) de Nosso Senhor. Como disse o próprio Zacarias: "Serás profeta do Altíssimo, ó menino, pois irás andando à frente do Senhor para aplainar e preparar os seus caminhos, anunciando ao seu povo a salvação, que está na remissão de seus pecados" [1].
É com uma citação do profeta Isaías que São Marcos introduz o seu Evangelho. O "Livro da Consolação" – a segunda parte do livro de Isaías – foi escrito à época do exílio do povo de Israel na Babilônia. Depois de muito advertir e ameaçar os israelitas, Deus começa a consolar o seu povo, agora em cativeiro. Assim começa o capítulo 40: "Consolai o meu povo, consolai-o! – diz o vosso Deus". É deste contexto que vem a frase usada pelo Evangelista: "Esta é a voz daquele que grita no deserto: 'Preparai o caminho do Senhor, endireitai suas estradas!'"
Quem examina, porém, a frase de Marcos e a de Isaías, percebe que há uma diferença no modo como estão construídas. O profeta diz que uma voz grita para que se prepare, no deserto, o caminho do Senhor; no Evangelho, ao contrário, é a voz que clama no deserto. Por que essa mudança de pontuação? Porque São Marcos – assim como sempre fizeram os cristãos – lê o Antigo Testamento à luz do Novo. O sentido literal da passagem de Isaías existe e é importante, mas é preciso entendê-la também e principalmente a partir de Cristo. Assim, preparar "o caminho do Senhor" nada mais é que preparar o caminho de Jesus.
Mas, como fazer isso? O exemplo de São João Batista ilustra bem o que Isaías quer dizer com os verbos aplainarnivelar e rebaixar, usados na Primeira Leitura [2]. Ele diz: "Depois de mim virá alguém mais forte do que eu. Eu nem sou digno de me abaixar para desamarrar suas sandálias". Para preparar "o caminho do Senhor", é necessária a virtude da humildade. Ao pregar ao povo um batismo de conversão e o arrependimento dos pecados, São João quer que os homens reconheçam a sua miséria, desfaçam-se de seu orgulho e de sua soberba, sejam humildes.
Para entender em que consiste essa virtude, é preciso entender que, no homem, existem apetites naturais, que se encontram desordenados por conta do pecado original. O desejo de comer, por exemplo, pode degenerar em gula; o desejo sexual, em luxúria; e, do mesmo modo, o desejo de glória – porque o ser humano foi feito para a glória do Céu – pode transformar-se no vício da soberba, que é justamente um apetite desordenado da própria excelência. A humildade consiste, pois, em refrear esse apetite e imitar Nosso Senhor que, "existindo em forma divina, não se apegou ao ser igual a Deus, mas despojou-se, assumindo a forma de escravo e tornando-se semelhante ao ser humano" [3]. Não é justamente este o mistério que se celebra no Natal – a saber, o do Verbo que se fez carne, do Deus que se rebaixa, se humilha, para salvar a humanidade? Não foi também este o fato que Simeão considerou "causa de queda" e "sinal de contradição" [4] em Israel?
Para sondar a natureza da humildade, é importante recorrer à definição de Santa Teresa de Ávila, em suas Moradas:
"Certa vez, pensando eu por que Nosso Senhor aprecia tanto a virtude da humildade, deparei logo (a meu ver, sem que eu o considerasse, de modo repentino) com o seguinte: sendo Deus a suma Verdade, e a humildade, andar na verdade, eis a razão da sua importância. E é grandíssima verdade o fato de nada de bom proceder de nós; só o fazem a miséria e a insignificância. E quem não entende isso anda na mentira. Quem mais o compreender mais agradará à suma Verdade, porque anda nela. Praza a Deus, irmãs, dar-nos a graça de nunca abandonar esse conhecimento próprio. Amém." [5]
"Andar na verdade", eis o que é a humildade. Não se trata de inventar algo a respeito de si mesmo, vivendo uma espécie de teatro, mas de reconhecer uma "grandíssima verdade": que nada de bom procede de nós, senão "a miséria e a insignificância".
Santo Tomás de Aquino, ao responder se o homem deve, por humildade, sujeitar-se a todos, ensina coisa semelhante:
"Duas coisas podem ser consideradas no homem: o que é de Deus e o que é do homem. É do homem, certamente, tudo o que é falho e é de Deus tudo o que é de salvação e perfeição, conforme está escrito: 'Tua perdição é obra tua, Israel; tua força é somente minha' (Os 13, 9). Ora, a humildade, como se viu, visa, propriamente, à reverência com que o homem se submete a Deus. E, por isso, todo homem, por aquilo que é seu, deve sujeitar-se ao próximo, quem quer que seja, por causa daquilo que é de Deus nessa pessoa."

(...)

"Se preferimos o que há de divino no próximo ao que há de humano em nós mesmos, não podemos incorrer em falsidades. Por isso, comentando o que diz o Apóstolo: 'Considerai os outros superiores a vós' (Fl 2, 3), diz a Glosa: 'Não devemos entender essas palavras, fingidamente; pelo contrário, pensemos que pode haver no outro um bem oculto que o faz superior a nós, mesmo que o nosso bem, pelo qual nos achamos superiores a ele, não esteja oculto'." [6]
Neste tempo do Advento, sigamos o exemplo de São João Batista e coloquemos em prática a virtude da humildade, consciente de que "Deus resiste aos soberbos, mas concede a graça aos humildes" [7].

Referências

  1. Lc 1, 76-77
  2. Cf. Is 40, 3-4
  3. Fl 2, 6-7
  4. Lc 2, 34
  5. Castelo Interior, Sextas Moradas, X, 7
  6. Suma Teológica, II-II, q. 161, a. 3
  7. Tg 4, 6; cf. Pr 3, 34




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