Por Renato Varges, Comunidade de Aliança Shalom, RJ
Enchentes, deslizamentos, desmoronamentos e mais de 1000 mortos na região serrana do Rio de Janeiro;
terremoto seguido de um devastador tsunami arrasa cidades inteiras no Japão e deixam mais de 20 mil mortos. Estes dois episódios trágicos já seriam suficientes para que o início de 2011 ficasse marcado como um dos mais tristes da história.
Mas, eis que na manhã do dia 07 de abril, fomos novamente surpreendidos pela dor e perplexidade diante do massacre brutal de pelo menos 12 adolescentes numa escola de Realengo, no Rio de Janeiro.
Inevitavelmente surgem os comentários, questionamentos, dúvidas e até acusações: Onde estava Deus? Seria Ele incapaz de impedir o mal? Como afirmar Seu amor diante de tragédias que causam sofrimento e morte? Como Deus pode se omitir e não salvar Seus filhos amados? Se Deus é amor, como é possível tanta dor e tristeza?
Perguntas deste tipo costumam compor o cenário de episódios dramáticos como os que temos testemunhado. No entanto, não há uma resposta lógica e direta que faça os homens compreenderem perfeitamente estes males. Diante de uma chacina sem precedentes nacionais como a que ocorreu no Rio de Janeiro, pouco adianta buscar explicações que nos permitam racionalmente entender como é possível tamanha violência e brutalidade.
O mistério do sofrimento está profundamente ligado ao mistério de nossa humanidade. Por isso, João Paulo II nos ensina que “no fundo de cada sofrimento experimentado pelo homem, aparece inevitavelmente a pergunta: por que? É uma pergunta acerca da causa, da razão e também da finalidade (para que?); trata-se sempre, afinal, de uma pergunta acerca do sentido”.1
Portanto, o questionamento humano sobre o sofrimento é uma afirmação intuitiva de que este traz consigo um sentido e, portanto, sempre há um conteúdo a ser descoberto e lições a serem aprendidas.
A primeira lição a ser aprendida é que o mal jamais pode ser obra de Deus.
Quem nos revela isso é Jesus Cristo em sua conversa com o jovem rico quando afirma que Deus é Bom (Mt 19,17). Se Deus é Bom, tudo que Ele faz é bom e seu ato criador é a mais sublime expressão dessa bondade absoluta. (cf. Gen 1, 10). Se tudo que existe é bom, concluímos que o mal é sempre a negação do exercício do bem e nunca um sinal de desprezo e descaso de um deus omisso e vingativo.
A segunda lição é que, pela Sua bondade absoluta, Deus criou a natureza humana dotada de liberdade para que o homem entre em comunhão com Ele por amor e não por opressão.
Assim, todo homem deve exercer sua liberdade no espaço do amor de Deus. Quando o homem rejeita esta liberdade vinculada à caridade, está negando o exercício do bem e fazendo uma livre opção pelo mal, pelo pecado e, consequentemente, pela morte (cf. Rm 6, 23). Portanto, Deus não pode interferir no dom da liberdade, mesmo que o preço a ser pago seja que os inocentes e justos sofram a maldade dos maus.
No entanto, nesta misteriosa busca pelo sentido do sofrimento, a fé nos introduz nas chagas gloriosas do Ressuscitado que passou pela cruz e ai nos ensina a mais bela e fundamental lição. Quando Santo Agostinho afirma que “Deus soberanamente bom, não permitiria de modo algum a existência de qualquer mal em suas obras, se não fosse poderoso e bom a tal ponto de poder fazer o bem a partir do próprio mal”, ele tem a Paixão de Cristo como o mais perfeito exemplo. No sacrifício redentor de Jesus, o sofrimento humano reveste-se de uma dimensão completamente nova, pois é associado ao amor, que cria o bem extraindo-o do mal, extraindo-o da mais profunda dor. No mistério da Cruz de Cristo podemos dar sentido ao sofrimento humano, pois foi por este caminho que a humanidade recebeu o bem supremo da Redenção.
Portanto, somente associado ao amor, o sofrimento humano pode ganhar sentido e ser vivido como uma via e não como um ponto de chegada. Somente pelo trilhar desta via o sofrimento pode ser retirado do mundo, não pela sua eliminação, mas pela sua elevação à ordem do amor, quando o homem “enfrenta uma fatalidade que não pode ser mudada e transforma tragédia pessoal em triunfo, converte sofrimento em conquista, onde, não sendo capaz de mudar uma situação, é desafiado a mudar a si próprio”2.
Por isso, mediante nossa fé em Jesus Cristo e iluminados pela verdade do amor, podemos afirmar que a morte destes adolescentes e a dor consequente dela não podem ser desprovidas de sentido. Tomada pelo assombro, pela perplexidade e por um profundo sofrimento, a sociedade encontra-se diante de um desafio: acolher com esperança e entusiasmo a certeza de que, misteriosamente, Deus transforma o mal em bem maior. Se o sofrimento não pode ser evitado pelo homem, que encontre sentido no amor e seja transformado em instrumento do bem e salvação para o próximo.
Na certeza que Deus Pai esteve presente na inocente Paixão e Morte de Seu Filho, permitindo o derramamento do Seu sangue pra nele gerar o bem eterno da Redenção, cremos que este mesmo Pai também manifesta a Sua presença de amor mediante o derramamento do sangue inocente destes adolescentes do Rio de Janeiro. Assim, na certeza que o sacrifício redentor de Cristo gerou na humanidade uma vida nova, esperamos que a morte destes estudantes desperte no seio da sociedade a fecunda esperança de transformar, em Cristo, todo sofrimento em amor, todo desespero em paz, toda desordem em justiça, todo descaso em respeito, todo desprezo em compaixão, todo individualismo em fraternidade e toda morte em vida ressuscitada.
1. João Paulo II. O sentido cristão do sofrimento humano. Parágrafo 9, Paulinas, 1998.
2. Viktor Frankl. Em busca de sentido, p.101.
2. Viktor Frankl. Em busca de sentido, p.101.
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