A barra do manto de Jesus Cristo |
Dom Alberto Taveira Corrêa
ARCEBISPO METROPOLITANO DE BELÉM
“Uma grande multidão acompanhava Jesus e o apertava de todos os lados. Estava aí uma mulher que havia doze anos sofria de hemorragias e tinha padecido muito nas mãos de muitos médicos; tinha gastado tudo o que possuía e, em vez de melhorar, piorava cada vez mais. Tendo ouvido falar de Jesus, aproximou-se, na multidão, por detrás e tocou-lhe no manto. Ela dizia: Se eu conseguir tocar na roupa dele, ficarei curada.
Imediatamente a hemorragia estancou, e a mulher sentiu dentro de si que estava curada da doença. Jesus logo percebeu que uma força tinha saído dele e, voltando-se para a multidão, perguntou: Quem tocou na minha roupa? Os discípulos disseram: Tu vês a multidão que te aperta, e ainda perguntas: Quem me tocou? Ele olhava ao redor para ver quem o havia tocado. A mulher, tremendo de medo ao saber o que lhe havia acontecido, veio, caiu-lhe aos pés e contou toda a verdade. Jesus então disse à mulher: Filha, a tua fé te salvou. Vai em paz e fica livre da tua doença” (Cf. Mc 5, 24-34; Lc 8, 42-48).
O Cardeal Martini, Arcebispo emérito de Milão, na mais lida e comentada de suas cartas pastorais (“Il lembo del mantello” - Carta Pastoral 1991-1992) oferece o ponto de partida de reflexão neste Círio de 2011. Três realidades chamam atenção: a multidão que acorre em massa, o mistério de cada pessoa e a experiência de Deus, a que somos todos chamados.
Há uma multidão anônima que se espreme em torno de Jesus. Muitos o tocam, mas não acontece nada; ninguém se distingue com um desejo próprio. No meio da massa, uma mulher vem à tona. Ela tem um projeto bem definido e uma grande fé. Jesus lhe dirá depois “Filha, a tua fé te salvou”. Tem tamanha confiança em Jesus que pensa que apenas o contato com a barra de seu manto bastará para curá-la. Entra em contato autêntico com Jesus, de tal forma que ele mesmo percebe e proclama publicamente. Do meio da massa uma pessoa se manifesta!
Noutras ocasiões Jesus fala, ordena, toca nas pessoas. Aqui é suficiente a barra de um manto, quem sabe cheio da poeira das estradas, para estabelecer um contato pessoal da mulher com Jesus! Se o plano de salvação do Pai abraça tudo o que existe e a missão do Filho e do Espírito abrange toda a criação, todos os meios para comunicar a boa nova podem ser adotados por Deus para tocar o coração humano. Muitos foram tocados até pela sombra de Pedro nos Atos dos Apóstolos (Cf. At 5, 12-16). No correr da história da Igreja, a liberalidade do amor de Deus se serviu de inúmeras pessoas para sinalizar que o Senhor Jesus permanece conosco até o fim dos tempos.
Também nossas procissões, nossos gestos, o canto, as promessas e a corda do Círio podem ser como a veste a ser tocada para estabelecer o contato com as realidades sagradas, ainda mais quando somos conduzidos pelas mãos maternas da Virgem de Nazaré, que aceitou ser escrava do Senhor para que o Verbo de Deus se fizesse carne. E todas as gerações a proclamam bem-aventurada, como fazemos agora. Todas as coisas boas que fazemos nos dias do Círio, com nossa vibração e nossas emoções, podem ser espaços que o Verbo de Deus não desdenha. São orlas de seu manto, através das quais pode oferecer a graça da salvação.
Mas a barra da roupa de Jesus é apenas um pedaço de seu manto. O manto nos leva a quem o veste e é mais importante do que a roupa! É necessário que do meio da multidão cada pessoa saiba que tem nome e história, que é amada e levada a sério por Deus e diga seu sim a Ele, a modo de Maria em Nazaré. O Círio é mutirão de evangelização e experiência de conversão para quem dele participa. Quem apenas “assiste”, joga fora a grande oportunidade, um presente de Deus. Queremos viver o Círio como acontecimento de fé, muito maior do que o alcance cultural do evento.
A corda que se estende por nossas ruas, atrelada à berlinda que conduz a imagem peregrina de Nossa Senhora de Nazaré, é um dos sinais do desejo profundo existente em nossos corações de um contato com o que é sagrado. E Deus sabe o quanto este sinal tem sido importante para tantos de nós. Entretanto, mais importante do que um pedaço de corda, levado para casa como lembrança, será atrelar a própria vida ao Senhor e à sua Igreja. É a experiência magnífica descrita pelo profeta Oséias: “Sim, fui eu quem ensinou Efraim a andar, segurando-o pela mão. Só que eles não percebiam que era eu quem deles cuidava. Eu os lacei com laços de amizade, eu os amarrei com cordas de amor; fazia com eles como quem toma uma criança ao colo e a traz até junto ao rosto. Para dar-lhes de comer eu me abaixava até eles” (Os 11, 3-4).
Em nome da humanidade, a imagem de Nossa Senhora de Nazaré traz nos braços o troféu da vitória, Jesus Menino! Ternura nos braços e no olhar, para fazer-nos de novo como crianças acolhidas no regaço. Mãe e Filho! Em Jesus Cristo está nossa vida e nossa esperança de Ressurreição. Sem Ele nada podemos fazer. A Mãe que o Pai preparou para seu Filho amado continuará proclamando no Círio e em todos os dias de nossa vida: “Fazei tudo o que Ele vos disser” (Jo 2, 5). É o jeito de Maria nos dizer “Feliz Círio”!
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