Se alguém disser que no sacrossanto sacramento da Eucaristia permanece substância de pão e vinho juntamente com o Corpo e Sangue de nosso Senhor Jesus Cristo, e negar aquela admirável e singular conversão de toda a substância do pão em Corpo e de toda substância do vinho em Sangue, permanecendo somente as espécies de pão e vinho, conversão que a Igreja Católica propiciamente chama de Transubstanciação, seja excomungado. (Concílio de Trento, Cânones sobre a Eucaristia, II)
É muito interessante o modo pelo qual o Revdo. Pe. Fábio de Melo introduz seu "bate papo" com o conhecido Pe. Joãozinho a respeito da polêmica gerada pelas elucubrações de seu livro, escrito em parceria com Gabriel Chalita. Ele se refere à objeção do site da Montfort - Associação Cultural como a fonte originária da mesma, desconhecendo que, no momento em que fizera sua observação, a confusão já estava difundida largamente em diversos blogs da Internet, o que se poderia ter sido verificado facilmente com qualquer pesquisa no Google.
No entanto, conhecendo um pouco o modus operandi dessa turma, posso afirmar que o sacerdote em questão ficou aterrorizado com as argutas críticas que lhe foram feitas pelo site Montfort. Pois, embora outros sites o tivessem criticado, fizeram-no de maneira pouco teológica e, por vezes, ingenuamente lúdica.
O problema central da questão, a meu ver, é que eles tomam a teologia moderna (filha da filosofia moderna) como ponto de partida teórico, confundindo todas as noções metafísicas cunhadas por Aristóteles e Santo Tomás, essenciais para a compreensão do dogma, tal como a Igreja o definiu. Desta maneira, não atacam diretamente o dogma, mas atacam os seus conceitos e, pela sala dos fundos, o destroem.
Fundamentalmente, a doutrina católica a respeito da presença real de Nosso Senhor na Eucaristia apenas se serve destes conceitos porque a fé requer a inteligência, fides quaerens intellectum. Desta maneira, a Igreja utiliza os conceitos filosóficos na medida em que os mesmos se prestam ao esclarecimento teológico. Quando os mesmos são invertidos, com o escopo de uma perversão teológica, temos o que tradicionalmente se chama de heresia.
Analisando as declarações confusas dos Padres Fábio e Joãozinho, dentre as quais se encontram algumas pérolas dignas de menção: “o irmão é presença eucarística”; “ele está no pão e no vinho, mas quando eu comungo do corpo e do vinho, eu me transformo nesta presença na história”; “entre as duas substâncias [pão e vinho] está o bonito e sugestivo significado da ausência”; “você está bebendo o vinho, materialmente; substancialmente, você se alimentando do sangue de Cristo”; “o milagre Eucarístico de Lanciano não é mais Eucaristia, porque não é mais pão e vinho”.
Uma delas poderia ser considerada o centro de toda sua argumentação. Ao falarem a respeito de uma pessoa que haveria afirmado erradamente ao Pe. Joãozinho, durante uma Expo Católica, que se, porventura, viesse a beber uma grande quantidade do Sangue Eucarístico não se embriagaria, o mesmo padre concluiu com a seguinte afirmação: “a pessoa confundiu transubstanciação com ‘transmaterialização’”.
Analisemos rapidamente o diagnóstico “teológico” do padre Joãozinho.
Quando afirma que na transubstanciação não ocorre nenhuma mudança material, o padre está confundindo uma série de conceitos básicos de teologia sacramentária. Detenhamo-nos no conceito de matéria que, neste caso, pode ser entendido em três sentidos básicos: 1. Matéria do pão; 2. Matéria do ato sacramental; 3. Matéria da Eucaristia.
1. Matéria do Pão. Enquanto um ente material, aplica-se ao pão a mesma estrutura hilemórfica aplicada aos entes naturais. Desta maneira, o pão possui uma realidade material que é potência em relação a uma forma substancial, que corresponde ao ser pão (neste caso, a potência está atualizada). Ou seja, a substância pão é composta de uma potência material que recebe a realidade formal do pão como fundamento de seu ser.
2. Matéria Sacramental. Para a realização do sacramento da Eucaristia, a teologia sacramental distingue três elementos essenciais: matéria sacramental (pão de trigo e vinho de uva), forma sacramental (palavras da consagração) e intenção do sacerdote. Neste caso, a matéria “pão e vinho” (matéria) é essencial para que as palavras consecratórias (forma) sejam eficazes. Isto foi definido por Cristo, que instituiu este sacramento desta maneira. Como é evidente, existem diversas razões que explicitam ainda melhor esta razão fundamental (a Eucaristia deve alimentar; é sacrifício, de modo que Corpo e Sangue são separados, como na morte, através da separação das espécies sacramentais; é nutrimento para o Corpo [pão] e para a alma [vinho]; representa de modo adequado a unidade da Igreja, como diversos grãos que formam um só corpo. Cf. Summa Theologiae, III, q. 74, a.1, Respondeo).
3. Matéria da Eucaristia. Aqui, a questão se torna tão complexa metafisicamente quanto bela doutrinalmente. Por isto, vale a pena explicar paulatinamente os conceitos utilizados brilhantemente por Santo Tomás.
Segundo o Doutor Angélico, “alguns sustentaram que, neste sacramento, a substancia do pão e do vinho permanece depois da consagração. Mas esta opinião não pode ser sustentada. Primeiramente, porque esta opinião faz desaparecer a verdade deste sacramento, segundo a qual o verdadeiro corpo de Cristo está presente na Eucaristia. (...) Portanto, não nos resta nenhuma outra solução além da qual o corpo de Cristo não pode fazer-se presente no sacramento senão pela conversão da substancia do pão e do vinho nEle. Todavia, o que se converte em outra coisa, uma vez realizada a conversão, já não permanece. Por conseguinte, para salvar a verdade deste sacramento, não podemos afirmar outra coisa senão que a substancia do pão, depois da consagração, não pode permanecer”. (Summa Theologiae, III, q. 75, a.3, Respondeo). Até aqui, parece que a posição sustentada pelos sacerdotes em questão não está em choque frontal com a doutrina de sempre. Mas, esclarecendo um pouco mais, veremos como as conseqüências desta afirmação de Santo Tomás se distanciam do que foi absurdamente afirmado por eles.
Ainda segundo o Aquinate, “alguns opinaram que, depois da consagração, permanecem não apenas os acidentes do pão, mas também a forma substancial do pão. Mas isto não pode ser. Primeiramente, porque se permanecesse a forma substancial, somente a matéria do pão se converteria no corpo de Cristo. E disso se seguiria que a conversão não se faria a todo o corpo de Cristo, mas somente à sua matéria. O que é incompatível com a forma deste sacramento que diz: “Isto é o meu corpo”. Segundo, porque se a forma substancial do pão permanecesse, permaneceria ou unida à matéria ou separada dela. Todavia, o primeiro não pode ser, porque se permanecesse unida à matéria do pão, permaneceria então toda a substancia unida a outra matéria, porque cada forma está unida à própria matéria. E se permanecesse separada da matéria, seria então uma forma atualmente inteligível, e também inteligente, porque todas as formas separadas da matéria são assim. Terceiro, esta permanência seria irreconciliável com este sacramento, porque os acidentes do pão permanecem neste sacramento para que se veja sob eles o corpo de Cristo, mas não em sua figura física. Por conseguinte, deve-se dizer que a forma substancial do pão não permanece” (Summa Theologiae, III, q. 75, a. 3, Respondeo).
A afirmação de que “cada forma está unida à própria matéria”, é daquele tipo absoluto, que não admite compatibilizações com estas grotescas alucinações pseudo-teológicas. A transubstanciação é a mudança do “pão” enquanto esse (ser), que é convertido num outro esse (ser), o corpo do Senhor, conservando apenas os acidentes (aparências). A partir de então, os acidentes passam a existir, mas numa nova condição, pois conservam seu ser anterior, mas agora não possuem mais um sujeito no qual subsistam (“os acidentes, neste sacramento, permanecem sem sujeito”. Summa Theologiae, III, q. 77, a.1, Respondeo).
Portanto, quando o magistério da Igreja utiliza o termo transubstanciação para descrever o tipo de conversão que se dá na consagração da Missa, o faz por sua alta precisão terminológica, uma vez que o conceito metafísico de substancia se presta a: 1. de um lado, exprimir que a conversão é radical, pela qual aquela realidade do pão e do vinho (matéria do ato sacramental) deixou de existir, tornando-se o Cristo inteiro; 2. de outro, exprime que os acidentes que existiam no pão, continuam a existir, mas milagrosamente, sem um sujeito no qual se possam predicar. Por isto, o termo transubstanciação também se escolheu em oposição ao termo “acidente”, pois é evidente que substância e acidentes são conceitos que se relacionam. Deste modo, se sublinha bem que a única realidade que permanece tanto antes quanto depois da consagração são os acidentes (as aparências).
Sendo a transubstanciação afirmada nesta chave, os conceitos paralelos de forma e matéria, como definem a essência do esse (ser), evidentemente, como afirma São Tomás acima, também se alteram. Para a metafísica aristotélico-tomista, a matéria em relação à forma se comporta como a potëncia em relação ao ato, não existindo na realidade nenhuma matéria sem forma. Na Eucaristia, a forma substancial é o Corpo de Cristo, que necessariamente está presente materialmente, não só porque se é corpo é material, mas porque a matéria “pão” não poderia existir sem sua forma “pão”, e, portanto, tornou-se matéria “Corpo de Cristo”, através de sua forma “Cristo”.
Por conseguinte, as afirmações não-materialistas (como se depreendem de suas próprias palavras) dos padres em questão, só podem ser entendidas em dois sentidos, aplicadas à Eucaristia:
1. Se eles aplicam o conceito de matéria em oposição à forma, afirmariam que a presença de Cristo é apenas formal, não material. Mas como isto é impossível, de acordo com a abordagem metafísica utilizada pelo Magistério na afirmação dogmática, eles negam a transubstanciação, confessando uma espécie de consubstanciação;
2. Se eles aplicam o conceito de matéria em oposição a espírito, afirmariam que a presença de Cristo é apenas espiritual, não material. Neste caso, confessariam uma espécie de transignificação, à moda calvinista. Ambas as conclusões são fundamentalmente heréticas.
Materialistas! É assim que eles acusam quem adora ao Corpo de Cristo em toda a sua existência carnal. Eles se indignam com aqueles que reconhecem que “o Verbo se fez carne, e habitou entre nós” (Jo 1,14), e preferem adorar a ausência, no encontro inter-pessoal das presenças humanas. Não negam a presença de Cristo, mas a relativizam dentro de todo o universo das presenças ausentes. Contradição? Loucura? Não!... É delírio verbal mesmo!...
Desta maneira, a afirmação do Pe. Joãozinho, em suposta defesa do Pe. Fábio de Melo, só sublinha a sua heresia anterior, confundindo ainda mais a doutrina de sempre, por confundir instrumentalmente os conceitos filosóficos de que se serve para propô-la.
Como suponho que ambos queiram reconhecer a realidade da transubstanciação como dogma de fé, sou obrigado a concordar com ambos em uma única certeza: diante de tanto mistério, “é sugestivo o significado da ausência!”... ausência de doutrina, de boa filosofia; e presença real de um excesso abusivo de confusão mental nas mentes entupidas destes sacerdotes.
Têm muita razão quando abrem mão da razão, durante o programa, apelando para um intuicionismo irracional e sentimentalista, que transforma a fé num mero entusiasmo humano. O silêncio meditativo dos santos começa quando a inteligência, iluminada pela fé, penetra no mistério divino e o contempla extasiada! Foi esta atitude que fez Santo Tomás, no final de sua vida, após brindar a Igreja com obras de uma refinada e elevada elaboração teológica, dizer que, depois de uma experiência mística, não podia dizer mais nada. O apofatismo e a atitude humilde de silêncio diante do mistério surge da excrescência da inteligência, que se deleita na verdade e dela se sacia, entregando-se abandonada a ela, sem jamais renunciá-la.
Fides quaerens intellectum! A Fé requer a inteligência. E, infelizmente, estes sacerdotes são a prova de que o racionalismo soberbo não tem outro destino senão acabar na própria negação da razão e da verdade. “Meu povo se perde por falta de conhecimento; por teres rejeitado a instrução, excluir-te-ei de meu sacerdócio” (Os 4,6)!
Infelizmente, o Pe. Fábio de Melo não é apenas um péssimo sacerdote pelas modas mudanas que usa, mas, sobretudo, pelas más doutrinas que prega, que são fruto de toda uma teologia modernista, condenada anteriormente pelos Papas, especialmente São Pio X. De fato, ele se assusta com a reação católica, porque habituou-se às rebuscadas reflexões modernistas de todos os seus mestres. O problema, realmente, não está nele... Ele é fruto de uma geração, de uma mentalidade, de uma elaboração. E é com isto que a Igreja Católica precisa urgentemente romper!
X, 06 de agosto de 2009,
Um Padre da periferia do mundo
*****
Adendo:
Quanto à humilde afirmação hesitante de um blog (http://anjosdeadoracao.blogspot.com/2009/07/muito-estranho-pe-joaozinho-e.html) de que a comunhão seria antropofagia, refuto dizendo que a antropofagia é a destruição de uma pessoa por via da alimentação. Na Comunhão, não destruímos o corpo de Cristo, nem nos alimentamos de uma parte do seu Corpo, mas dele mesmo. Desta maneira, pela sua presença na Eucaristia, alimentamos nossa alma, sem que Ele se corrompa, se transforme em nós, em nosso corpo. Antes, segundo Santo Agostinho, é Ele que nos transforma em nEle; quanto aos acidentes, estes sim, podem alimentar o nosso corpo e converter-se nele.
Mas, como afirma o próprio Santo Tomás, “visto que uma coisa atua na medida em que atualmente tem ser, é lógico que a relação de uma coisa com sua atividade corresponda à relação com seu ser. Pois bem, visto que se concede às espécies sacramentais (N.A. = acidentes), por virtude divina, permanecer no ser que tinham com a substância do pão e do vinho, é lógico que também lhes seja concedido permanecer em sua atuação.Por conseguinte, todas as funções que podiam exercer quando estava presente a substancia do pão e do vinho, podem exercê-las igualmente quando a substancia do pão e do vinho se tornam o Corpo e o Sangue de Cristo. Logo, não há dúvida de que podem exercer alguma ação sobre os corpos externos” (Summa Theologiae, III, q. 77, a.3, Respondeo). E ainda mais adiante, conclui o Santo doutor que as espécies eucarísticas podem corromper-se (Ibidem, a. 5) e podem alimentar e embriagar (Ibidem, a. 6), pelas mesmas razões de acima.
Respota do Pe. Fábio de Melo e do Pe. Joãozinho à Montfort: http://www.youtube.com/watch?v=ujp5U6ND1W4&feature=related
Artigo fa Montfort respondendo as heresias do livro “Cartas entre amigos”, contidas nos parágrafos ali referidos: http://www.montfort.org.br/index.php?secao=veritas&subsecao=igreja&artigo=fabio-de-melo&lang=bra
É muito interessante o modo pelo qual o Revdo. Pe. Fábio de Melo introduz seu "bate papo" com o conhecido Pe. Joãozinho a respeito da polêmica gerada pelas elucubrações de seu livro, escrito em parceria com Gabriel Chalita. Ele se refere à objeção do site da Montfort - Associação Cultural como a fonte originária da mesma, desconhecendo que, no momento em que fizera sua observação, a confusão já estava difundida largamente em diversos blogs da Internet, o que se poderia ter sido verificado facilmente com qualquer pesquisa no Google.
No entanto, conhecendo um pouco o modus operandi dessa turma, posso afirmar que o sacerdote em questão ficou aterrorizado com as argutas críticas que lhe foram feitas pelo site Montfort. Pois, embora outros sites o tivessem criticado, fizeram-no de maneira pouco teológica e, por vezes, ingenuamente lúdica.
O problema central da questão, a meu ver, é que eles tomam a teologia moderna (filha da filosofia moderna) como ponto de partida teórico, confundindo todas as noções metafísicas cunhadas por Aristóteles e Santo Tomás, essenciais para a compreensão do dogma, tal como a Igreja o definiu. Desta maneira, não atacam diretamente o dogma, mas atacam os seus conceitos e, pela sala dos fundos, o destroem.
Fundamentalmente, a doutrina católica a respeito da presença real de Nosso Senhor na Eucaristia apenas se serve destes conceitos porque a fé requer a inteligência, fides quaerens intellectum. Desta maneira, a Igreja utiliza os conceitos filosóficos na medida em que os mesmos se prestam ao esclarecimento teológico. Quando os mesmos são invertidos, com o escopo de uma perversão teológica, temos o que tradicionalmente se chama de heresia.
Analisando as declarações confusas dos Padres Fábio e Joãozinho, dentre as quais se encontram algumas pérolas dignas de menção: “o irmão é presença eucarística”; “ele está no pão e no vinho, mas quando eu comungo do corpo e do vinho, eu me transformo nesta presença na história”; “entre as duas substâncias [pão e vinho] está o bonito e sugestivo significado da ausência”; “você está bebendo o vinho, materialmente; substancialmente, você se alimentando do sangue de Cristo”; “o milagre Eucarístico de Lanciano não é mais Eucaristia, porque não é mais pão e vinho”.
Uma delas poderia ser considerada o centro de toda sua argumentação. Ao falarem a respeito de uma pessoa que haveria afirmado erradamente ao Pe. Joãozinho, durante uma Expo Católica, que se, porventura, viesse a beber uma grande quantidade do Sangue Eucarístico não se embriagaria, o mesmo padre concluiu com a seguinte afirmação: “a pessoa confundiu transubstanciação com ‘transmaterialização’”.
Analisemos rapidamente o diagnóstico “teológico” do padre Joãozinho.
Quando afirma que na transubstanciação não ocorre nenhuma mudança material, o padre está confundindo uma série de conceitos básicos de teologia sacramentária. Detenhamo-nos no conceito de matéria que, neste caso, pode ser entendido em três sentidos básicos: 1. Matéria do pão; 2. Matéria do ato sacramental; 3. Matéria da Eucaristia.
1. Matéria do Pão. Enquanto um ente material, aplica-se ao pão a mesma estrutura hilemórfica aplicada aos entes naturais. Desta maneira, o pão possui uma realidade material que é potência em relação a uma forma substancial, que corresponde ao ser pão (neste caso, a potência está atualizada). Ou seja, a substância pão é composta de uma potência material que recebe a realidade formal do pão como fundamento de seu ser.
2. Matéria Sacramental. Para a realização do sacramento da Eucaristia, a teologia sacramental distingue três elementos essenciais: matéria sacramental (pão de trigo e vinho de uva), forma sacramental (palavras da consagração) e intenção do sacerdote. Neste caso, a matéria “pão e vinho” (matéria) é essencial para que as palavras consecratórias (forma) sejam eficazes. Isto foi definido por Cristo, que instituiu este sacramento desta maneira. Como é evidente, existem diversas razões que explicitam ainda melhor esta razão fundamental (a Eucaristia deve alimentar; é sacrifício, de modo que Corpo e Sangue são separados, como na morte, através da separação das espécies sacramentais; é nutrimento para o Corpo [pão] e para a alma [vinho]; representa de modo adequado a unidade da Igreja, como diversos grãos que formam um só corpo. Cf. Summa Theologiae, III, q. 74, a.1, Respondeo).
3. Matéria da Eucaristia. Aqui, a questão se torna tão complexa metafisicamente quanto bela doutrinalmente. Por isto, vale a pena explicar paulatinamente os conceitos utilizados brilhantemente por Santo Tomás.
Segundo o Doutor Angélico, “alguns sustentaram que, neste sacramento, a substancia do pão e do vinho permanece depois da consagração. Mas esta opinião não pode ser sustentada. Primeiramente, porque esta opinião faz desaparecer a verdade deste sacramento, segundo a qual o verdadeiro corpo de Cristo está presente na Eucaristia. (...) Portanto, não nos resta nenhuma outra solução além da qual o corpo de Cristo não pode fazer-se presente no sacramento senão pela conversão da substancia do pão e do vinho nEle. Todavia, o que se converte em outra coisa, uma vez realizada a conversão, já não permanece. Por conseguinte, para salvar a verdade deste sacramento, não podemos afirmar outra coisa senão que a substancia do pão, depois da consagração, não pode permanecer”. (Summa Theologiae, III, q. 75, a.3, Respondeo). Até aqui, parece que a posição sustentada pelos sacerdotes em questão não está em choque frontal com a doutrina de sempre. Mas, esclarecendo um pouco mais, veremos como as conseqüências desta afirmação de Santo Tomás se distanciam do que foi absurdamente afirmado por eles.
Ainda segundo o Aquinate, “alguns opinaram que, depois da consagração, permanecem não apenas os acidentes do pão, mas também a forma substancial do pão. Mas isto não pode ser. Primeiramente, porque se permanecesse a forma substancial, somente a matéria do pão se converteria no corpo de Cristo. E disso se seguiria que a conversão não se faria a todo o corpo de Cristo, mas somente à sua matéria. O que é incompatível com a forma deste sacramento que diz: “Isto é o meu corpo”. Segundo, porque se a forma substancial do pão permanecesse, permaneceria ou unida à matéria ou separada dela. Todavia, o primeiro não pode ser, porque se permanecesse unida à matéria do pão, permaneceria então toda a substancia unida a outra matéria, porque cada forma está unida à própria matéria. E se permanecesse separada da matéria, seria então uma forma atualmente inteligível, e também inteligente, porque todas as formas separadas da matéria são assim. Terceiro, esta permanência seria irreconciliável com este sacramento, porque os acidentes do pão permanecem neste sacramento para que se veja sob eles o corpo de Cristo, mas não em sua figura física. Por conseguinte, deve-se dizer que a forma substancial do pão não permanece” (Summa Theologiae, III, q. 75, a. 3, Respondeo).
A afirmação de que “cada forma está unida à própria matéria”, é daquele tipo absoluto, que não admite compatibilizações com estas grotescas alucinações pseudo-teológicas. A transubstanciação é a mudança do “pão” enquanto esse (ser), que é convertido num outro esse (ser), o corpo do Senhor, conservando apenas os acidentes (aparências). A partir de então, os acidentes passam a existir, mas numa nova condição, pois conservam seu ser anterior, mas agora não possuem mais um sujeito no qual subsistam (“os acidentes, neste sacramento, permanecem sem sujeito”. Summa Theologiae, III, q. 77, a.1, Respondeo).
Portanto, quando o magistério da Igreja utiliza o termo transubstanciação para descrever o tipo de conversão que se dá na consagração da Missa, o faz por sua alta precisão terminológica, uma vez que o conceito metafísico de substancia se presta a: 1. de um lado, exprimir que a conversão é radical, pela qual aquela realidade do pão e do vinho (matéria do ato sacramental) deixou de existir, tornando-se o Cristo inteiro; 2. de outro, exprime que os acidentes que existiam no pão, continuam a existir, mas milagrosamente, sem um sujeito no qual se possam predicar. Por isto, o termo transubstanciação também se escolheu em oposição ao termo “acidente”, pois é evidente que substância e acidentes são conceitos que se relacionam. Deste modo, se sublinha bem que a única realidade que permanece tanto antes quanto depois da consagração são os acidentes (as aparências).
Sendo a transubstanciação afirmada nesta chave, os conceitos paralelos de forma e matéria, como definem a essência do esse (ser), evidentemente, como afirma São Tomás acima, também se alteram. Para a metafísica aristotélico-tomista, a matéria em relação à forma se comporta como a potëncia em relação ao ato, não existindo na realidade nenhuma matéria sem forma. Na Eucaristia, a forma substancial é o Corpo de Cristo, que necessariamente está presente materialmente, não só porque se é corpo é material, mas porque a matéria “pão” não poderia existir sem sua forma “pão”, e, portanto, tornou-se matéria “Corpo de Cristo”, através de sua forma “Cristo”.
Por conseguinte, as afirmações não-materialistas (como se depreendem de suas próprias palavras) dos padres em questão, só podem ser entendidas em dois sentidos, aplicadas à Eucaristia:
1. Se eles aplicam o conceito de matéria em oposição à forma, afirmariam que a presença de Cristo é apenas formal, não material. Mas como isto é impossível, de acordo com a abordagem metafísica utilizada pelo Magistério na afirmação dogmática, eles negam a transubstanciação, confessando uma espécie de consubstanciação;
2. Se eles aplicam o conceito de matéria em oposição a espírito, afirmariam que a presença de Cristo é apenas espiritual, não material. Neste caso, confessariam uma espécie de transignificação, à moda calvinista. Ambas as conclusões são fundamentalmente heréticas.
Materialistas! É assim que eles acusam quem adora ao Corpo de Cristo em toda a sua existência carnal. Eles se indignam com aqueles que reconhecem que “o Verbo se fez carne, e habitou entre nós” (Jo 1,14), e preferem adorar a ausência, no encontro inter-pessoal das presenças humanas. Não negam a presença de Cristo, mas a relativizam dentro de todo o universo das presenças ausentes. Contradição? Loucura? Não!... É delírio verbal mesmo!...
Desta maneira, a afirmação do Pe. Joãozinho, em suposta defesa do Pe. Fábio de Melo, só sublinha a sua heresia anterior, confundindo ainda mais a doutrina de sempre, por confundir instrumentalmente os conceitos filosóficos de que se serve para propô-la.
Como suponho que ambos queiram reconhecer a realidade da transubstanciação como dogma de fé, sou obrigado a concordar com ambos em uma única certeza: diante de tanto mistério, “é sugestivo o significado da ausência!”... ausência de doutrina, de boa filosofia; e presença real de um excesso abusivo de confusão mental nas mentes entupidas destes sacerdotes.
Têm muita razão quando abrem mão da razão, durante o programa, apelando para um intuicionismo irracional e sentimentalista, que transforma a fé num mero entusiasmo humano. O silêncio meditativo dos santos começa quando a inteligência, iluminada pela fé, penetra no mistério divino e o contempla extasiada! Foi esta atitude que fez Santo Tomás, no final de sua vida, após brindar a Igreja com obras de uma refinada e elevada elaboração teológica, dizer que, depois de uma experiência mística, não podia dizer mais nada. O apofatismo e a atitude humilde de silêncio diante do mistério surge da excrescência da inteligência, que se deleita na verdade e dela se sacia, entregando-se abandonada a ela, sem jamais renunciá-la.
Fides quaerens intellectum! A Fé requer a inteligência. E, infelizmente, estes sacerdotes são a prova de que o racionalismo soberbo não tem outro destino senão acabar na própria negação da razão e da verdade. “Meu povo se perde por falta de conhecimento; por teres rejeitado a instrução, excluir-te-ei de meu sacerdócio” (Os 4,6)!
Infelizmente, o Pe. Fábio de Melo não é apenas um péssimo sacerdote pelas modas mudanas que usa, mas, sobretudo, pelas más doutrinas que prega, que são fruto de toda uma teologia modernista, condenada anteriormente pelos Papas, especialmente São Pio X. De fato, ele se assusta com a reação católica, porque habituou-se às rebuscadas reflexões modernistas de todos os seus mestres. O problema, realmente, não está nele... Ele é fruto de uma geração, de uma mentalidade, de uma elaboração. E é com isto que a Igreja Católica precisa urgentemente romper!
X, 06 de agosto de 2009,
Um Padre da periferia do mundo
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Adendo:
Quanto à humilde afirmação hesitante de um blog (http://anjosdeadoracao.blogspot.com/2009/07/muito-estranho-pe-joaozinho-e.html) de que a comunhão seria antropofagia, refuto dizendo que a antropofagia é a destruição de uma pessoa por via da alimentação. Na Comunhão, não destruímos o corpo de Cristo, nem nos alimentamos de uma parte do seu Corpo, mas dele mesmo. Desta maneira, pela sua presença na Eucaristia, alimentamos nossa alma, sem que Ele se corrompa, se transforme em nós, em nosso corpo. Antes, segundo Santo Agostinho, é Ele que nos transforma em nEle; quanto aos acidentes, estes sim, podem alimentar o nosso corpo e converter-se nele.
Mas, como afirma o próprio Santo Tomás, “visto que uma coisa atua na medida em que atualmente tem ser, é lógico que a relação de uma coisa com sua atividade corresponda à relação com seu ser. Pois bem, visto que se concede às espécies sacramentais (N.A. = acidentes), por virtude divina, permanecer no ser que tinham com a substância do pão e do vinho, é lógico que também lhes seja concedido permanecer em sua atuação.Por conseguinte, todas as funções que podiam exercer quando estava presente a substancia do pão e do vinho, podem exercê-las igualmente quando a substancia do pão e do vinho se tornam o Corpo e o Sangue de Cristo. Logo, não há dúvida de que podem exercer alguma ação sobre os corpos externos” (Summa Theologiae, III, q. 77, a.3, Respondeo). E ainda mais adiante, conclui o Santo doutor que as espécies eucarísticas podem corromper-se (Ibidem, a. 5) e podem alimentar e embriagar (Ibidem, a. 6), pelas mesmas razões de acima.
Respota do Pe. Fábio de Melo e do Pe. Joãozinho à Montfort: http://www.youtube.com/watch?v=ujp5U6ND1W4&feature=related
Artigo fa Montfort respondendo as heresias do livro “Cartas entre amigos”, contidas nos parágrafos ali referidos: http://www.montfort.org.br/index.php?secao=veritas&subsecao=igreja&artigo=fabio-de-melo&lang=bra
Um Padre da periferia do mundo
Fonte: http://www.montfort.org.br/index.php?secao=veritas&subsecao=religiao&artigo=povo-se-perde&lang=bra
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