segunda-feira, 3 de março de 2014

A Pedra Angular, o Papa Dâmaso I e Jesus dos 12 aos 30 anos.

Respondendo a um jornalista:

A PEDRA ANGULAR, O PAPA DÂMASO I E JESUS DOS 12 AOS 30 ANOS

Em síntese: Um jornalista de Londrina (PR) lançou ao público três perguntas relativas aos temas declinados acima. Em resposta está dito que Pedro é a Rocha visível sobre a qual Cristo constrói a sua Igreja. Rocha que tem sua firmeza no próprio Cristo. O Papa Dâmaso I não alterou as Escrituras, como se depreende do exame de antigos códices da Bíblia. Jesus dos 12 aos 30 anos, levou a vida de um carpinteiro em Nazaré, como atestam Mc 6, 3 e Mt 13, 55.

Um jornalista de Londrina, PR, lançou ao público três perguntas que, segundo um leitor, poderão ser assim formuladas:

1) Por que os protestantes não aceitam a Igreja Católica erguida sobre Pedro e a insistência nessa tal "pedra angular"? O que vem a ser isso? O que querem dizer com isso?

2) O que dizer a respeito do Papa Dâmaso, que terá alterado as Escrituras ao sabor de suas vontades e desejos? E sobre a violência desse Papa? O que é verdade e o que é mito?

3) O que dizer sobre a insistência desse jornalista sobre a vida oculta de Jesus, dos 12 aos 30 anos? Ele afirma que Jesus viveu com os essênios (baseando-se nos documentos do Mar Morto), budistas, etc... e retornou aos 30 anos em Jerusalém, onde começou sua vida pública.

Nas páginas seguintes proporemos a resposta a tais interrogações.

1. Pedra e Pedra angular

Os protestantes não aceitam a Igreja fundada sobre Pedro como ela é apresentada em Mt 16, 16-19, porque não aceitam o Papado. Para justificar esta recusa, recorrem aos seguintes argumentos:

a) Em Mt 16, 17 diz Jesus: "... Tu és Pedro e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja". Alegam que Petros Petra não são a mesma coisa em grego; Petros seria um pedregulho e Petra uma rocha grande. Ora, sem julgar os méritos desse arrazoado, dizemos que ele não vem ao caso, pois Jesus não falou em grego, mas em aramaico, usando palavra KEPHA, que é a mesma nos dizeres do Senhor: "Tu és Kepha e sobre este Kepha edificarei a minha Igreja". É, portanto inútil recorrer ao texto grego para esvaziar o alcance das palavras de Jesus.

b) Jesus seria a Pedra Angular do edifício da Igreja; esta estaria diretamente construída sobre Cristo (Rocha). Não haverá outra pedra fundamental na construção da Igreja. Ora observamos que Jesus diz ser Luz do mundo (Jo 8, 12), mas atribui a seus discípulos igual função: "Vós sois a luz do mundo" (Mt 5, 14).
Por conseguinte, assim há a luz suprema, que se reflete em luzes subalternas, há também a pedra angular ou a pedra básica (Cristo), que estende seu poder de sustentáculo até a rocha que é Pedro.

2. O Papa Dâmaso I (366-384)

Para entender a figura deste Papa, temos que ver o contexto histórico do século IV, em que viveu.

Percebemos, em primeiro lugar, que em 313 o Imperador romano Constantino deu a liberdade aos Cristãos mediante o edito de Milão. Pouco depois começou a se propagar a doutrina do Subordinacionismo, que pregava a subordinação do Filho ao Pai; era o arianismo, de Ario de Alexandria. Tal heresia foi condenada pelo Concílio de Nicéia I em 325, mas não se extinguiu; foi-se subdividindo em ramos sutilmente diferentes uns dos outros, alimentada pelos imperadores romanos, que, embora pouco entendessem de Teologia, julgavam dever assumir os interesses da Igreja; no intuito de pacificar os ânimos, chegaram a sustentar e impor aos fiéis doutrinas heréticas. Tal foi o caso do Imperador Constantino IIO Papa Libério lhe resistiu, pelo que foi exilado para a Trácia. Em seu lugar o imperador colocou o antipapa Félix II. Este quis captar a simpatia dos romanos, mas não o conseguiu por completo, ficando o povo dividido entre Libério e Felix II. Após três anos de exílio Libério voltou a Roma em 358. O Imperador queria um governo da Igreja compartilhado por Libério e Félix, mas o povo fiel a Libério se lhe opôs e expulsou Félix.

Libério morreu em 366, deixando complicada situação para seu sucessor.

Para suceder-lhe, a maioria dos etíopes elegeu o diácono Dâmaso. Eis, porém, que uma minoria pequena, mas forte, elegeu o diácono Ursino, alegando que Dâmaso servira ao antipapa Félix (servira, sim, mas em 359 passou-se para o Papa legítimo Libério). As autoridades civis apoiavam Dâmaso, pois só ele podia dizer que era legitimamente eleito. O prefeito de Roma, Vivendo, exilou Ursino, mas os partidários deste se encerraram na basílica de Santa Maria Maior; seguiram-se lutas sangrentas das quais resultou a morte de uma centena de pessoas. Os ursinianos tiveram que ceder a basílica mas continuaram a combater o PapaDâmaso, chegando a caluniá-lo como responsável por um crime de assassínio. Do seu lado, os imperadores foram concedendo ao Papa faculdades sempre mais amplas. O imperador lhe reconheceu a competência sobre todos os metropolitanos do Ocidente em questões de Fé e Moral. Dâmaso manteve conversações com os cristãos orientais, que olhavam para o Ocidente com certo desprezo, já que era ameaçado pelos bárbaros e carecia da tranquilidade necessária à criação de uma boa cultura.

Quanto à acusação de ter alterado as Escrituras a seu bel-prazer, é mera lenda; qualquer alteração dos textos bíblicos pode ser controlada pela consulta dos manuscritos da Bíblia existentes em várias cidades do mundo ocidental, como Paris, Berlim, Londres..., e não só no Vaticano. Ademais quem sabe que foram alterados, diga como se configuravam tais textos antes de alterados - desafio este que derruba a acusação. O papel de São Dâmaso em relação às Escrituras foi o de confiar a S. Jerônimo a tradução da Bíblia para o latim. Nos anos de vida do Papa Dâmaso, Jerônimo fez uma revisão do Saltério e do Novo Testamento, mas só acabou sua tarefa anos depois.

Eis o que se pode responder à segunda pergunta do jornalista citado.

3. Que fez Jesus dos 12 aos 30 anos?

Quem lê os Evangelhos de Mateus e Lucas verifica que há uma lacuna entre os doze e trinta anos de Jesus: Aos doze anos está em Jerusalém com seus pais para celebrar a Páscoa; depois os evangelistas nada mais dizem até o início de sua vida pública. Este silêncio tem despertado a atenção dos estudiosos, que imaginam tenha Jesus viajado para o estrangeiro a fim de se impregnar da sabedoria dos indianos ou dos egípcios. Tais hipóteses são gratuitas, pois carecem de todo fundamento. Já diziam os antigos: "Quod grátis asseritur, grátis negatur, O que se afirma gratuitamente, gratuitamente se nega".

A resposta correta é esboçada pelos próprios Evangelhos, onde se diz que Jesus não se apresentou ao público como estranho vindo do estrangeiro, mas como carpinteiro e filho de carpinteiro de Nazaré:

Mc 6, 3: "Não é ele o carpinteiro, o filho de Maria?"
Mt 13, 55: "Não é ele o filho do carpinteiro? Sua mãe não é aquela chamada Maria?"

Jesus terá trabalhado com seu pai na arte de carpinteiro; vários Evangelhos apócrifos referem episódios dessa fase da vida de Jesus.

Prosseguindo a reflexão, devemos ainda dizer:

Os Evangelhos não são uma biografia de Jesus, como se poderá supor, mas são o eco escrito da pregação oral dos Apóstolos, que visava a suscitar a fé dos ouvintes. Ora essa pregação começava com o Batismo de Jesus e terminava com a ascensão do Senhor, como sugere São Pedro em At 1, 21; 10, 37-39.

São Marcos segue exatamente este esquema; é um perfeito Evangelho, não porém uma biografia. Mateus e Lucas observam o mesmo roteiro, mas acrescentam-lhe alguns quadros relativos à infância de Jesus; escolheram episódios que lhes pareciam importantes e não deveriam perder-se. Aí está a explicação da lacuna entre os doze e trinta anos de Jesus; como também da lacuna que vai dos quarenta dias do Senhor até os doze anos (lacuna esta que pouco chama a atenção dos estudiosos).

Vê-se assim que não é preciso recorrer à índia, ao Tibé ou ao Egito para explicar os Evangelhos.

Dom Estêvão Bettencourt (OSB)

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