segunda-feira, 30 de março de 2009

O Relógio da Paixão.


O RELÓGIO DA PAIXÃO

DE NOSSO SENHOR JESUS CRISTO.








APRESENTAÇÃO:


Estar com JESUS.

Há momento na vida de cada pessoa. O próprio Jesus deu especial atenção e  particular importância a determinadas situações de sua peregrinação terrena.
“Não vejo a hora de ser batizado num batismo...” Lc. 12,50. Por mais que o sofrimento e morte Lhe repugnassem, suspirou por eles, pois manifestavam o quanto DEUS nos ama.
Dirigindo-se ao Pai pede e suplica poder glorificá-lo: Jo 17,1-2. Por isso assumiu um corpo: para oferecer-se como vítima de propiciação. Através dela, manifesta sua justiça, ou seja, ação divina pela qual o pecado é santificado gratuitamente: Rm 3,25.Temos a santificação precisamente por meio da obediência que levou Cristo ao sacrifício de Seu Corpo (Hb 10, 9-10)
O “Relógio da Paixão” é uma oportunidade para estarmos com Nosso Senhor nos momentos mais importantes de Sua vida. Estar com Jesus supõe caminhar meditando em cada cena, em cada acontecimento.

As últimas 24 horas de JESUS.

Eis que subimos a Jerusalém. Tudo o que foi escrito pelos profetas a respeito do Filho do Homem será cumprido. (Lc 18,31)
EU sou o bom pastor. O bom pastor expõe a sua vida pelas ovelhas. Ninguém a tira de mim a Minha vida, mas eu a dou livremente. (Jo 10,11.18)

Aos discípulos daquele tempo e a nós hoje...

“... Como? Não fostes capazes de passar uma hora comigo? Vigiai e orai para não cairdes em tentação, pois o espírito está pronto, mas a carne é fraca”: Mt 26,40.
Estas foram as queixas e as recomendações dadas pelo Senhor aos seus discípulos. Estavam com Ele, mas não Lhe eram verdadeiramente companhia. É dado aos discípulos de hoje vigiar com o Mestre, vivendo com Ele e como Ele os últimos momentos que passou em Sua vida terrena.



  18:00 hs. A PREPARAÇÃO DA PÁSCOA

Conservareis a memória daquele dia, de geração em geração. Vendo o sangue, (do cordeiro) passarei adiante, e não sereis atingidos pelo flagelo destruidor. (Ex 12, 14.13)
Onde queres que preparemos a ceia pascal? - Meu tempo está próximo. É em tua casa que celebrarei a Páscoa com meus discípulos. (Mt 26, 17-18)
Raiou o dia dos pães sem fermento, em que se devia imolar a Páscoa. Jesus enviou Pedro e João, dizendo: Ide e preparai-nos a ceia da Páscoa. Perguntaram-lhe eles: Onde queres que a preparemos? Ele respondeu: Ao entrardes na cidade, encontrareis um homem carregando uma bilha de água; segui-o até a casa em que ele entrar, e direis ao dono da casa: O Mestre pergunta-te: Onde está a sala em que comerei a Páscoa com os meus discípulos? Ele vos mostrará no andar superior uma grande sala mobiliada, e ali fazei os preparativos. Foram, pois, e acharam tudo como Jesus lhes dissera; e prepararam a Páscoa. (Lc 22, 7-13)

Pai Nosso..., Ave Maria..., Glória ao Pai...
Pela sua dolorosa Paixão; tende Misericórdia de nós e do mundo inteiro.
Meu Jesus, perdão e Misericórdia, pelos méritos de Vossas santas Chagas.


Segundo as visões da beata Ana Catharina Emmerich:

Preparação para a Ceia Pascal.

(Quinta-feira Santa, 13 de Nisan ou 29 de Março; Jesus na idade de 33 anos, 18 semanas menos 1 dia)

         Foi ontem à noite que se efetuou em Betânia e a última e grande refeição de Nosso Senhor e dos seus amigos, em casa de Simão, curado da lepra por Jesus e durante a qual Maria Madalena ungiu Jesus pela última vez. Judas, indignado com isso, correu a Jerusalém, onde negociou ainda uma vez com os príncipes dos sacerdotes, para entregar-lhes Jesus. Depois da refeição, voltou Jesus à casa de Lázaro e uma parte dos discípulos dirigiram-se à albergaria, situada fora de Betânia. Nicodemos veio ainda de noite à casa de Lázaro, onde teve longa conversa com o Senhor; voltou a Jerusalém antes do amanhecer, acompanhado numa parte do caminho por Lázaro.
        
Os discípulos já tinham perguntado a Jesus onde queria comer o cordeiro pascal. Hoje, antes da madrugada, Nosso Senhor mandou vir Pedro e João e falou-lhes muito de tudo que deviam comprar e preparar em Jerusalém; disse-lhes que, subindo o monte Sião, encontrariam um homem com um jarro de água. (Eles já conheciam esse homem, pois fora quem já na última Páscoa, em Betânia, preparara a ceia de Jesus; por isso diz S. Mateus: um certo homem). Deviam segui-lo até a casa em que morava e dizer-lhe: “ O Mestre manda avisar-te que seu tempo está perto e que quer celebrar a Páscoa em tua casa”. Deviam pedir que lhes mostrasse o Cenáculo que já estaria preparado e fazer-lhe depois todos os preparativos necessários.
        
Vi os dois Apóstolos subirem a Jerusalém, seguindo um barranco ao Sul do Templo e subirem ao monte Sião pelo lado setentrional. Ao lado Sul do monte do Templo havia algumas fileiras de casas; seguiram um caminho que passava em frente destas casas, ao longo de um ribeiro, que corria no fundo do barranco e os separava das casas. Tendo chegado à altura de Sião, que é mais alto do que o monte do Templo, dirigiram-se a um largo um pouco em declive, na vizinhança de um velho edifício, cercado de pátios; ali, no largo, encontraram o homem que lhes fora indicado, seguiram-no e perto da casa lhe disseram o que Jesus lhes ordenara.

Ele se regozijou muito de os ver e, ouvindo o recado, respondeu-lhes que a refeição já lhe tinha sido encomendada (provavelmente por Nicodemos), sem que soubesse para quem era, mas que muito lhe agradava saber que era para Jesus. Esse homem era Elí, cunhado de Zacarias de Hebron, o mesmo em cuja casa Jesus anunciara, no ano anterior, em Hebron, a morte de S. João Batista. Tinha só um filho, que era Levita e amigo de Lucas, antes deste se juntar a Jesus, anunciara, no ano anterior, em Hebron, a norte de S. João Batista. Tinha só um filho, que era Levita e amigo de Lucas, antes deste se juntar a Jesus, e além desse, também 5 filhas solteiras. Todos os anos ia com os criados à festa e, alugando uma sala, preparava a Páscoa para as pessoas que não tinham casa em Jerusalém. Neste ano tinha alugado um cenáculo, pertencente a Nicodemos e José de Arimatéia. Mostrou aos dois Apóstolos a sala e o arranjo interior.

O Cenáculo ou Casa da Ceia

         Ao lado sul do monte Sião, perto do castelo abandonado de Davi e do mercado situado na subida, à leste desse castelo, se acha um velho e sólido edifício, entre duas fileiras de árvores copadas e no meio de um pátio espaçoso, cercado de muros fortes. A direita e à esquerda da entrada há ainda outras construções encostadas ao murro: à direita a habitação do mordomo e, perto desta, outra à qual Nossa Senhora e as santas mulheres às vezes se retiravam, depois da morte de Nosso Senhor. O Cenáculo, antigamente mais espaçoso, servira de morada aos bravos capitães de Davi, que ali se exercitavam no manejo das armas; também estivera ali por algum tempo a Arca da Aliança antes da construção do Templo e ainda há indícios de sua estrada num subterrâneo da casa. Vi também uma vez o profeta Malaquias escondido nos mesmos subterrâneos, onde escreveu as profecias acerca da sagrada Escritura e do sacrifício do Novo Testamento. Salomão tinha também esta casa em muito respeito, por certa relação simbólica, a qual, porém, esqueci. Quando grande parte de Jerusalém foi destruída pelos Babilônicos, ficou salva essa casa, a respeito da qual tenho visto muitas outras coisas, mas lembro-me só do que acabo de contar.
        
O edifício estava meio arruinado, quando se tornou propriedade de Nicodemos e José de Arimatéia, que restauraram a casa principal e acomodaram-na bem, para a celebração da festa da Páscoa, fim para o qual costumavam alugá-la a forasteiros, como fizeram também na última Páscoa do Senhor. Além disso, serviam-lhes a casa e os pátios de armazém para monumentos sepulcrais e pedras de construção, como também de oficina para os operários, pois José de Arimatéia possuía excelentes pedreiras nas suas terras e negociava em pedras sepulcrais e variadíssimas colunas e capitéis, esculpidos sob sua direção. Nicodemos trabalhava muito como construtor e, nas horas vagas, gostava de ocupar-se também com a escultura, fora da época das festas, esculpia estátuas e monumentos de pedra, na sala ou no subterrâneo debaixo desta. Essa arte pusera-o em contato com José de Arimatéia; tornaram-se amigos e muitas vezes se associaram também nas empresas.
        
Nessa manhã, enquanto Pedro e João, enviados de Betânia por Jesus, conversavam com o homem que tinha alugado o Cenáculo para aquele ano, vi Nicodemos indo para além e para aquém das casas à esquerda do pátio, para onde tinham sido transportadas muitas pedras, que impediam as entradas da sala do Cenáculo. Havia uma semana, eu vira algumas pessoas ocupadas em pôr as pedras ao lado, em limpar o pátio e preparar o Cenáculo para a celebração da Páscoa; julgo até ter visto, entre outros, alguns discípulos de Jesus, talvez Aram e Temeni, sobrinhos de José de Arimatéia.

         A casa principal, o Cenáculo propriamente dito, está quase no meio do pátio, um pouco para o fundo. É um quadrilátero comprido, cercado por uma arcada menos alta de colunas, a qual, afastados os biombos entre pilares, pode ser unida à grande sala interior; pois todo o edifício é aberto de lado a lado e pousa sobre colunas e pilares; apenas estão as passagens fechadas ordinariamente por biombos. A luz entra por aberturas existentes no alto das paredes. Na parte estreita da frente, há um vestíbulo, ao qual conduzem três entradas; depois se entra na grande sala interior, alta e com bom assoalho lajeado; do teto pendem diversas lâmpadas; as paredes estão ornadas para a festa, até meia altura, com belas esteiras e tapetes e no teto há uma abertura coberta com um tecido brilhante, transparente, semelhante à gaze azul.
        
         O fundo da sala está separado do resto por uma cortina igual. Essa divisão do Cenáculo em três partes dá-lhe uma semelhança com o Templo; há também um adro, o santo e o santo dos santos. Nesta última parte é que são guardados, à direita e à esquerda, as vestimentas e vários utensílios. No meio há uma espécie de altar. Sai da parede, um banco de pedra com a ponta cortada no meio das duas faces laterais; deve ser a parte superior do forno, no qual o cordeiro pascal é assado; pois hoje, durante a refeição, estavam os degraus em roda muito quentes. Ao lado dessa parte do Cenáculo, há uma porta, que dá para o alpendre que fica atrás da pedra saliente; de lá é que se desce ao lugar onde se acende o fogo no forno; há ali ainda outros subterrâneos e adegas, debaixo da grande sala.

Naquela pedra ou altar saliente da parede há várias divisões, semelhantes a caixas ou gavetas, que se podem tirar; em cima há também aberturas como de uma grelha, uma abertura também para fazer fogo e outra para apagá-lo. Não sei mais descrever exatamente tudo que ali vi, parece ter sido um forno para cozer o pão ázimo da Páscoa e outros bolos ou também para queimar incenso ou certos restos das refeições da festa; é como uma cozinha pascal. Por cima dele, vi a figura de um cordeiro pascal; tinha cravado na garganta uma faca e o sangue parecia cair gota a gota sobre o altar; não sei mais exatamente como era feito. Dentro do nicho da parede há três armários de diversas cores, os quais se fazem girar como os nossos tabernáculos, para se abrirem e fecharem. Neles vi todas as espécies de vasos para a Páscoa, taças e mais tarde também o SS. Sacramento.
        
Nas salas laterais do Cenáculo há assentos ou leitos em plano inclinado, feitos de alvenaria, sobre os quais se acham mantas grossas enroladas; são leitos de dormir. Debaixo de todo o edifício há belas adegas; antigamente esteve ali no fundo a Arca da Aliança, onde, em seguida, foi construído o forno pascal. Debaixo da casa há cinco esgotos, que levam todas as águas e imundícies monte abaixo, pois a casa está situada no alto. Já antes vi Jesus curar e ensinar aqui; às vezes passavam alguns discípulos à noite nas salas laterais.


Disposições para a refeição pascal


         Tendo os Apóstolos falado com Helí de Hebron, voltou este pátio da casa; eles, porém, se dirigiram para a direita, a Sião, desceram pelo lado norte, passaram uma ponte e, seguindo por veredas ladeadas de sebes verdejantes, foram pelo outro lado do barranco, até às fileiras de casas ao sul do Templo. Ali era a casa do velho Simeão, que morrera depois da apresentação de Jesus no Templo.
Moravam então lá os filhos do venerando ancião; alguns eram secretamente discípulos de Jesus. Os Apóstolos falaram a um deles, que era empregado no Templo; era homem alto e muito moreno. Ele desceu com os Apóstolos, passando a leste do Templo, por aquela parte de Ophel pela qual Jesus entrara triunfalmente em Jerusalém, no domingo de Ramos; assim foram pela cidade, ao norte do Templo, até o Mercado de gado. Vi na parte meridional do mercado pequenos recintos, onde belos cordeiros saltavam como em pequenos jardins.
        
Na entrada triunfal de Jesus pensei que isso fora feito para abrilhantar a festa; mas eram cordeiros pascais, que se vendiam ali. Vi o filho de Simeão entrar num desses recintos; os cordeiros seguiram-no, saltando, e empurravam-no com as cabeças, como se o conhecessem. Ele escolheu quatro, que foram levados ao Cenáculo. Vi-o também de tarde no Cenáculo, ajudando na preparação do cordeiro pascal.
        
Vi como Pedro e João deram ainda vários recados na cidade, encomendando muitas coisas. Vi-os também fora de uma porta, ao norte do monte Calvário e a NO da cidade; entraram numa estalagem, onde ficaram nesses dias muitos discípulos, a qual estava sob a administração de Seráfia, (conhecida pelo nome de Verônica). Pedro e João mandaram alguns discípulos de lá ao Cenáculo, para dar alguns recados, dos quais me esqueci.
        
Foram também à casa de Seráfia, à qual tinham de pedir diversas coisas; o marido desta, membro do conselho, estava a maior parte do tempo fora de casa, em negócios e, mesmo quando estava em casa, ela o via pouco. Seráfia era uma mulher quase de idade da SS. Virgem e há tempo estava em relações com a Sagrada Família; pois quando o Menino Jesus, depois da festa, ficara atrás, em Jerusalém, comera em casa dela.
         Os dois Apóstolos receberam ali diversos objetos, em cestos cobertos, que foram levados ao Cenáculo, em parte pelos discípulos. Foi também ali que receberam o cálice de que Nosso Senhor se serviu, na instituição da sagrada Eucaristia.
        

Jesus vai a Jerusalém


            Na manhã em que os dois Apóstolos andaram por Jerusalém, ocupados com os preparativos de Páscoa, Jesus se despediu muito comovido das santas mulheres, de Lázaro e de sua Mãe em Betânia, dando-lhes ainda algumas instruções e exortações.
         Vi o Senhor conversar com a Virgem SS. Separadamente; disse-lhes, entre outras coisas, que tinha mandado a Pedro, o representante da fé, e João, o representante do amor, para prepararem a Páscoa em Jerusalém. De Madalena, que estava desvairada de dor e tristeza, disse o Mestre que o seu amor era indizível, mas ainda arraigado na carne e que por isso ficava desatinada de dor. Falou também das intenções traiçoeiras de Judas e a Santíssima Virgem pediu por este.
        
Judas tinha ido novamente de Betânia a Jerusalém, sob pretexto de fazer várias compras e pagamentos. De manhã interrogou Jesus os nove Apóstolos a respeito, apesar de saber perfeitamente o que Judas estava fazendo. Este correu todo o dia pelas casas dos fariseus, combinando tudo com estes; O traidor premeditou todos os passos que carecia dar, para que pudesse sempre explicar a sua ausência; não voltou para junto de Nosso Senhor, senão pouco antes de comerem o cordeiro pascal. Vi-lhe todas as conspirações e os pensamentos. Quando Jesus falou a Maria acerca de Judas, vi muitas coisas em relação ao caráter deste; era ativo e atencioso, mas cheio de avareza, ambição e inveja e não lutava contra as paixões. Fizera também milagres e curara doentes na ausência de Jesus.
        
Quando Nosso Senhor comunicou à SS. Virgem o que havia de suceder, pediu ela de modo tocante que a deixasse morrer com Ele. Mas Jesus exortou-a a que mostrasse mais calma na dor do que as outras mulheres; disse-lhe também que ressuscitaria e lhe indicou o lugar onde lhe, apareceria. A Mãe SS. Então não chorou muito, mas ficou tão profundamente triste e séria que impressionou a todos. Nosso Senhor, como Filho piedoso, agradeceu-lhe todo o amor que lhe tinha mostrado; abraçou-o com o braço direito e apertou-a ao coração; disse-lhe também que faria a ceia com ela espiritualmente, indicando-lhe a hora em que a receberia. Ainda se despediu de todos, muito comovido, e instruiu-os sobre muitas coisas.
        
Cerca de meio dia partiu Jesus de Betânia, com os nove Apóstolos, tomando o caminho de Jerusalém; seguiram-no sete discípulos que, com exceção de Natanael e Silas, eram naturais de Jerusalém e arredores. Lembro-me que entre estes estavam João Marcos e o filho da viúva pobre, que na quinta-feira antecedente oferecera o denário no Templo, enquanto Jesus ensinava. Havia poucos dias Jesus admitira o último como discípulos. As santas mulheres seguiram mais tarde.

         Jesus e a comitiva andaram por aqui e por ali, por diversos caminhos ao redor do monte das Oliveiras, no vale de Josafá e até o monte Calvário; durante todo o caminho, continuou a ensinar-lhes. Disse aos Apóstolos, entre outras coisas, que até agora lhes dera pão e vinho, mas hoje queria dar-lhes seu corpo e sangue, que lhes daria e deixaria tudo que tinha. Nosso Senhor disse-o de uma maneira tão tocante, que toda a alma parecia fundir-se Lhe e languir de amor, com o desejo de se lhes dar. Os discípulos não O compreenderam, julgaram que falava do cordeiro pascal. Não se pode exprimir quanto havia de amor e resignação nos últimos discursos que fez em Betânia e aqui. As santas mulheres foram mais tarde à casa de Maria, mãe de Marcos.

         Os sete discípulos que seguiram Nosso Senhor a Jerusalém, não O acompanharam no caminho, mas levaram as vestimentas da cerimônia da Páscoa ao Cenáculo, já encontraram todo o vestuário da cerimônia no vestíbulo, onde os discípulos e alguns outros o tinham colocado; também tinham coberto as paredes da sala com tapeçaria, desprendido as aberturas do teto e aprontado três candeeiros de suspensão. Pedro e João foram então ao vale de Josafá, para chamar a Jesus e aos nove Apóstolos. Os discípulos e amigos que comeram com eles o cordeiro pascal vieram mais tarde.




  19:00 hs. JESUS LAVA OS PÉS DE SEUS DISCÍPULOS


JESUS SE SENTA NA MESA  COM OS DOZE

Naquela noite comerão a carne (do cordeiro) assada no fogo com pães sem fermento e ervas amargas. (Ex 12, 8)
Tenho desejado ardentemente comer convosco esta Páscoa, antes de sofrer. (Lc 22,15)
Ao declinar da tarde, pôs-se Jesus à mesa com os doze discípulos. (Mt 26, 20)


JESUS LAVA OS PÉS DE SEUS DISCÍPULOS.

Durante a ceia, - quando o demônio já tinha lançado no coração de Judas, filho de Simão Iscariotes, o propósito de traí-lo, sabendo Jesus que o Pai tudo lhe dera nas mãos, e que saíra de Deus e para Deus voltava, levantou-se da mesa, depôs as suas vestes e, pegando duma toalha, cingiu-se com ela. Em seguida, deitou água numa bacia e começou a lavar os pés dos discípulos e a enxugá-los com a toalha com que estava cingido. Depois de lhes lavar os pés e tomar as suas vestes, sentou-se novamente à mesa e perguntou-lhes: Sabeis o que vos fiz? Vós me chamais Mestre e Senhor, e dizeis bem, porque eu o sou. Logo, se eu, vosso Senhor e Mestre, vos lavei os pés, também vós deveis lavar-vos os pés uns aos outros. Dei-vos o exemplo para que, como eu vos fiz, assim façais também vós. (Jo, 13, 2-5. 12-15)


DISCUSSÃO ENTRE OS DISCÍPULOS

Os reis dos pagãos dominam como senhores... Que não seja assim entre vós...(Lc 22, 25-26)
EU estou no meio de vós, como aquele que serve... (Lc 22,27)
O que entre vós é o maior, torne-se como o último; e o que governa seja como o servo. Pois qual é o maior: o que está sentado à mesa ou o que serve? Não é aquele que está sentado à mesa? Todavia, eu estou no meio de vós, como aquele que serve.(Lc 22, 26-27)
Em verdade, em verdade vos digo: o servo não é maior do que o seu Senhor, nem o enviado é maior do que aquele que o enviou. Se compreenderdes estas coisas, sereis felizes, sob condição de as praticardes. (Jo 13, 16-17)


JESUS ANUNCIA A TRAIÇÃO DE JUDAS.

Até o próprio amigo em que EU confiava, que partilhava do meu pão, levantou contra mim o calcanhar. (Sal 40,10)
O Filho do homem vai, segundo o que dele está escrito, mas ai daquele homem por quem o Filho do homem for traído! Melhor lhe seria que nunca tivesse nascido...(Mc. 14,21)
...Jesus ficou perturbado em seu espírito e declarou abertamente: Em verdade, em verdade vos digo: um de vós me há de trair!... (Jo. 13,21)
Entretanto, eis que a mão de quem me trai está à mesa comigo. O Filho do Homem vai, segundo o que está determinado, mas ai daquele homem por quem ele é traído! Perguntavam então os discípulos entre si quem deles seria o que tal haveria de fazer. (Lc 22,21-23)

Pai Nosso..., Ave Maria..., Glória ao Pai...
Pela sua dolorosa Paixão; tende Misericórdia de nós e do mundo inteiro.
Meu Jesus, perdão e Misericórdia, pelos méritos de Vossas santas Chagas.


            Segundo as Visões de Anna Catharina Emmerich:

Judas tinha ido novamente de Betânia a Jerusalém, sob pretexto de fazer várias compras e pagamentos. De manhã interrogou Jesus os nove Apóstolos a respeito, apesar de saber perfeitamente o que Judas estava fazendo. Este correu todo o dia pelas casas dos fariseus, combinando tudo com estes; O traidor premeditou todos os passos que carecia dar, para que pudesse sempre explicar a sua ausência; não voltou para junto de Nosso Senhor, senão pouco antes de comerem o cordeiro pascal. Vi-lhe todas as conspirações e os pensamentos. Quando Jesus falou a Maria acerca de Judas, vi muitas coisas em relação ao caráter deste; era ativo e atencioso, mas cheio de avareza, ambição e inveja e não lutava contra as paixões. Fizera também milagres e curara doentes na ausência de Jesus.
  
O Lava-pés.

Levantaram-se da mesa e, enquanto mudavam e arranjavam as vestes, como costumavam fazer antes da oração solene, entrou o mordomo, com os dois criados, para levar a mesa, tirá-la do meio dos assentos que a cercavam e pô-la ao lado. Tendo feito isso, recebeu ordem de Jesus para trazer água ao vestíbulo e saiu da sala, com os dois criados. Jesus, em pé no meio dos Apóstolos, falou-lhes muito tempo em tom solene. Mas tenho até agora visto e ouvido tantas coisas, que não é possível relatar com exatidão a matéria de todos os discursos.

Lembro-me que falou do seu reino, de sua ida para o Pai, prometendo deixar-lhes tudo o que possuía, etc. Também pregou sobre a penitência, exame e confissão das faltas, arrependimento e purificação. Tive a impressão de que essa instrução se relacionava com o lava-pés e vi também que todos conheceram os seus pecados e se arrependeram, com exceção de Judas. Esse discurso foi longo e solene. Tendo terminado, Jesus mandou João e Tiago o Menor trazerem a água do vestíbulo, ordenando aos Apóstolos que colocassem os assentos em semicírculo, Ele próprio foi ao vestíbulo, despiu o manto e arregaçando a túnica, cingiu-se com um pano de linho, cuja extremidade mais longa pendia para baixo.
        
Durante esse tempo tiveram os Apóstolos uma discussão, sobre qual deles devia ter o primeiro lugar, como o Senhor lhes anunciara claramente que os ia deixar e que o seu reino estava perto, surgiu de novo entre eles a opinião de que Jesus tinha aspirações secretas, um triunfo terrestre, que se realizaria no último momento.

         Jesus, que estava no vestíbulo, deu ordem a João para tomar uma bacia e a Tiago o Menor para trazer um odre cheio de água, transportando-o diante do peito, de modo que o bocal pendesse sobre o braço. Depois de ter derramado água do odre na bacia, mandou que os dois O seguissem à sala, onde o mordomo tinha posto no meio outra bacia maior, vazia.

         Entretanto pela porta da sala, de forma humilde, Jesus censurou os Apóstolos em poucas palavras, por causa da discussão havia antes entre eles, dizendo, entre outras coisas, que Ele mesmo queria servir-lhes de criado, que tomassem os assentos, para que lhes lavasse os pés. Então se sentaram, na mesma ordem em que foram colocados à mesa, tendo sido os assentos dispostos em semicírculo. Jesus, indo de um a outro, derramou-lhes sobre os pés água da bacia, que João sucessivamente colocava sobre os pés de cada um. Depois tomava o Mestre a extremidade da toalha de linho, com que estava cingido e enxugava-lhes os pés com ambas as mãos. Em seguida se aproximava, com Tiago, do Apóstolo seguinte. João esvaziava de cada vez a água usada, na grande bacia que estava no meio da sala e Jesus enchia de novo a bacia, com água do odre que Tiago segurava, derramando-a sobre os pés do Apóstolo e enxugando-lhos.
        
O Senhor, que durante toda a ceia pascal se mostrara singularmente afetuoso, desempenhou-se também desta humilde função com o mais tocante amor. Não fazia como uma cerimônia, mas como ato santo de caridade, exprimindo nele todo o seu amor.
        
Quando chegou a Pedro, este quis recusar, dizendo: “Senhor, Vós me quereis lavar os pés?”. Disse, porém, o Senhor: “Agora não entendes o que faço, mas entendê-lo-ás no futuro”. Pareceu-me que lhe disse em particular: “Simão, tens merecido aprender de Meu Pai quem Sou Eu, donde venho e para onde vou; só tu o tens conhecido e confessado; por isso, construirei sobre ti a minha Igreja, e as portas do inferno não prevalecerão contra ela. O meu poder há de ficar também com os teus sucessores, até o fim do mundo”.

Jesus indicou-o aos outros, dizendo-lhes que Pedro devia substituí-lo na administração e no governo da Igreja, quando Ele tivesse saído deste mundo. Pedro, porém, disse: “Vós não me lavareis jamais os pés”. O Senhor respondeu-lhe: “Se eu não tos lavar, não terás parte em mim”. Então lhe disse Pedro: “Senhor, não me lavareis somente os pés, mas também as mãos e a cabeça”. Jesus respondeu: “Quem foi lavado, é puro no mais; não é preciso lavar senão os pés. Vós também estais limpos, mas não todos.” Com estas palavras referiu-se a Judas.
        
Jesus, ensinando sobre o lava-pés, disse que era uma purificação das faltas quotidianas, porque os pés, caminhando descuidosamente na terra, se sujavam continuamente.
        
Esse banho dos pés era espiritual e uma espécie de absolvição. Pedro, porém, viu nele apenas uma humilhação muito grande para o Mestre; não sabia que Jesus, para salvá-lo e aos outros homens, se humilharia na manhã seguinte até à morte ignominiosa da Cruz.

         Quando Jesus lavou os pés de Judas, mostrou-lhe uma afeição comovedora; aproximou o rosto dos pés do Apóstolo infiel, disse-lhe muito baixo que se arrependesse, pois que já por um ano pensava em tornar-se infiel e traidor. Judas, porém, parecia não querer perceber e falava com João. Pedro irritou-se com isso e disse-lhe: “Judas, o Mestre fala-te”. Então disse Judas algumas palavras vagas e evasivas a Jesus, como: “Senhor, tal coisa nunca farei”.

          Os outros não perceberam as palavras que Jesus dissera a Judas, pois falara baixo e eles não prestaram atenção; estavam ocupados em calçar as sandálias. Nada, em toda a Paixão, afligiu tão profundamente o Senhor como a traição de Judas. Jesus lavou depois ainda os pés de João e Tiago. Primeiro, se sentou Tiago e Pedro segurou o odre de água, depois se sentou João e Tiago segurou a bacia.

         Jesus ensinou ainda sobre a humildade, dizendo que aquele que servia aos outros, era o maior de todos e que dali em diante deviam lavar humildemente os pés uns aos outros; tocou ainda na discussão sobre qual deles havia de ser o maior, dizendo muitas coisas que se encontram também no Evangelho.

         “Sabeis o que vos fiz? Vós me chamais Mestre e Senhor e dizeis bem, porque o sou. Se eu, sendo vosso Senhor e Mestre, vos lavei os pés, logo deveis também lavar os pés uns aos outros. Porque eu vos dei o exemplo, para que, como eu fiz, assim façais vós também. Em verdade, em verdade, vos digo: não é o servo maior do que o seu Senhor, nem o enviado é maior do que aquele que o enviou. Se sabeis estas coisas, bem-aventurados sereis se também as praticardes. Não digo isto de todos vós; sei os que tenho escolhido; mas é necessário que se cumpra o que diz a Escritura: ”O que come o pão comigo, levantará contra mim o calcanhar”. Desde agora vos digo, antes que suceda; para que, quando suceder, creiais que sou eu. Em verdade, em verdade vos digo: “O que recebe aquele que eu enviar, a mim me recebe; e o que me recebe a mim, recebe Aquele que me enviou”. (Jo. 13,12-20).

         Jesus vestiu de novo as vestes. Os Apóstolos desenrolaram também as vezes, que antes tinham arregaçado, para comer o cordeiro pascal.




 20:00 hs. JESUS INSTITUI A EUCARISTIA.

Eu sou o pão vivo que desceu do céu. Quem comer deste pão viverá eternamente. E o pão, que eu hei de dar, é a minha carne para a salvação do mundo. Quem come a minha carne e bebe o meu sangue permanece em mim e eu nele. (Jo 6, 51.56)
...como amasse os seus que estavam no mundo, até o extremo os amou... (Jo 13,1)
...Isto é o Meu CORPO, que é dado por vós; ...Este cálice é a Nova Aliança em Meu SANGUE, que é derramado por vós... (Lc 22, 19-20)
Durante a ceia, Jesus tomou o pão, benzeu-o, partiu-o e o deu aos discípulos, dizendo: Tomai e comei, isto é Meu CORPO. Tomou depois o cálice, rendeu graças e deu-lho, dizendo: Bebei dele todos, porque isto é Meu SANGUE, o sangue da Nova Aliança, derramado por muitos homens em remissão dos pecados. Digo-vos: doravante não beberei mais desse fruto da vinha até o dia em que o beberei de novo convosco no Reino de meu PAI. (Mt. 26, 26-29)


ANÚNCIO DA TRAIÇÃO DE PEDRO

Simão, Simão, eis que Satanás vos reclamou para vos peneirar como o trigo... (Lc 22,31)
...Em verdade, em verdade te digo: não cantará o galo até que me negues três vezes... (Jo 13,38)
...mas Eu roguei por ti, para que a tua confiança não desfaleça; e tu, por tua vez, confirma os teus irmãos. Pedro disse-lhe: Senhor, estou pronto a ir contigo tanto para a prisão como para a morte. Jesus respondeu-lhe: Digo-te, Pedro, não cantará hoje o galo, até que três vezes hajas negado que me conheces. (Lc 22, 31-34)


O SERMÃO DE DESPEDIDA.

Logo que Judas saiu, Jesus disse: Agora é glorificado o Filho do Homem, e Deus é glorificado nele. (Jo 13,31)
...No mundo haveis de ter aflições. Coragem! Eu venci o mundo... (Jo 16,33)



A ORAÇÃO SUMO SACERDOTAL.

JESUS, levantando os olhos ao céu, disse:
PAI, é chegada a hora. Glorifica teu FILHO, para que Teu FILHO glorifique a TI; (Jo 17, 1). 
...e para que, pelo poder que lhe conferiste sobre toda criatura, ELE dê a vida eterna a todos aqueles que lhe entregaste. ... EU TE glorifiquei na terra. Terminei a obra que ME deste para fazer. Agora, pois, PAI, glorifica-ME junto de TI, concedendo-me a glória que tive junto de TI, antes que o mundo fosse criado. (Jo 17, 2-5)
“Manifestei o Teu Nome aos homens que do mundo ME deste”... (Jo 17, 6)
“Por eles é que EU rogo... guarda-os em Teu Nome, a fim de que sejam um como NÓS. Conservei os que me deste... Dei-lhes a tua palavra... Não peço que os tires do mundo, mas sim que os preserves do mal. ... Santifica-os pela verdade. A Tua palavra é a verdade. Santifico-ME por eles para que também eles sejam santificados pela verdade. (Jo 17, 9-18)
Não rogo somente por eles, mas também por aqueles que por sua palavra hão de crer em MIM. (Jo 17,20)
PAI, quero que, onde EU estou, estejam coMigo aqueles que ME deste, para que vejam a Minha glória. Manifestei-lhes o Teu Nome, e ainda hei de lhO manifestar, para que o amor com que ME amaste esteja neles, e EU neles. (Jo 17, 24.26)

Pai Nosso..., Ave Maria..., Glória ao Pai...
Pela sua dolorosa Paixão; tende Misericórdia de nós e do mundo inteiro.
Meu Jesus, perdão e Misericórdia, pelos méritos de Vossas santas Chagas.


Segundo as Visões de Anna Catharina Emmerich:

         Por ordem do Senhor, o mordomo pusera novamente a mesa e colocara-a um pouco mais alto e no meio, coberto de um tapete, sobre o qual estendera uma toalha vermelha e em cima desta, outra branca, bordada a crivo. Por baixo da mesa pôs um jarro de água e outro de vinho.
         Pedro e João, indo à parte da sala onde era o forno do Cordeiro pascal, buscaram o cálice que haviam trazido da casa de Seráfia. Transportaram-no solenemente, dentro do invólucro; eu tinha a impressão de que carregavam um Tabernáculo. Colocaram-no sobre a mesa, diante de Jesus. Havia também um prato oval, com três pães ázimos, brancos e delgados, marcados com sulcos regulares; eram por estes divididos em três partes, no sentido da largura e no duplo de partes da largura, no sentido comprimento. Os pães estavam cobertos. Jesus já lhes fizera ligeiras incisões, durante o ceia pascal, para parti-los mais facilmente e pusera por baixo da toalha a metade do pão partido no banquete pascal. Estavam também sobre a mesa um cântaro de água e outro de vinho, como também três vasos, um com óleo grosso, outro com azeite, o terceiro vazio e mais uma espátula.

         Desde os antigos tempos reinava o costume de partir o pão e beber do mesmo cálice no fim do banquete; era sinal de fraternidade e amor, usado por ocasião de boa vinda e despedida. Creio que há alguma coisa a este respeito também na Escritura Sagrada. Jesus, porém, elevou esse uso à dignidade do Santíssimo Sacramento. Até então tinha sido somente um rito simbólico e figurativo. Pela traição de Judas foi levado ao tribunal também a acusação de ter Jesus juntado alguma coisa nova às cerimônias da Páscoa; Nicodemos, porém, provou com trechos da Escritura Sagrada, que esse uso de despedida era muito antigo.

         O lugar de Jesus era entre Pedro e João. As portas estavam fechadas; tudo se fez com solenidade misteriosa. Depois de se haver tirado do cálice o invólucro e levado à parte separada da sala, rezou Jesus, falando num tom solene. Vi que lhes explicava todas as santas cerimônias da última ceia; era como se um sacerdote ensinasse aos outros a santa Missa.

         Em seguida tirou da bandeja em que estavam os vasos, um tabuleiro corrediço, tomou o pano de linho que cobria o cálice e estendeu-o sobre o tabuleiro. Depois o vi tirar do cálice uma patena redonda e pô-la sobre o tabuleiro coberto. Tirou então os pães que estavam ao lado, num prato coberto com um pano de linho e colocou-os na patena, diante de si. Os pães, que tinham a forma de um quadrilátero oblongo, excediam dos dois lados a patena, cuja borda, porém, permanecia visível na largura.
Em seguida puxou para si o cálice, tirou dele um copinho, colocando também os seis copos pequenos à direita e esquerda do cálice. Depois benzeu o pão àzimo e, creio, também os óleos, que estavam ao lado, levantou a patena, em que estavam os pães àzimos, com ambas as mãos, olhou para o céu, rezou e ofereceu-o a Deus, pôs a patena no tabuleiro e cobriu-a. Depois tomou o cálice, mandou Pedro derramar vinho e João derramar água, que antes benzera e juntou ainda um pouco de água, que colheu com a colherzinha. Benzeu o cálice, levantou-o, ofereceu-o, rezando e colocou-o no tabuleiro.

         Mandou a Pero e João derramarem-Lhe água sobre as mãos, por cima do prato em que anteriormente foram postos o pães àzimos e, tirando a colherzinha do pé do cálice, apanhou um pouco de água que lhe correra sobre as mãos e espargiu-a sobre as mãos dos dois Apóstolos. Depois passou o prato em redor da mesa e todos lavaram nele as mãos. Não me lembro bem se foi essa a ordem exata das cerimônias; mas tudo isso, que me lembrou muito o santo Sacrifício da Missa, comoveu-me profundamente.

         Durante esse santo ato tornou-se Jesus cada vez mais afetuoso; disse-lhes que agora queria dar-lhes tudo que tinha: sua própria pessoa. Era com se derramasse sobre eles todo o seu amor e vi-O tornar-se transparente; parecia uma sombra luminosa.

         Orando com esse amor, partiu o pão nas partes marcadas, as quais amontoou sobre a patena, em forma de pirâmide. Do primeiro bocado quebrou um pedacinho com a ponta dos dedos e deixou-o cair no cálice.

         No momento em que o fez, tive a impressão de que a SS. Virgem recebeu o Santo Sacramento espiritualmente, apesar de não estar ali presente. Não sei agora como o vi; mas pensei vê-la entrar pela porta, sem tocar no chão aproximar-se de Jesus, do lado desocupado da mesa e receber o santo Sacramento em frente d’Ele; depois não a vi mais. Jesus dissera-lhe de manhã, em Betânia, que celebraria a Páscoa junto com ela, marcando-lhe a hora em que, recolhida em oração, devia recebê-la espiritualmente.

         O Senhor rezou ainda e ensinou; todas as palavras lhe saíram da boca como fogo e luz e entraram nos Apóstolos, com exceção de Judas. Depois tomou a patena com os bocados de pão (não sei, mas se a tinha posto sobre o cálice) e disse: “Tomai e comei, isto é o meu corpo, que será entregue por vós”. Nisso estendeu a mão direita como para benzer e, enquanto assim fazia, saiu dEle um esplendor, suas palavras eram luminosas e também o era o pão que se precipitou na boca dos Apóstolos, como um corpo resplandecente; era como se Ele mesmo entrasse neles. Vi-os todos penetrados de luz; só Judas vi escuro.
O Senhor deu o Sacramento primeiro a Pedro, depois a João; em seguida fez sinal a Judas para aproximar-se; foi o terceiro, a quem deu o SS. Sacramento. Mas a palavra do Cristo parecia recuar da boca do traidor. Fiquei tão horrorizada, que não posso exprimir o que senti nesse momento. Jesus, porém, disse-lhe: “Fazei já o que queres fazer” e continuou a dar o Santo Sacramento aos Apóstolos, que se aproximaram dois a dois, segurando alternadamente, em frente um do outro, um pequeno pano engomado, bordado nos lados, o qual cobria o cálice.

         Jesus levantou o cálice pelas duas argolas até a altura do rosto e pronunciou as palavras da consagração sobre ele. Nesse ato ficou transfigurado e como transparente, parecendo passar tudo o que lhes deu. Fez Pedro e João beberem do cálice, que segurava nas mãos, colocando-o depois na mesa; João passou com a colherzinha o SS. Sangue do cálice para os copinhos, que Pedro ofereceu aos Apóstolos, os quais beberam dois a dois de um copo. Creio, mas não tenho absoluta certeza, que Judas também participou do cálice; não voltou, porém, ao seu lugar, mas saiu imediatamente do Cenáculo.
Como Jesus lhe tivesse feito um sinal, pensaram os outros que o tivesse encarregado de algum negócio. Retirou-se sem ter rezado e feito a ação de graças, por onde se vê como é mau retirar-se sem ação de graças, depois de tomar o pão quotidiano ou o Pão Eterno. Durante toda a refeição, eu tinha visto ao pé de Judas a figura de um pequeno monstro vermelho e hediondo, cujo pé era como um osso descarnado e que ás vezes lhe subia até o coração. Quando saiu de casa, vi três demônios cercarem-no; um entrou-lhe na boca, outro empurrou-o para frente e o terceiro correu-lhe à frente. Era noite e eles pareciam alumiá-lo; Judas corria como um louco.

         O Senhor deitou o resto do Santíssimo Sangue, que ainda ficara no fundo do cálice, no copinho que antes estivera dentro do cálice; pondo depois os dedos por cima do cálice, mandou Pedro e João derramarem água e vinho sobre eles. Feito isso, fê-los beber ambos do cálice e o resto vazou-os nos outros copinhos, distribuindo-os pelos outros Apóstolos. Em seguida Jesus enxugou o cálice, meteu nele o pequeno copo, contendo o resto do Santíssimo Sangue, colocou em cima a patena, com os restantes pães àzimos consagrados pôs a tampa e cobriu o cálice de novo com o pano, colocando-o depois sobre a bandeja, entre os seis copinhos. Vi os Apóstolos comungarem dos restos do Santíssimo Sacramento, depois da ressurreição de Jesus.

         Não me lembro de ter visto o Senhor comer as espécies consagradas, a não ser que eu não reparasse. Dando o Santíssimo Sacramento, deu-se de modo que parecia sair de si mesmo e derramar-se nos Apóstolos, numa efusão de amor misericordioso. Não sei como posso exprimi-lo.

         Também não vi Melquisedec, quando ofereceu pão e vinho, come-lo e bebê-lo. Soube também porque os sacerdotes o consomem, apesar de Jesus não o ter feito.

         Dizendo isso, Catharina Emmerich virou de repente a cabeça, como para escutar; recebeu uma explicação sobre esse ponto, da qual pôde comunicar somente o seguinte; se, porém, os sacerdotes não o recebessem, já se teria perdido há muito; por isso é que se conserva”.

         Todas as cerimônias, durante a instituição do SS. Sacramento, foram feitas por Jesus com muita calma e solenidade, para ao mesmo tempo ensinar e instruir os Apóstolos, os quais vi depois tomarem notas de certas coisas, nos pequenos rolos que tinham consigo. Todos os movimentos de Jesus, para a direita e para a esquerda, eram solenes, como sempre que estava rezando. Tudo mostrava em geral o santo Sacrifício da Missa. Durante a cerimônia e em outras ocasiões, vi também os Apóstolos se inclinarem uns diante dos outros ao aproximarem-se, como ainda fazem os sacerdotes de hoje.

Instruções secretas e consagrações

         Jesus deu ainda instruções secretas. Disse aos Apóstolos que continuassem a consagrar e administrar o SS. Sacramento, até o fim do mundo. Ensinou-lhes as formas essenciais da administração e do uso do Sacramento e de que modo deviam gradualmente ensinar e publicar esse mistério; explicou-lhes quando deviam receber o resto das espécies consagradas e dá-lo à SS. Virgem e que deviam consagrar também o SS. Sacramento, depois de lhes ter enviando o Divino Consolador.

            Instruiu-os em seguida sobre o sacerdócio, sobre a preparação do Crisma e dos santos óleos e sobre a unção. Estavam ao lado do cálice três urnas, duas das quais continham misturar de bálsamo e diversos óleos e algodão; as urnas podiam ser postas em cima da outra. Jesus ensinou-lhes muitos mistérios, como se devia preparar o santo Crisma, a que partes do corpo se devia aplicar e em que ocasiões.

Lembro-me, entre outras coisas, que mencionou um caso em que a sagrada Eucaristia não podia mais ser recebida; talvez se tenha referido à Extrema-Unção: mas as minhas lembranças a tal respeito não são muito claras. Falou ainda de diversas unções, inclusive a dos reis e disse que os reis sagrados com o Crisma, mesmo os injustos, possuíam uma força interna misteriosa, que não era dada aos outros. Derramou, pois, ungüento e óleo na urna vazia e misturou-os; não sei mais positivamente se foi nesse momento ou já por ocasião da consagração dos pães, que benzeu o óleo.

         Vi depois Jesus ungir a Pedro e João; já por ocasião da instituição do SS. Sacramento lhe derramara sobre as mãos a água que sobre as suas lhe correra e os fizera também beber do cálice que Ele mesmo segurava.

         Saindo do meio da mesa, um pouco para o lado, pousou as mãos primeiro sobre os ombros e depois sobre a cabeça de Pedro e João.  Em seguida mandou que ficassem de mãos postas e colocassem os polegares em forma de cruz. Inclinaram-se os dois Apóstolos profundamente diante do Mestre (não sei ai estavam de joelhos). O Senhor ungiu-lhes os polegares e indicadores com ungüento e fez-lhes com o mesmo também o sinal da cruz na cabeça. Disse-lhes também que essa unção devia permanecer com eles até o fim do mundo.

Tiago o Menor, André, Tiago o Maior e Bartolomeu receberam também ordens. Vi também o Senhor ajustar em forma de cruz, sobre o peito de Pedro, a faixa estreita de pano, que todos traziam ao pescoço; aos outros, porém, do ombro direito para debaixo do braço esquerdo. Não sei mais com certeza se isso se fez já por ocasião da instituição do SS. Sacramento ou só na hora da unção.

         Vi porém, que Jesus lhes comunicou com essa unção uma coisa real e também sobrenatural, não sei como exprimi-lo em palavras. Disse-lhes mais que, depois de terem recebido o Espírito Santo, deviam também consagrar pão e vinho e dar a unção aos outros Apóstolos. Nesse momento tive uma visão sobre Pedro e João que, no dia de Pentecostes, antes do grande batismo, impuseram as mãos aos outros Apóstolos, o que também fizeram, uma semana depois, a alguns outros discípulos. Vi também João, depois da ressurreição de Jesus, dar pela primeira vez o SS. Sacramento a Nossa Senhora. Esse acontecimento foi celebrado pelos Apóstolos com grande solenidade; a Igreja militante não tem mais essa festa, mas vejo-a celebrada ainda na Igreja triunfante. Nos primeiros dias depois de Pentecostes vi só Pedro e João consagrarem a santa Eucaristia, mais tarde a consagraram também os outros.

         O Senhor benzeu-lhes também fogo, num vaso de bronze; esse fogo desde então ardeu sempre, até depois de longas ausências era guardado junto ao lugar onde se conservava o SS. Sacramento, numa parte do antigo fogão pascal; ali sempre o buscavam para as cerimônias religiosas.

         Tudo que Jesus fez por ocasião da instituição da sagrada Eucaristia e da unção dos Apóstolos, foi debaixo de grande segredo e era também ensinado só secretamente e tem se conservado, na sua essência, pela Igreja até os nossos tempos, aumentando, porém, sob a inspiração do Espírito Santo, conforme as necessidades.

         Os Apóstolos ajudaram na preparação e bênção do santo Crisma; quando Jesus os ungiu e lhes impôs as mãos, fez tudo com grande solenidade.

         Terminadas as santas cerimônias, o cálice, perto do qual estavam também os santos óleos, foi coberto com a capa e Pedro e João levantaram assim o SS. Sacramento para o fundo da sala, separado do resto por uma cortina e ali era desde então o Santuário. O SS. Sacramento estava por cima do fogão pascal, não muito alto. José de Arimatéia e Nicodemos cuidavam do Santuário e do Cenáculo, na ausência dos Apóstolos.

         Jesus ensinou ainda por muito tempo e disse algumas orações com grande fervor. Parecia às vezes conversar com o Pai celeste, cheio de entusiasmo e amor. Os Apóstolos também ficaram penetrados de zelo e ardor e fizeram-lhe várias perguntas, às quais respondeu. Creio que tudo isso está escrito em grande parte na Escritura Sagrada. Durante esses discursos, disse Jesus algumas coisas a Pedro e João separadamente, as quais estes depois deviam comunicar aos outros Apóstolos, como complemento de instruções anteriores e estes aos outros discípulos e às santas mulheres, quando chegassem ao tempo de receberem tais conhecimentos.

Pedro e João estavam sentados perto de Jesus. O Senhor teve também uma conversa particular com João, da qual me lembro agora apenas o prognóstico de que a vida deste Apóstolo seria mais longa que a dos outros; falou-lhe também de sete Igrejas, de coroas, Anjos e outras figuras simbólicas, com as quais designava, como me parece, certas épocas. Os outros Apóstolos sentiram, diante dessa confiança particular, um leve movimento de inveja.

         O Mestre falou também diversas vezes do traidor, dizendo o que naquela hora este estava fazendo; viu sempre Judas fazer o que o Senhor dizia. Como Pedro lhe afirmasse, com grande ardor, que havia de permanecer fiel, disse-lhes Jesus: “Simão, Simão, eis que Satanás vos reclama com instância, para vos joeirar como o trigo; mas eu roguei por ti, afim de que tua fé não desfaleça; e tu enfim, depois de convertido, confirma na fé teus irmãos”. Como, porém, Jesus dissesse que onde iria, não poderiam seguí-lo, exclamou Pedro que o seguiria até a morte. Replicou Jesus: “Em verdade antes que o galo cante duas vezes, tu me negarás três vezes”, Quando lhes anunciou os tempos duros que viriam, pergunto-lhes: “Quando vos enviei sem alforje, sem sapatos, faltou-lhes porventura alguma coisa?” Responderam: “Não”. Disse, porém, que daquela hora em diante, quem tivesse bolsa, a tomasse e também alforje e o que nada tivesse, vendesse a túnica e comprasse espada, pois que se devia cumprir a palavra: “E foi reputado por um dos iníquos”. Tudo que fora escrito sobre Ele, devia cumpri-se então.

         Os Apóstolos entenderam-no no sentido natural e Pedro mostrou-Lhe duas espadas curtas e largas, como cutelos.

         Jesus disse: “Basta, vamo-nos daqui”. Rezaram então um cântico; a mesa foi posta ao lado e dirigiram-se todos ao vestíbulo.

         Ali se aproximaram a mãe de Jesus, Maria de Cleofas e Madalena, que lhe pediram instantemente que não fosse ao monte das Oliveiras; pois se propagara o boato de que queriam apoderar-se dEle. Mas Jesus consolou-as com poucas palavras, continuando apressadamente o caminho; eram cerca de 9 horas da noite. Descendo a grandes passos pelo caminho pelo qual Pedro e João tinham vindo ao Cenáculo, dirigiram-se ao monte das Oliveiras.


Oração solene de despedida de Jesus


         Não podemos deixar de inserir aqui as últimas palavras e ensinamentos tão profundos, que Jesus, no fim da ceia, dirigiu aos Apóstolos, com tanto amor e carinho e que nos foram transmitidos por S. João no seu Evangelho, Caps. 14 a 17. Jesus disse:
         “Não se perturbe o vosso coração. Credes em Deus, crede também em mim. Na casa de meu Pai há muitas moradas; se assim não fora, eu vo-lo teria dito: pois vou a aparelhar-vos o lugar. E depois que eu for e vos aparelhar o lugar, virei outra vez, e tomar-vos-ei comigo, para que onde eu estiver, estejais vós também, para onde eu vou, sabeis vós e sabeis também o caminho”. Disse-lhe Tomé: “Senhor, não sabemos para onde vias, e como podemos saber o caminho?” Respondeu-lhe Jesus: “Eu sou o caminho, a verdade e a vida; ninguém vai ao Pai senão por mim. Se me conhecêsseis a mim, também certamente havíeis de conhecer meu Pai; mas conhecê-Lo-eis bem cedo e já o tendes visto”. Disse-lhe Filipe: “Senhor, mostrai-nos o Pai e isso nos basta”.Respondeu-lhe Jesus: “Há tanto tempo que estou convosco e ainda não me tendes conhecido? Filipe, quem vê a mim, vê também ao Pai. Como dizes logo: “Mostra-nos o Pai?” Não credes que estou no Pai e o Pai está em mim? As palavras que vos digo, não as digo de mim mesmo, mas o Pai, que está em mim, é que faz as obras. Não credes que estou no Pai e que o Pai está em mim? Crede ao menos por causa das mesmas obras. Em verdade, em verdade vos digo que aquele que crê em mim, fará também as obras que faço e fará outras ainda maiores; porque vou para o Pai. E tudo o que pedirdes ao Pai em meu nome, eu vo-lo farei, para que o Pai seja glorificado no Filho.

         Se me amais, guardais os meus mandamentos. E rogai ao Pai e Ele vos dará outro Consolador, para que fique eternamente convosco, o Espírito da verdade, a quem o mundo não pode receber, porque não o vê, nem o conhece; mas vos deixarei órfãos; virei a vós. Resta ainda um pouco, depois já o mundo não me verá; mas ver-me-eis vós, porque eu vivo e vós vivereis. Naquele dia conhecereis que estou em meu Pai e vós em mim e eu em vós. Aquele que tem os meus mandamentos e que os guarda, esse é o que me ama. E aquele que me ama, será amado de meu Pai e eu o amarei também e me manifestarei a ele”.

         Disse-lhe Judas, não o Iscariotes: “Senhores, donde procede que te hás de manifestar a nós e não ao mundo?” Respondeu-lhes Jesus: “Se alguém me ama, guardará a Minha palavra e meu Pai o amará e viremos a ele e faremos nele morada. O que não me ama, não guarda as minhas palavras. E a palavra que tendes ouvido, não é minha, mas, sim, do Pai que me enviou. Eu vos disse estas coisas, permanecendo convosco; mas o Consolador, que é o Espírito Santo, a quem o Pai enviará em meu nome, vos ensinará todas as coisas e vos fará lembrar tudo o que vos tenho dito. A paz vos deixo, a minha paz vos dou; eu não vo-la dou  como a dá o mundo. Não se turbe o vosso coração, nem fique sobressaltado. Já tendes ouvido que eu vos disse: Eu vou e venho a vós. Se me amardes, certamente haveis de alegrar-vos, que vou para junto do Pai, é maior do que Eu. Eu vo-lo disse agora, antes que suceda, para que, quando suceder, o creiais. Já não falarei muito convosco, porque vem o príncipe deste mundo e ele não tem em mim coisa alguma. Mas, para que o mundo conheça que amo o Pai e que faço como me ordena. Levantai-vos, vamo-nos daqui.

         Eu sou a verdadeira videira e meu Pai é o agricultor. Todo ramo que não der fruto em mim, Ele o cortará e todos os que derem fruto, limpá-los-á, para que o dêem mais abundante. Vós já estais puros, em virtude da palavra que eu vos disse. Permanecei em mim e eu permanecerei em vós. Como o ramo da videira não pode de si mesmo dar fruto, se não permanecer na videira, assim nem vós podereis dar, se não permanecerdes em mim. Eu sou a videira, vós sois os ramos; o que permanece em mim e em quem eu permaneço, dá muito fruto; porque vós sem mim não podeis fazer nada. Se alguém não permanecer em mim, será lançado fora com o ramo e secará e enfeixá-lo-ão e lançá-lo-ão ao fogo e ali arderá.
Se permanecerdes em mim e as minhas palavras permanecerem em vós, pedireis tudo o que quiserdes e ser-vos-á feito. Nisso é glorificado meu Pai, em que vós deis muito fruto e em que sejais meus discípulos. Como meu Pai me amou assim vos amei. Permanecei no meu amor. Se guardardes os meus preceitos, permanecereis no meu amor, assim como também eu guardei os preceitos de meu Pai e permaneço no seu amor. Disse-vos estas coisas, para que o minha alegria esteja em vós e que a vossa alegria seja completa. O meu preceito é este: que vos ameis uns aos outros, como eu vos amei. Ninguém tem maior amor do que este de dar a própria vida pelos amigos. Vós sereis meus amigos, se fizerdes o que vos mando. Já vos não chamarei servos; porque o servo não sabe o que faz o seu senhor. Mas chamei-vos amigos, porque vos revelei tudo quanto ouvi de meu Pai. Não fostes vós que me escolhestes a mim, mas fui eu que vos escolhi a vos constitui, para que vades e deis fruto e para que o vosso fruto permaneça, para que tudo quanto pedirdes a meu Pai, em meu nome, Ele vo-lo conceda. O que eu vos mando, é que vos ameis uns aos outros. Se o mundo vos odeia, sabei que primeiro do que a vós, me odiou a mim. Se fôsseis do mundo, o mundo vos amaria como sendo seus; mas porque não sois do mundo, mas do mundo que vos escolhi, por isso é que o mundo vos odeia.

         Lembrai-vos da minha palavra que eu vos disse: Não é o servo maior do que o seu senhor. Se me perseguiram a mim, também vos hão de perseguir a vós. Se guardaram a minha palavra, também vos hão de perseguir a vós. Se guardaram a minha palavra, também hão de guardar a vossa. Mas vos farão tudo isto por causa de meu nome, porque não conhecem aquele que me enviou. Se eu não viesse e não lhe tivesse falado, não teriam pecado; mas agora não há desculpa para o seu pecado. Aquele que me odeia, odeia também a meu Pai. Se eu não tivesse feito entre eles tais obras, como nenhum outro fez, não haveria da parte deles pecado; mas agora não somente as viram, mas ainda me odiaram, tanto a mim como a meu Pai. Mas é para se cumprir a palavra que está escrita na lei (Sal. 34,19; 68,5): “Eles me odiaram sem motivo”. Quando, porém, vier o Consolador, o Espírito da verdade, que procede do Pai, que eu vos enviarei da parte do Pai, Ele dará testemunho de mim; e também vós dareis testemunho, porque estais comigo desde o princípio.

         Eu vos disse estas coisas, para que não vos escandalizeis. Eles vos lançarão fora das sinagogas e está a chegar o tempo em que todo o que vos matar, julgará que nisso faz serviço a Deus. E assim vos tratarão, porque não conhecem o Pai, nem a mim. Ora, eu vos disse estas coisas, para que, quando chegar esse tempo, vos lembreis de que eu vo-las disse. Não vo-las disse, porém, desde o princípio, porque estava convosco. E agora vou para aquele que me enviou; e nenhum de vós pergunta: Para onde vais? Antes, porque eu vos disse estas coisas, se apoderou do vosso coração a tristeza. Mas eu vos digo a verdade; a vós vos convém que eu vá porque, se eu não for não virá a vós o Consolador; mas, se eu for, vo-Lo enviarei. E Ele, quando vier, convencerá o mundo do pecado, da justiça e do juízo. Sim, do pecado, porque não creram em mim. E da justiça, porque vou para o Pai e não me vereis mais. E do juízo, enfim, porque o príncipe deste mundo já está julgado e condenado. Tenho ainda muitas coisas a vos dizer, mas não as podeis suportar agora. Quando vier, porém, o Espírito da verdade, ele vos ensinará todas as verdades, porque não falará de si mesmo, mas dirá tudo que tiver ouvido e anunciar-vos-á as coisas que estão para vir. Ele me glorificará, porque há de receber do que é meu e vo-lo há de anunciar. Um pouco e já me não vereis; e outra vez um pouco e verme-eis; porque vou para o Pai.

         Disseram então alguns discípulos uns para os outros. “Que vem a ser isto que Ele nos diz: “Um pouco e já me não vereis e outra vez um pouco e ver-me-eis, porque vou para o Pai”? E diziam: “Que vem a ser isto, que Ele nos diz: um pouco... Não sabemos o que quer dizer”. E entendeu Jesus que lho queriam perguntar e disse-lhes: “Vós perguntais uns aos outros o que é que vos quis significar, quando disse: Um pouco e já me não vereis e outra vez um pouco e ver-me-eis. Em verdade, em verdade vos digo que haveis de chorar e gemer e que o mundo se há de alegrar e que haveis de estar tristes, mas que a vossa tristeza se há de converter em gozo. Quando uma mulher dá à luz, está em tristeza, porque é chegada a sua hora; mas, depois que lhe nasceu um filho, já se não lembra do aperto, pelo gozo que tem, de haver nascido ao mundo um homem. Assim também vós outros sem dúvida estais agora tristes, mas hei de ver-vos de novo e o vosso coração ficará cheio de alegria e esta ninguém vo-la tirará.

         E naquele dia nada mais me perguntareis. Em verdade, em verdade vos digo: se pedirdes ao meu Pai alguma coisa em meu nome, ele vo-la há de dar. Até agora não pedistes nada em meu nome. Pedi e recebereis, para que a vossa alegria seja completa. Tenho vos dito estas coisas debaixo de parábolas. Está chegando o tempo, em que já não vos hei de falar por parábolas, mas abertamente vos falarei do Pai. Naquele dia pedireis em meu nome e não vos digo que hei de rogar ao Pai por vós. Porque o mesmo Pai vos ama, porque vós me amastes e, crestes que saí de Deus. Eu saí do Pai e vim ao mundo; outra vez deixo o mundo e torno para o Pai”. Disseram-lhe os discípulos: “Eis que agora nos falava abertamente e não usas de parábola  alguma; agora conhecemos que sabeis tudo e que não é necessário fazer-te perguntas; nisto, cremos que saíste de Deus.”Respondeu-lhes Jesus: “Credes agora? Eis que aí vem e já e chegada a hora em que sejais espalhados, cada um para seu lado e que me deixeis só; mas não estou só, porque o Pai está comigo. Tenho vos dito estas coisas, para que tenhais paz em mim. Haveis de ter aflições no mundo; mas tende confiança, eu venci o mundo”.

         Assim falou Jesus e, levantando os olhos ao céu, disse: - “Pai, é chegada a hora, glorifica a teu Filho, para que teu Filho te glorifique a ti; assim como tu lhe deste poder sobre todos os homens, afim de que Ele dê a vida eterna a todos que lhe deste. A vida eterna, porém, consiste em que conheçam por um só verdadeiro Deus a ti e a Jesus Cristo, que enviaste. Glorifiquei-te sobre a terra; acabei a obra de que me encarregaste. Tu, pois, agora, Pai, me glorifica a mim em ti mesmo, com aquela gloria que tive em ti, antes que houvesse mundo. Manifestei o teu nome aos homens que me deste do mundo. Eles eram teus e mos deste e eles guardaram a tua palavra. A gora conheceram eles que todas as coisas que me deste, vêm de ti. Porque lhes dei as palavras que me deste; e eles ao receberam e conheceram verdadeiramente que saí de ti e creram que me enviaste. Por eles é que rogo; não rogo pelo mundo, mas por aqueles que me deste, porque são teus e todas as minhas coisas são tuas e todas as tuas coisas são minhas; e neles sou glorificado. E não estou mais no mundo, mas eles estão no mundo e eu vou para junto de ti.
Pai santo, guarda em teu nome aqueles que me deste, para que sejam um, assim como também nós. Quando eu estava com eles, guardava-os em teu nome. Conservei os que me deste e nenhum destes se perdeu, mas somente o que era filho da perdição, para se cumprir a Escritura. Mas agora vou para junto de ti e digo estas coisas, estando ainda no mundo, para que eles tenham em si mesmos a plenitude da minha alegria. Dei-lhes a tua palavra mas o mundo os odeia, porque não são do mundo, como também eu não sou do mundo. Não peço que os tires do mundo, mas, sim, que os guardes do mal.
Eles não são do mundo, como eu também não sou do mundo. Santifica-os na verdade. A tua palavra é a verdade. Assim como me enviaste ao mundo, também eu os enviei ao mundo. E santifico-me a mim por eles, para que também sejam santificados pela verdade. E não rogo somente por eles, mas rogo também por aqueles que hão de crer em mim por meio das palavras; para que sejam todos um, como tu, Pai, o és em mim e eu em ti, para que também eles sejam um em nós e creia o mundo que enviaste. Dei-lhes a glória que me havias dado, para que sejam um, como nós também como um. Eu estou neles e tu estás em mim, para que eles sejam consumados na unidade e para que o mundo conheça que me enviaste e que os amaste como amaste também a mim.
Pai, a minha vontade é que, onde eu estiver, estejam também comigo aqueles que me deste, para verem a minha glória, que me deste; porque me amaste antes da criação do mundo. Pai justo, o mundo não te conheceu, mas eu te conheci e estes conheceram que me enviaste. E eu lhes fiz conhecer o teu nome e lho farei ainda conhecer, afim de que o mesmo amor com que me amaste, esteja neles e eu neles.


 21:00 hs. JESUS REZA NO HORTO DAS OLIVEIRAS.


...O SENHOR fazia recair sobre ele o castigo das faltas de todos nós. (Is 53, 6)

JESUS VAI PARA O MONTE DAS OLIVEIRAS

Foram em seguida para o lugar chamado Getsêmani (Mc 14, 32)
Depois dessas palavras, Jesus saiu com os seus discípulos para além da torrente de Cedron, onde havia um jardim, no qual entrou com os seus discípulos. (Jo 18, 1)

            JESUS OUTRA VEZ PREDIZ SUA PAIXÃO

Porque está escrito: Ferirei o pastor, e as ovelhas do rebanho serão dispersadas(Zc 13,7). Mas, depois da minha Ressurreição, eu vos precederei na Galiléia. (Mt 26, 31-32)

            AS PROMESSAS VÃS DOS DISCÍPULOS

Ainda que todos se escandalizem de ti, eu, porém, nunca! (Mc 14, 29-31)
Pedro interveio: Mesmo que sejas para todos uma ocasião de queda, para mim jamais o serás. Disse-lhe Jesus: Em verdade te digo: nesta noite mesma, antes que o galo cante, três vezes me negarás. Respondeu-lhe Pedro: Mesmo que seja necessário morrer contigo, jamais te negarei! E todos os outros discípulos diziam-lhe o mesmo.(Mt 26, 33-35)

            JESUS NO GETSÊMANI

Senhor, meu Deus, de dia clamo a vós, e de noite vos dirijo o meu lamento. Chegue até vós a minha prece, inclinai vossos ouvidos à minha súplica. Minha alma está saturada de males, e próxima da região dos mortos a minha vida... (Sal 87, 2-4)
Minha alma está triste até a morte. Ficai aqui e vigiai comigo. (Mt 26, 36-38)
Orai para que não caiais em tentação. (Lc 22, 40)
Retirou-se Jesus com eles para um lugar chamado Getsêmani e disse-lhes: Assentai-vos aqui, enquanto eu vou ali orar. E, tomando consigo Pedro e os dois filhos de Zebedeu, começou a entristecer-se e a angustiar-se. Disse-lhes, então: Minha alma está triste até a morte. Ficai aqui e vigiai comigo. (Mt 26, 36-38)

Pai Nosso..., Ave Maria..., Glória ao Pai...
Pela sua dolorosa Paixão; tende Misericórdia de nós e do mundo inteiro.
Meu Jesus, perdão e Misericórdia, pelos méritos de Vossas santas Chagas.


Segundo as Visões de Anna Catharina Emmerich:


Jesus, com os Apóstolos, a caminho do horto de Getsêmani

            Quando Jesus, depois da instituição do SS. Sacramento, saiu do Cenáculo com os onze Apóstolos, já tinha a alma oprimida de aflição e crescente tristeza. Conduziu os onze, por um desvio, ao vale de Josafá, dirigindo-se ao monte das Oliveiras.
Ao chegarem ao portão, vi a lua, ainda não inteiramente cheia, levantar-se por cima da montanha. Andando com os Apóstolos pelo vale, disse-lhes o Senhor que lá voltaria um dia, para julgar o mundo, mas não pobre e sem poder como hoje, e que então muitos, com grande medo, exclamariam: “Montes, cobri-nos”.

Os discípulos não O compreenderam, pensando, como muitas vezes nessa noite, que a fraqueza e o esgotamento os faziam delirar. Ora andavam, ora paravam, conversando com o Mestre. Disse-lhes também Jesus:
“Vós todos haveis de escandalizar-vos em mim esta noite”; pois está escrito:“Tirarei o pastor, e as ovelhas serão dispersas. – Mas, quando tiver ressuscitado, preceder-vos-ei na Galiléia”. 

         Os Apóstolos estavam ainda cheios de entusiasmo e amor, pela recepção do SS. Sacramento e pelas palavras solenes e afetuosas de Jesus. Comprimiam-se-Lhe em torno, exprimindo-Lhe de vários modos o seu amor e protestando que não O abandonariam nunca. Mas, como Jesus continuasse a falar no mesmo sentido, disse-lhe Pedro:
            “E, se todos se escandalizarem por vossa causa, eu nunca me escandalizarei”.        
Respondeu-lhe o Senhor:
“Em verdade te digo, tu mesmo três vezes me negarás esta noite, antes do galo cantar”.
Pedro, porém, não quis conformar-se de modo algum e disse:
“Mesmo que tivesse de morrer convosco, não vos havia de negar”.
Assim falaram também todos os outros. Continuavam andando e parando alternadamente e a tristeza de Jesus aumentava cada vez mais. Queriam os Apóstolos consolá-Lo de modo inteiramente humano, assegurando-lhe que não aconteceria tal. Nesses vãos esforços se cansaram, começaram a duvidar e veio-lhes a tentação.

         Atravessaram a torrente Cedron, não pela ponte, sobre a qual Jesus foi depois conduzido preso, mas por outra, porque tinham tomado um desvio.
Getsêmani, situado no monte das Oliveiras, para onde se dirigiram, fica a meia hora certa do Cenáculo, pois do Cenáculo À porta que dá para o vale de Josafá, se leva um quarto de hora e dali ao Getsêmani outro tanto.
Este lugar, no qual Jesus ensinou algumas vezes aos discípulos, passando ali a noite com eles nos últimos dias, consta de algumas casas de pousada, abertas e desocupadas e de um largo jardim, cercado de sebe, no qual há somente plantas ornamentais e árvores frutíferas.

Os Apóstolos e diversas outras pessoas tinham a chave deste jardim, que era um lugar de recreio e de oração. Gente que não tinha jardim próprio fazia às vezes festas e banquetes ali. Havia também vários caramanchões de folhagem espessa, num dos quais ficaram naquele dia oito Apóstolos e alguns outros discípulos, que se lhes juntaram mais tarde.
O horto das Oliveiras é separado do Jardim de Getsêmani por um caminho e estende-se mais para o alto do monte. É aberto, cercado apenas de um aterro e menor do que Getsêmani, um canto cheio de grutas e recantos, em que por toda a parte se vêem oliveiras. Um lado era mais bem tratado; havia nele assentos, bancos de relva bem cuidados e grutas espaçosas e sombrias. Quem quisesse, podia ali facilmente achar um lugar próprio para a oração e meditaçãoEra à parte mais sem cuidados que Jesus ia rezar.
        

Jesus atribulado pelos horrores do pecado.

         Eram quase 9 horas da noite, quando Jesus chegou, com os discípulos, a Getsêmani. Ainda reinava a escuridão na terra, mas no céu a lua já espargia a luz prateada. Jesus estava muito triste e anunciou-lhes a aproximação do perigo. Os discípulos assustaram-se e Ele disse a oito dos companheiros que ficassem no Jardim de Getsêmani, num lugar onde havia um caramanchão.

“Ficai aqui, disse, enquanto vou ao meu lugar rezar”.
Tomando consigo Pedro, João e Tiago o Maior, subiu mais para o alto e, cruzando um caminho, avançara, numa distância de alguns minutos, do horto das Oliveiras ao pé do monte.
Ele estava numa indizível tristeza; pressentia a tribulação e tentação, que se aproximavam. João perguntou-lhe como podia agora estar tão abatido, quando sempre os tinha consolado. Então Jesus disse:
“Minha alma está triste até a morte” e, olhando em redor de si, viu de todos os lados se aproximarem angústias e tentações, como nuvens cheias de figuras assustadoras. Foi nessa ocasião que disse aos Apóstolos:
“Ficai aqui e vigiai comigo; orai, para não serdes surpreendidos pela tentação”.Eles ficaram então ali; Jesus, porém, adiantou-se ainda mais; mas as horrorosas visões assaltavam-no de tal modo, que, cheio de angustia, desceu um pouco à esquerda dos três Apóstolos, escondendo-se debaixo de um grande rochedo, numa gruta de talvez 7 pés de profundidade; os Apóstolos ficaram em cima desse rochedo, numa espécie da cavidade. O chão da gruta era suavemente inclinado e as plantas pendentes do rochedo, que sobressaía em frente, formavam uma cortina diante da entrada, de maneira que quem estivesse dentro da gruta, não podia ser visto de fora.

         Quando Jesus se afastou dos discípulos, vi em redor dele um largo círculo de imagens horríveis, o qual se apertava mais e mais. Cresceu-lhe a tristeza e a tribulação e retirou-se tremendo para dentro da gruta, semelhante ao homem que, fugindo de uma repentina tempestade, procura abrigo para rezar, vi, porém, que as imagens assustadoras o perseguiram lá dentro da gruta, tornando-se cada vez mais distintas.
A estreita caverna parecia encerrar o horrível espetáculo de todos os pecados cometidos, desde a primeira queda do homem, até ao fim dos séculos, como também todos os castigos. Foi ali, no monte das Oliveiras, que Adão e Eva, expulsos do Paraíso, pisaram primeiro a terra e foi nessa caverna que choraram e gemeram.

Tive a clara impressão de que Jesus, entregando-se às dores da Paixão, que ia começar e sacrificando-se à justiça divina, em satisfação de todos os pecados do mundo, de certo modo retirou a sua divindade para o seio da SS. Trindade; impelido por amor infinito, quis entregar-se à fúria de todos os sofrimentos e angústias, na sua humanidade puríssima e inocente, verdadeira e profundamente sensível, para expiação dos pecados do mundo, armado somente do amor do seu coração humano.
Querendo satisfazer pela raiz e por todas as excrescências do pecado e da má concupiscência, tomou o Misericordiosíssimo Jesus no coração a raiz de toda a explicação purificadora e de toda a dor santificante, por amor de nós, pecadores e, para satisfazer pelos pecados inumeráveis, deixou esse sofrimento infinito estender-se, como uma arvore de dores e penetrar-lhe com mil ramos todos os membros do corpo sagrado, todas as faculdades da alma santa.

Entregue assim inteiramente à sua humanidade, implorando a Deus com tristeza e angustia indizíveis, prostrou-se por terra. Viu em inumeráveis imagens todos os pecados do mundo, com toda a sua atrocidade, tomou todos sobre si e ofereceu-se na sua oração, para dar satisfação à justiça do Pai Celestial, pagando com os sofrimentos toda essa dívida da humanidade para com Deus.
Satanás, porém, que se movia no meio de todos os horrores, em figura terrível e com um riso furioso, enraivecia-se cada vez mais contra Jesus e, fazendo passar-lhes diante da alma visões sempre mais horrorosas, gritou diversas vezes à humanidade de Jesus: “Que? Tomarás também isto sobre ti? Sofrerás também o castigo por este crime? Como podes satisfazer por tudo isto?”

         Veio, porém, um estreito feixe de luz, da região onde o sol está entre as dez e onze horas, descendo sobre Jesus e nela vi surgir uma fileira de Anjos, que Lhe transmitiram força e ânimo.
A outra parte da gruta estava cheia de visões horrorosas dos nossos pecados e de maus espíritos, que O insultavam e agrediam; Jesus aceitou tudo; o seu Coração, o único que amava perfeitamente a Deus e aos homens, nesse deserto cheio de horrores, sentia com dilacerante tristeza e terror a atrocidade e o peso de todos esses pecados. Ai! vi tantas coisas ali! Nem um ano chegaria para contá-las!


Tentações da parte de Satanás.

        
Quando essa multidão de culpas e pecados acabou de passar diante da alma de Jesus, como um mar de horrores e após se haver ele oferecido, como sacrifício de explicação por tudo e chamado sobre si toda a onda de penas e castigos, suscitou-lhe Satanás inumeráveis tentações, como outrora no deserto; apresentou até numerosas acusações contra o puríssimo Salvador. “Que”! Disse ele, “Queres tomar tudo isto sobre ti e não és puro? Vê isto e aquilo e mais isto!” E então desenrolou, diante dos olhos imaculados da Divina Vítima, com impertinência infernal, uma multidão de acusações inventadas.
Acusou-O das faltas dos discípulos, dos escândalos que tinham dado, das perturbações que Ele trouxe ao mundo, renunciando aos costumes antigos. Satanás procedeu como o mais hábil e astuto fariseu. Acusou-O de ter sido a causa da matança dos inocentes por Herodes, dos perigos e sofrimentos de seus pais no Egito; acusou-O de não ter salvado da morte a João Batista, de ter desunido famílias, protegido pessoas de má fama, de não ter curado certos doentes, de ter causado prejuízo aos habitantes de Gergesa, porque permitiu aos possessos que entornassem a sua dorna de bebidas e porque causou a morte da manada de porcos no lago.

Imputou-Lhe as faltas de Maria Madalena, por não lhe ter impedido a recaída no pecado; acusou-O de ter abandonado a família e de ter dissipado o bem alheio; numa palavra, tudo de que Satanás podia ter acusado, na hora da morte, um homem comum, que tivesse feito tais ações externas, sem motivos sobrenaturais: tudo apresentou o tentador à alma abatida de Jesus, para amedrontá-la e desanimá-la; pois ignorava que Jesus era o Filho de Deus e tentou-O somente como ao mais justo dos homens.

Nosso Salvador deixou predominar a sua humanidade de tal modo, que quis sofrer também aquelas tentações, que assaltam mesmo os homens que têm uma morte santa, pondo em dúvida o valor interno das obras boas. Jesus permitiu, para esvaziar todo o cálice da agonia, que o tentador, ignorando-Lhe a divindade, Lhe apresentasse todas as suas obras de caridade como outras tantas dívidas, ainda não pagas, à graça divina.
O tentador censurou-O de querer expiar as culpas de outros, Ele, que não tinha méritos e que tinha ainda de satisfazer à justiça divina, pelas graças de tantas obras que considerava boas. A divindade de Jesus permitiu que o inimigo lhe tentasse a humanidade, como podia tentar um homem que quisesse atribuir ás suas obras um valor próprio, além daquele único que podem ter, da união com os méritos da morte redentora de nosso Senhor e Salvador.
O tentador apresentou-Lhe assim todas as suas obras de amor como atos privados de todo mérito, que antes O constituíam devedor de Deus, porque, segundo o acusador, o seu valor provinha antecipadamente, por assim dizer, dos méritos da Paixão, ainda não consumada e cujo valor infinito Satanás ainda não conhecia; portanto, não teria Jesus ainda satisfeito, na opinião do tentador, pelas graças recebidas para essas obras e disse, aludindo a estas: ”Ainda deves por esta obra e por aquela”.

Finalmente desenrolou mais um título de dívida diante de Jesus, afirmando que tinha recebido e gasto o preço da venda da propriedade de Maria Madalena em Magdalum; disse a Jesus: “Como ousaste desperdiçar o bem alheio, prejudicando assim aquela família?”
Vi a apresentação de tudo a cuja expiação Jesus se oferecera e senti com Ele todo o peso das numerosas acusações que o tentador levantou contra Ele; pois, entre os pecados do mundo que o Salvador tomou sobre si, vi também os meus inumeráveis pecados e do círculo das tentações veio também a mim, um como rio de acusações, nas quais se me patentearam todos os meus pecados de atos e omissões.

Eu, porém, olhava sempre para o meu Esposo celeste, durante essa apresentação dos pecados, gemendo e rezando com Ele e virava-me também com Ele para os Anjos consoladores. Ai! O Senhor torcia-se como um verme, sob o peso da dor e das angústias!
         Durante todas essas acusações de Satanás contra o puríssimo Salvador, somente com grande esforço consegui conter-me; mas, quando levantou a acusação da venda da propriedade de Madalena, não pude mais me conter e gritei-lhe: “Como podes chamar dívida o preço da venda dessa propriedade? Eu mesma vi o Senhor, com essa quantia, que lhe foi entregue por Lázaro, para obras de misericórdia, remir 27 pobres desamparados dos cárceres de Tirza”.

         A princípio estava Jesus de joelhos, rezando tranquilamente; mais tarde, porém, se lhe assustou a alma, à vista da atrocidade dos inumeráveis crimes e da ingratidão dos homens para com Deus; assaltaram-no angústia e dor tão veementes, que suplicou tremendo: “Meu Pai, se for possível, passe este cálice longe de mim. Meu Pai, tudo vos é possível: afastai este cálice de mim”. Depois sossegou e disse: “Não se faça, porém, a minha vontade, mas a vossa”. A sua vontade e a do Pai eram uma só; mas entregue à fragilidade da natureza humana, por amor, Jesus tremia à vista da morte.



 22:00 hs. JESUS ENTRA EM AGONIA E SUA SANGUE.

Mas ele foi castigado por nossos crimes, e esmagado por nossas iniqüidades; o castigo que nos salva pesou sobre ele; fomos curados graças às suas chagas. (Is 53, 5)

ORAÇÃO DE JESUS NO MONTE DAS OLIVEIRAS

Meu Pai, se é possível, afasta de mim este cálice! Todavia não se faça o que eu quero, mas sim o que tu queres. (Mt 26, 39) 
Nos dias de sua vida mortal, dirigiu preces e súplicas, entre clamores e lágrimas, àquele que o podia salvar da morte, e foi atendido pela sua piedade. Embora fosse Filho de Deus, aprendeu a obediência por meio dos sofrimentos que teve. (Hb 5, 5-7)


O ANJO CONSOLADOR

“O Anjo da Sua Face os salvou” (Is 63, 9)
Apareceu-lhe então um anjo do céu para confortá-lo. (Lc 22, 43)


O SUOR DE SANGUE

Ó terra, não cubras o meu sangue, e que seu grito não seja sufocado pela tumba.(Jó 16,18)
Ele entrou em agonia e orava ainda com mais instância, e seu suor tornou-se como gotas de sangue a escorrer pela terra. (Lc 22, 44)


OS DISCÍPULOS ESTÃO DORMINDO PELA PRIMEIRA VEZ

Olhei então, e não houve pessoa alguma para me ajudar: (Is 63, 5)
“Então não pudeste vigiar uma hora Comigo? (Mt 26, 40)
Em seguida, foi ter com seus discípulos e achou-os dormindo. Disse a Pedro: Simão, dormes? Não pudeste vigiar uma hora! Vigiai e orai, para que não entreis em tentação. Pois o espírito está pronto, mas a carne é fraca. (Mc 14,37-38)


JESUS REZA PELA SEGUNDA VEZ E ACHA OS DISCÍPULOS DORMINDO

Esperei em vão que ME consolasse e não encontrei... (Sal 68, 21)
Voltando achou-os de novo dormindo porque seus olhos estavam pesados e não sabiam o que responder (Mc 14,40)
Afastou-se pela segunda vez e orou, dizendo: Meu Pai, se não é possível que este cálice passe sem que eu o beba, faça-se a tua vontade! Voltou ainda e os encontrou novamente dormindo, porque seus olhos estavam pesados. (Mt. 26, 42-43)

Pai Nosso..., Ave Maria..., Glória ao Pai...
Pela sua dolorosa Paixão; tende Misericórdia de nós e do mundo inteiro.
Meu Jesus, perdão e Misericórdia, pelos méritos de Vossas santas Chagas.


Segundo as Visões de Anna Catharina Emmerich:

Jesus volta para junto dos três, Apóstolos.

         Vi a caverna rodeada de formas assustadoras; todos os pecados, toda a iniqüidade, todos os vícios, todos os tormentos, toda a ingratidão, que o angustiavam; vi os terrores da morte, o horror que sentia, como homem, diante do imenso sofrimento expiatório, assaltando-O e oprimindo-O, sob as formas de espectros hediondos.
       Ele caiu por terra, torcendo as mãos; cobria-O o suor da angústia; tremia e estremecia. Levantou-se, mas os joelhos trementes quase não O suportavam; estava inteiramente desfigurado e irreconhecível, os lábios pálidos, o cabelo eriçado.

       Eram cerca de dez horas e meia, quando se levantou e se arrastou para junto dos três Apóstolos, cambaleando, caindo a cada passo, banhado num suor frio. Subiu à esquerda da caverna, e, passando por cima desta, chegou a um aterro, onde os discípulos estavam adormecidos, encostados um ao outro, abatidos pela fadiga, tristeza, inquietação e tentação.
       Jesus aproximou-se-lhes, como um homem angustiado a quem o terror impele para junto dos amigos e como um bom pastor que, transtornado, profundamente, vai para junto do rebanho, que sabe, ameaçado de um perigo próximo; pois não ignorava que também eles se achavam em angústia e tentação. Vi as horrorosas visões cercarem-no também nesse curto caminho.

       Encontrando os Apóstolos a dormir, torceu as mãos e caiu por terra ao lado deles, cheio de tristeza e fraqueza, dizendo: “Simão, dormes?” Então acordaram e levantaram-se; e Ele disse, no seu desamparo: “Então não pudestes velar uma hora comigo?”. Quando o viram tão assustado e desfigurado, pálido, cambaleando, banhado de suor, tremendo e estremecendo, quando O ouviram queixar-se com voz quase extinta, não sabiam mais o que pensar; se não lhes tivesse aparecido cercado de luz que bem conheciam, não teriam reconhecido.
       Disse-lhe João: “Mestre, que tendes? Quereis que chame os outros Apóstolos? Devemos fugir?” Jesus, porém, respondeu: “Ainda que vivesse mais 33 anos, ensinando e curando enfermos, não chegaria ao que tenho de cumprir até amanhã. Não chames os oito; deixai-os ali, porque não poderiam ver-me nesta aflição, sem escandalizar-se; cairiam em tentação, esquecer-se-iam de muitas coisas e duvidariam de Mim. – Vós, porém, que vistes o Filho do homem transfigurado, podeis vê-lo também no seu desamparo; mas vigiai e orai para não cairdes em tentação. O espírito é pronto, mas a carne é fraca”.

       Disse-o, referindo-se a eles e a si mesmo. Quis induzi-los, com essas palavras, à presença e dar-lhes a saber a luta da sua natureza humana contra a morte e a causa daquela fraqueza. Falou-lhes ainda sobre outras coisas, sempre abismado naquela tristeza e ficou cerca de um quarto de hora com eles. Em angústia mais e mais crescente voltou à gruta; eles, porém, estenderam para Ele as mãos chorando e caíram uns nos braços dos outros, perguntando:“Que é isto? Que lhe aconteceu? Está tão desolado!” Começaram a rezar, com as cabeças cobertas, cheios de tristeza.
       Tudo que acabo de contar, deu-se em mais ou menos uma hora e meia, depois que entraram no horto das Oliveiras. É verdade que Jesus disse, segundo o Evangelho: “Não podeis velar uma hora comigo?” Mas não se o pode entender ao pé da letra, segundo o nosso modo de falar, os três Apóstolos, que vieram com Jesus, tinham rezado no começo; mas depois adormeceram; conversando entre si com pouca confiança, caíram em tentação. Os oito Apóstolos, porém, que ficaram na entrada do horto, não dormiram. A angústia que se mostrara nessa noite em todos os discursos de Jesus, tornou-os muito perturbados e inquietos; erravam pelas vizinhanças do monte das Oliveiras para procurar um lugar de refúgio, em caso de perigo.

       Em Jerusalém houve nessa noite pouco movimento; os judeus estavam nas suas casas, ocupados com os preparativos para a festa. Os acampamentos dos forasteiros que tinham vindo para a festa, não estavam nas vizinhanças do monte das Oliveiras.
       Enquanto eu ia e voltava nesses caminhos, vi discípulos e amigos de Jesus, andando e conversando; pareciam inquietos, à espera de qualquer desgraça. A Mãe do Senhor, com Madalena, Marta, Maria, mulher de Cléofas, Maria Salomé e Salomé, assustadas por boatos, foram com amigas para fora da cidade, a fim de ter notícias de Jesus.
       Ali as encontraram Lázaro, Nicodemos, José de Arimatéia e alguns parentes de Hebron e procuraram sossegá-las; pois, tendo eles mesmos conhecimento, pelos discípulos, dos tristes discursos feitos por Jesus no Cenáculo, foram pedir informações a alguns fariseus conhecidos e destes souberam que não constava nada sobre tentativas imediatas contra o Senhor.
       Disseram por isso às mulheres que o perigo não podia ser grande, que tão próximo da festa não poriam as mãos em Jesus. É que não sabiam da traição de Judas. Maria, porém, contou-lhes o estado perturbado deste nos últimos dias ao sair do Cenáculo e advertiu-os de que com certeza fora trair ao Senhor, apesar das repreensões, pois era filho da perdição. Depois voltaram as santas mulheres à casa de Maria, mãe de Marcos.
        

         Anjos mostram a Jesus a enormidade dos seus sofrimentos e consolam-nO.

       Voltando à gruta, com toda a tristeza que o acabrunhava, Jesus prostrou-se por terra, com os braços estendidos e rezou ao Pai Celeste. Mas passou-lhe na alma nova luta, que durou três quartos da hora. Anjos vieram apresentar-Lhe em grande número de visões, tudo o que devia aceitar de sofrimentos, para expiar o pecado.
       Mostraram-lhe a beleza do homem antes do primeiro pecado, como imagem de Deus e quanto o pecado o tinha rebaixado e desfigurado. Mostraram-lhe como o primeiro pecado fora a origem de todos os pecados, a significação e essência da concupiscência e seus terríveis efeitos sobre as faculdades da alma e do corpo do homem, como também a essência e a significação de todas as penas contrárias à concupiscência.

       Mostraram-lhe os seus sofrimentos expiatórios primeiramente como sofrimentos de corpo e alma, suficientes para cumprir todas as penas impostas pela justiça divina à humanidade inteira, por toda a má concupiscência; e depois como sofrimento, que, para dar verdadeira satisfação, castigou os pecados de todos os homens na única natureza humana que era inocente: na humanidade do Filho de Deus, O qual, para tomar sobre si, por amor, a culpa e o castigo da humanidade inteira, devia também combater e vencer a repugnância humana contra o sofrimento e a morte.
       Tudo isto lhe mostraram os Anjos, ora em coros inteiros, com séries de imagens, ora separados, com as imagens principais; vi as figuras dos Anjos mostrando com o dedo elevado às imagens e percebi o que disseram, mas sem lhes ouvir as vozes.

       Não há língua que possa descrever o horror e a dor que invadiram a alma de Jesus, ao ver esta terrível expiação; pois não viu somente a significação das penas expiatórias contrárias à concupiscência pecaminosa, mas também a significação de todos os instrumentos do martírio, de modo que O horrorizou, não só a dor causada pelos instrumentos, mas também o furor pecaminoso daqueles que o inventaram, a malícia dos que os usavam e a impaciência daqueles que com eles tinham sido atormentados, pois pensavam sobre Ele todos os pecados do mundo.O horror desta visão foi tal, que lhe saiu do corpo um suor de sangue.
       Enquanto a humanidade de Jesus sofria e tremia, sob esta terrível multidão de sofrimentos, notei um movimento de compaixão nos Anjos; houve uma pequena pausa: parecia-me que desejavam ardentemente consolá-lo e que apresentavam as súplicas diante do trono de Deus. Era como se houvesse uma luta instantânea entre a misericórdia e a justiça de Deus e o amor que se estava sacrificando.

       Foi-me mostrada uma imagem de Deus, não como em outras ocasiões, num trono, mas numa forma luminosa menos determinada; vi a pessoa do Filho retirar-se na pessoa do Pai, como que lhe entrando no peito; a pessoa do Espírito Santo saindo do Pai e do Filho e estando entre Eles; e todos eram um só Deus. Quem poderá descrever exatamente uma tal visão?
       Não tive tanto uma visão com figuras humanas, como uma percepção interna, na qual me foi mostrado, por imagem, que a vontade divina de Jesus Cristo se retirava mais para o Pai, para deixar pesar sobre a sua humanidade todos os sofrimentos, que esta pedia ao Pai que afastasse; de modo que a vontade divina de Jesus, unida ao Pai, impunha à sua humanidade todos os sofrimentos que a vontade humana, pelas súplicas, queria afastar.
       Vi-O no momento da compaixão dos Anjos, quando estes desejavam consolar Jesus que, com efeito, teve neste instante um certo alívio. Depois desapareceu tudo e os Anjos, com sua compaixão consoladora, abandonaram o Senhor, cuja alma entrou em novas angústias.
      
        
         Mais imagens de pecados que atormentam o Senhor.


       Quando o Redentor, no monte das Oliveiras, se entregou, como homem verdadeiro e real, ao horror humano, à dor e à morte, quando se incumbiu de vencer esta repugnância de sofrer, que faz parte de todo o sofrimento, foi permitido ao tentador que lhe fizesse tudo o que costuma fazer a todo homem que quer sacrificar-se por uma causa santa.
       Na primeira agonia Satanás mostrara a Nosso Senhor, com raivosa zombaria, a enormidade da culpa do pecado, que quisera tomar a si e levou a audácia ao ponto de afirmar que a vida do mesmo Redentor não era livre de pecados.
       Na segunda agonia viu Jesus a imensidade da Paixão expiatória, em toda a sua realidade e amargura. Esta apresentação foi feita pelos Anjos; pois não compete a Satanás mostrar a possibilidade da expiação, nem convém que o pai da mentira e do desespero mostre as obras da misericórdia divina.

       Tendo, porém, Jesus resistido a todas essas tentações, pelo abandono completo à vontade do Pai Celeste, foi-Lhe apresentada à alma uma nova série terrível de visões assustadoras; a dúvida e inquietação que no coração do homem precedem a todo o sacrifício, a pergunta amarga: Qual será o resultado, o proveito deste sacrifício? A visão de um futuro assustador atormentou-Lhe então o Coração amoroso.
       Deus mergulhou o primeiro homem, Adão, num profundo sono, abriu-lhe o lado, tomou-lhe uma das costelas, formou dela Eva, a mulher, a mãe de todos os vivos e apresentou-a a Adão. Então disse este: “Este é o osso dos meus ossos e a carne da minha carne; o homem deixará pai e mãe, para aderir à sua mulher e serão dois numa só carne”.

       Do matrimônio foi escrito: ”Este sacramento é grande, digo, porém, em Jesus Cristo e na Igreja”; Pois Jesus Cristo, o novo Adão, quis também se submeter a um sono, o sono da morte na Cruz; quis também deixar que lhe abrissem o lado, para que deste fosse feita a nova Eva, sua esposa imaculada, a Igreja, mãe de todos os vivos; quis dar-lhe o sangue da redenção, a água da purificação e o Espírito Santo: os três que dão testemunho na terra; quis dar-lhe os santos Sacramentos, para que fosse uma esposa pura, santa e imaculada; quis ser-lhe a cabeça e nós devíamos ser-lhe os membros, sujeitos à cabeça, devíamos ser os ossos dos seus ossos, carne da sua carne.
       Aceitando a natureza humana, para sofrer a morte por nós, tinha Jesus abandonado pai e mãe e unira-se a sua esposa, à Igreja; tornou-se uma carne com ela, alimentando-a com o santíssimo Sacramento do Altar, no qual se une a nós dia após dia; quis permanecer presente na terra com sua esposa, a Igreja, até nos unirmos todos a Ele no Céu e disse: “As portas do inferno não prevalecerão contra ela”. Para praticar esse incomensurável amor para com os pecadores, tornara-se homem e irmão dos pecadores, tomando sobre si a pena de toda a culpa.

       Tinha visto com grande tristeza a imensidade desta culpa e da paixão expiatória e contudo entregara-se voluntariamente à vontade do Pai celeste, como vítima expiatória. Neste momento, porém, viu Jesus os sofrimentos, as perseguições, as feridas da futura Igreja, sua esposa, que estava para remir tão caro, com o seu próprio sangue: viu a ingratidão dos homens.

       Apresentaram-se-Lhe diante da alma todos os futuros sofrimentos dos Apóstolos, discípulos e amigos, a Igreja primitiva, tão pouco numerosa, depois também as heresias e cismas, que nasceram á medida que a Igreja crescia, repetindo a primeira queda do homem pelo orgulho e desobediência, pelas diversas formas de vaidade e falsa justiça.
       Viu a tibieza, a corrupção e malícia de um número infinito de cristãos, as mentiras e a esperteza enganadora dos mestres orgulhosos, os crimes sacrílegos de todos os sacerdotes viciosos e todas as horríveis conseqüências: A abominação e desolação do reino de Deus sobre a terra, neste santuário da humanidade ingrata, o qual estava: para fundar e remir com indizíveis sofrimentos, pelo preço de seu sangue e sua vida.
       Vi passar diante da alma do nosso pobre Jesus, em séries mensais de visões, os escândalos de todos os séculos, até o nosso tempo e mesmo até o fim do mundo, em todas as formas do erro doentio, da intriga orgulhosa, do fanatismo furioso, dos falsos profetas, da obstinação e malícia herética.

       Todos os apóstatas, os heresiarcas, os reformadores de aparência santa, os sedutores e os seduzidos insultavam e torturavam-na, como se não tivesse sofrido bastante, nem sido bem crucificado a seu ver e conforme o desejo orgulhoso e presunção vaidosa de cada um; rasgavam e partiam, disputando, a túnica sem costuras da Igrejacada um queria tê-Lo como Redentor de modo diferente do que se tinha mostrado no seu amor.
       Muitos O maltratavam, insultavam, negavam-nO. Viu inúmeros alçarem os ombros e sacudirem a cabeça, afastando-se dos braços que lhes estendia para salvá-los e precipitar-se no abismo, que os tragou.

       Viu um número infinito de outros, que não ousavam negá-lO em alta voz, mas que se afastavam, por desgosto das aflições da Igreja, como o levita que se afastou do pobre viajante que caíra nas mãos dos salteadores. Viu-os separar-se de sua esposa ferida, como filhos covardes e infiéis abandonam as mães de noite, quando a casa é assaltada por ladrões e assassinos, aos quais por descuido abriram a porta.

       Viu-os seguirem os despojos levados ao deserto, os vasos de ouro e os colares quebrados. Viu-os separados da videira verdadeira, pousarem sob as videiras silvestres; viu-os como ovelhas extraviadas, abandonadas aos lobos, conduzidas a mau pasto por mercenários e não querendo entrar no aprisco do bom Pastor, que deu a vida por suas ovelhas.
       Viu-os errarem, sem pátria, no deserto, não querendo ver a sua cidade, colocado sobre o monte e que não pode ficar escondida. Viu-os em discórdia, agitados pelo vento para lá e para cá, nas areias do deserto, mas sem querer ver a casa de sua esposa, a Igreja fundada sobre a pedra, com a qual prometeu ficar até o fim do mundo e contra a qual as portas do inferno não prevalecerão.

       Não queriam entrar pela porta estreita, para não baixar a cabeça. Viu-os seguir a outros, que não entraram no aprisco pela porta verdadeira. Construíram, sobre a areia, cabanas mudáveis e diferentes umas das outras, que não tinham nem altar nem sacrifício, porém cata-ventos nos tetos e suas doutrinas mudavam-nas com os ventos; contradiziam-se uns aos outros, não se entendiam, nem tinham estadia permanente.
       Viu-os destruírem muitas vezes as cabanas, lançado os destroços contra a pedra angular da Igreja, que ficou inabalável. Viu muitos que, apesar da escuridão nas suas moradas, não queriam aproximar-se da luz, posta no candelabro, na casa da esposa, mas erravam, com os olhos cerrados, em redor do jardim cercado da Igreja, de cujos perfumes ainda viviam. Estendiam as mãos a imagens nebulosas e seguiam astros errantes, que os conduziam a poços sem água e mesmo na margem das fossas, não davam ouvido à voz do Esposo que os chamava e esfomeados riam-se ainda, com orgulho arrogante, dos servos mensageiros, que os convidavam para o banquete nupcial. Não queriam entrar no jardim, por temerem os espinhos da cerca - viva.

       Viu-os o Senhor, inebriados de amor próprio, morrer de fome, por não ter trigo e de sede, por não ter vinho; cegos pela sua própria luz, chamavam de invisível a Igreja do Verbo encarnado. Jesus viu-os todos com tristeza; quis sofrer por todos que não queriam segui-lo,carregando a cruz da Igreja, sua esposa, à, qual se deu no SS. Sacramento, na sua cidade colocada no cimo do monte, que não pode ficar escondida, na sua Igreja, fundada sobre a pedra e contra a qual as portas do inferno não prevalecerão.
       Todas estas inumeráveis visões da ingratidão dos homens, do abuso feito da morte expiatória de meu Esposo Celeste, vi-as passar diante da alma contristada do Senhor, ora variando, ora em dolorosa repetição; vi Satanás, em diversas figuras assustadoras, arrancando e estrangulando, diante dos olhos de Jesus, os homens remidos pelo seu sangue e até mesmo homens ungidos com o seu santo Sacramento.
       O Salvador viu com grande amargura toda a ingratidão, toda a corrupção, tanto dos primeiros cristãos, como dos que se lhe seguiram, dos presentes e dos futuros. Entre estas aparições dizia o tentador continuamente à humanidade do Cristo: “Eis aí, por tal ingratidão queres sofrer?” Estas imagens passaram, em contínua repetição diante do Senhor e com tanta impetuosidade, com tanto horror e escárnio pesaram sobre Jesus, que angústia, indizível lhe oprimia a natureza humana.
      
       Jesus Cristo, o Filho do Homem, estendia e torcia as mãos, caindo como que oprimido e pôs-se de novo de joelhos. A vontade humana do Redentor travava uma luta terrível contra a repugnância de sofrer tanto por uma raça tão ingrata, que o sangue lhe saiu do corpo, em grossas gotas de suor e correu em torrentes sobre a terra. Naquela aflição olhou em redor de si como para pedir socorro e parecia chamar o céu, a terra e os astros do firmamento pro testemunhas de seu sofrimento. Parecia-me ouvi-lo exclamar: “É possível suportar tal ingratidão? Sois testemunhas do que sofro”.
       Então foi como se a lua e as estrelas se aproximassem num instante; senti nesse momento que se tornava mais claro. Observei então a lua, o que antes não fizera, e pareceu-me de todo diferente: ainda não era toda cheia e parecia maior do que em nossa terra. No meio vi uma mancha escura, semelhante a um disco posto diante dela e no meio havia uma abertura, pela qual brilhava a luz para o lado onde a lua ainda não estava cheia. A mancha escura era como um monte e em redor da lua havia ainda um círculo luminoso, como um arco-íris.

       Jesus, na sua aflição, levantou a voz por alguns momentos, em alto pranto. Vi os Apóstolos levantarem-se assustados, com as mãos postas erguidas, escutarem e querendo correr para junto do Mestre. Mas Pedro reteve a João e Tiago, dizendo: “Ficai, eu vou lá”. Vi-o correr e entrar na gruta. “Mestre, disse ele, que tendes”?, e parou, tremendo, ao vê-lo todo ensangüentado e angustiado. Jesus, porém, não lhe respondeu e pareceu não lhe notar a presença. Então voltou Pedro para junto dos outros dois e suspirava. Por isso lhes aumentou ainda a tristeza; sentaram-se velando as cabeças e rezaram entre lágrimas.
       Eu, porém, voltei a meu Esposo Celeste, em sua dolorosa agonia. As imagens hediondas da ingratidão e dos abusos dos homens futuros, cuja culpa tomara sobre si, a cuja pena se entregara, arremessaram-se contra Ele, cada vez mais terríveis e impetuosas. De novo lutou contra a repugnância da natureza humana de sofrer; diversas vezes o ouvi exclamar: “Meu Pai, é possível sofrer por todos estes? Pai, se este cálice não pode ser afastado de mim, seja feita a vossa vontade”.

       No meio de todas estas visões de pecados contra a divina misericórdia, vi Satanás em diversas formas hediondas, conforme a espécie dos pecados. Ora aparecia como homem alto e negro, ora sob a figura de tigre, ora como raposa ou lobo, como dragão ou serpente; não eram, porém, as figuras naturais desses animais, mas apenas as feições salientes da respectiva natureza, misturadas com outras formas horríveis.
       Não havia nada ali que representasse figura completa de uma criatura, eram somente símbolos de decadência, de abominação, de horror, da contradição e do pecado: símbolos do demônio. Essas figuras diabólicas empurravam, arrastavam, despedaçavam, e estrangulavam, à vista de Jesus, inumeráveis multidões de homens, por cujo resgate, das garras de Satanás, o Salvador entrara no doloroso caminho da Cruz. No principio não vi tão freqüentemente a serpente, mas no fim a vi gigantesca, com uma coroa na cabeça, arremessar-se com força terrível contra Jesus e com ela, de todos os lados, exércitos de todas as gerações e classes.
       Armados de todos os meios de destruição, instrumentos de martírio e armas, lutavam ora uns contra os outros, ora com terrível raiva contra Jesus. Era um espetáculo horrível. Carregavam-nO de insultos, maldições e imundícies, cuspiam-Lhe, batiam-Lhe, traspassavam-nO. As suas armas, espadas e lanças, iam e vinham, como os manguais dos debulhadores numa imensa eria; todos desencadeavam a sua fúria sobre o grão de trigo celeste, caído na terra para nela morrer e depois alimentar eternamente todos os homens com o pão da vida, com fruto imensurável.

       Vi Jesus no meio destas coortes furiosas, entre as quais me parecia haver muitos cegos; estava tão alterado, como se realmente sentisse os golpes dos agressores. Vi-O cambalear de um lado para o outro; ora caia, ora de novo se levantava. Vi a serpente no meio de todos esses exércitos, instigando-os continuamente; batia ora aqui, ora ali, com a cauda, estrangulando, despedaçando e devorando todos que com ela derrubava.
       Tive a explicação de que a multidão dos exércitos que lutavam contra Nosso Senhor, era o número imenso daqueles que maltrataram de muitíssimos modos a Jesus Cristo, seu Redentor, real e substancialmente presente no Santíssimo Sacramento, com divindade e humanidade, com corpo e alma, com carne e sangue, debaixo das espécies de pão e vinho.

       Avistei entre esses inimigos de Jesus todas as espécies de profanadores do SS. Sacramentopenhor vivo de sua continua presença pessoa na Igreja Católica. Vi com horror todos esses ultrajes, desde o descuido, irreverência, abandono, até o desprezo, abuso e sacrilégios os mais horrorosos, o culto dos ídolos deste mundo, orgulho e falsa ciência e por outro lado, heresia e descrença, fanatismo, ódio e sangrenta perseguição.
       Vi entre esses inimigos de Jesus todas as espécies de homens: até cegos e aleijados, surdos e mudos e mesmo crianças; cegos, que não queriam ver a verdade; coxos, que por preguiça não queriam segui-lO; surdos, que não queriam ouvir-Lhe as exortações e advertências; mudos, que não queriam lutar por Ele nem com a palavra; crianças, desviadas na companhia dos pais e mestres mundanos e esquecidos de Deus, nutridos pela concupiscência, ébrias de ciência falsa, sem gosto das coisas divinas ou já perdidas por falta delas, para sempre.

       Entre as crianças, cujo aspecto me afligiu particularmente, porque Jesus amava tanto as crianças, vi também muitos meninos ajudantes da Santa Missa, pouco instruídos, mal educados e desrespeitosos, que nem respeitavam a Jesus Cristo na mais santa cerimônia. Em parte eram culpados os mestres e os reitores das Igrejas.
       Vi com espanto que também muitos sacerdotes, de todas as hierarquias contribuíam para o desrespeito de Jesus no SS. Sacramento, até alguns que se tinham por crentes e piedosos. Quero mencionar, entre estes infelizes, apenas uma classe: vi ali muitos que acreditavam, adoravam e ensinavam a presença de Deus vivo no SS. Sacramento, mas na sua conduta não Lhe manifestavam fé e respeito: pois descuidavam-se do palácio, do trono, da tenda, da residência, dos ornamentos do Rei do Céu e da Terra, isto é, não cuidavam da Igreja, do altar, do tabernáculo, do cálice, do ostensório de Deus vivo e dos vasos, utensílios, ornamentos, vestes para uso e enfeite da casa do Senhor.

       Tudo estava abandonado e se desfazia em poeira, mofo e imundície de muitos anos; o culto divino era celebrado com pressa e descuido e se não profanado internamente, pelo menos degradado exteriormente. Tudo isso, porém, não era conseqüência de verdadeira pobreza, mas de indiferença, preguiça, negligencia, preocupação com interesses vãos deste mundo, muitas vezes também de egoísmo e morte espiritual, pois vi tal descuido também em Igrejas ricas e abastadas; vi muitos até, nas quais o luxo mundano e inconveniente e sem gosto substituíra os magníficos e veneráveis monumentos de uma época mais piedosa, para esconder, sob aparências mentirosas e cobrir com um disfarce brilhante o descuido, a imundície, a desolação e o desperdício.
       O que faziam os ricos, por vaidosa ostentação, logo imitaram estupidamente os pobres, por falta de simplicidade. Não pude deixar de pensar nesta ocasião na Igreja do nosso pobre convento, cujo belo altar antigo, esculpido artisticamente em pedra, tinham também coberto com uma construção de madeira e pintura tosca, imitando mármore, o que sempre me fez muita pena.

       Todas essas ofensas feitas a Jesus no SS. Sacramento, vi-as aumentadas por numerosos reitores das Igrejas, que não tinham esse sentimento de justiça de repartir pelo menos o que possuíam com o Salvador, presente sobre o Altarque se entregou por eles à morte e se lhes deu todo inteiro no SS. Sacramento.
       Em verdade, mesmo os mais pobres estavam muitas vezes melhor instalados nas suas casas do que o Senhor nas Igrejas. Ai! como esta falta de hospitalidade entristecia Jesus, que se lhes tinha dado como alimento espiritual! Pois não é preciso ser rico para hospedar aquele que recompensa ao cêntuplo o copo de água oferecido a quem tem sede.
       Oh! Quanta sede tem ele de nós! Não terá acaso motivo de queixar-se de nós, se o copo estiver sujo e a água também? Por tais negligências vi os fracos escandalizados, o SS. Sacramento profanado, as Igrejas abandonadas, os sacerdotes desprezados e em pouco tempo passou essa negligência também às almas dos fiéis daquelas paróquias: não guardavam mais puro o tabernáculo do coração, para receber nele o Deus vivo, do que o tabernáculo dos altares.

       Para agradar e adular os príncipes e grandes deste mundo, para satisfazer-lhes os caprichos e desejos mundanos, vi tais administradores de Igrejas fazer todos os esforços e sacrifícios; mas o Rei do Céu e da Terra estava deitado, como o pobre Lázaro, diante da porta, desejando em vão as migalhas de caridade que ninguém lhe dava. Tinha apenas as chagas que nós lhe fizemos e que lhe lambiam os cães, isto é, os pecadores reincidentes, que, semelhantes a cães, vomitam e depois voltam para comer o vômito.
       Se falasse um ano inteiro, não podia contar todas as afrontas feitas a Jesus e que deste modo conheci. Vi os autores dessas afrontas agredirem a Nosso Senhor com diferentes armas, conforme a espécie de seus pecados.
       Vi clérigos irreverentes, de todos os séculos, sacerdotes levianos, em pecado, sacrílegos celebrando o Santo Sacrifício e distribuindo a sagrada Eucaristia; vi multidões de comungastes tíbios e indignos. Vi homens numerosos para os quais a fonte de toda a benção, o mistério de Deus vivo, se tornara uma palavra de maldição, fórmula de maldição; guerreiros furiosos e servidores do demônio, profanando os vasos sagrados e jogando fora as hóstias sagradas ou maltratando-as horrivelmente e até abusando do Sumo Bem, por uma hedionda e diabólica idolatria.

       Ao lado destes brutais e violentos, vi inúmeras outras impiedades, menos grosseiras, mas do mesmo modo abomináveis. Vi muitas pessoas, seduzidas por mau exemplo e ensino perfilo,perderem a fé na presença real de Jesus na Eucaristia e deixarem de adorar nela humildemente seu Salvador.
       Vi nestas multidões grande números de professores indignos, que se tornaram heresiarcas; lutavam a princípio uns contra os outros e depois se uniam, para atacar furiosamente a Jesus no SS. Sacramento, na sua igreja. Vi um grupo numeroso destes heresiarcas negar e insultar o sacerdócio da Igreja, contestar e negar a presença de Jesus Cristo neste mistério à Igreja e havê-lo esta guardado fielmente; pela sedução Lhe arrancaram do coração um número imenso de homens, pelos quais tinha derramado o seu sangue.

       Ai! Era um aspecto horrível: pois vi a Igreja como corpo de Jesus, que reunira, pela dolorosa Paixão, os membros separados e dispersos; vi todas aquelas comunidades e famílias e todos os seus descendentes, separados da Igreja, serem arrancados, como grandes pedaços de carne, do corpo vivo de Jesus, ferindo e despedaçando-O dolorosamente.
       Ai! Ele os seguia com olhares tão tristes, lastimando-lhes a perdição. Ele, que no SS. Sacramento se nos tinha dado como alimento, para unir ao corpo da Igreja, sua Esposa,os homens separados e dispersos, viu-se despedaçado e dividido nesse mesmo corpo de sua Esposa, pelos maus frutos da árvore da discórdia.
       A mesa da união no SS. Sacramento, suas mais sublime obra de amor, na qual quis ficar eternamente com os homens, tornara-se, pela malícia dos falsos doutores, fonte de separação. No lugar mais conveniente e salutar para união de muitos, na mesa sagrada, onde o próprio Deus vivo é o alimento das almas, deviam os seus filhos separar-se dos infiéis e hereges, para não se tornarem réus de pecado alheio.

       Vi que deste modo povos inteiros se Lhe arrancaram do coração, privando-se do tesouro de todas as graças, que Ele deixara à Igreja. Era horrível vê-los separarem-se, só poucos no princípio, mas esse se voltaram como povos grandes, em hostilidade uns contra os outros, por estarem separados no Santíssimo.
       Por fim vi todos que estavam separados da Igreja, embrutecidos e enfurecidos, em descrença, superstição, heresia, orgulho e falsa filosofia mundana, unidos em grandes exércitos, atacando e devastando a Igreja e no meio deles, a serpente, instigando e estrangulando-os. Ai! Era como se Jesus se visse e sentisse despedaçado em inúmeras fibras, das mais delicadas.

       O Senhor viu e sentiu nessas angústias toda a árvore venenosa do cisma, com todos os respectivos ramos e frutos, que continuam a dividir-se até o fim do mundo, quando o trigo será recolhido ao celeiro e a palha será lançada ao fogo.
       Esta horrorosa visão era tão terrível e hedionda, que meu Esposo celeste me apareceu e, colocando a mão misericordiosa sobre o meu peito, disse: “Ninguém viu isto ainda e o teu coração se despedaçaria de dor, se eu não o sustentasse”.
       Vi então o sangue rolando, em largas e escuras gotas, sobre o pálido semblante do Senhor; o seu cabelo, em geral liso e repartido no meio da cabeça, estava conglutinado com o sangue, eriçado e desgrenhado, a barba ensangüentada e em desordem.

       Foi depois da última visão, na qual os exércitos inimigos O despedaçaram, que saiu da caverna, quase fugindo e voltou para junto dos discípulos. Mas não tinha o andar firme; andava como um homem coberto de feridas e curvado sob um fardo pesado, como quem tropeça a cada passo. Chegando junto dos três Apóstolos, viu que não se tinham deitado para dormir, como da primeira vez; estavam sentados, as cabeças veladas e apoiadas sobre os joelhos, posição em que vejo muitas vezes o povo daquele país, quando estão de luto ou querem rezar.
       Adormeceram vencidos pela tristeza, medo e fadiga. Quando Jesus se aproximou, tremendo e gemendo, acordaram, mas ao vê-lo diante de si, na claridade do luar, com o peito encolhido, o semblante pálido e ensangüentado, o cabelo desgrenhado, fitando-os com olhar triste, não O reconheceram por alguns momentos, com a vista fatigada, pois estava indizivelmente desfigurado.

       Jesus, porém, estendeu os braços; então se levantaram depressa e, segurando-O sob os braços, ampararam-nO carinhosamente. Disse-lhes que no dia seguinte os inimigos O matariam; dai a uma hora O prenderiam, conduziriam ao tribunal, seria maltratado, insultado, açoitado e finalmente entregue à morte mais cruel.
       Com grande tristeza lhes disse tudo o que teria de sofrer até a tarde do dia seguinte e pediu que consolassem sua Mãe e Madalena. Esteve assim diante deles por alguns minutos, falando-lhes; mas não responderam, porque não sabiam o que dizer, de tal modo as palavras e o aspecto do Mestre os tinha assustado; pensavam até que estivesse em delírio.
       Quando, porém, quis voltar à gruta, não tinha mais força para andar; vi que João e Tiago O conduziram e, depois de ter entrado na gruta, voltaram. Eram cerca de onze horas e um quarto.

       Durante essas angústias de Jesus, vi a SS. Virgem também cheia de tristeza e angústia, em casa de Maria, mãe de Marcos. Estava com Madalena e a mãe de Marcos, num jardim ao lado da casa; prostrara-se de joelhos, sobre uma pedra. Diversas vezes perdeu os sentidos exteriormente, pois viu grande parte dos tormentos de Jesus. Já enviara mensageiros a Jesus, para ter noticias, mas não podendo, na sua ânsia, esperar-lhe a volta, saiu com Madalena e Salomé para o vale de Josafá.
       Ela andava velada e estendia muitas vezes as mãos para o monte das Oliveiras, porque via em espírito, Jesus banhado em suor de sangue e ela parecia, com as mãos estendidas, querer enxugar-lhe o rosto. Vi Jesus, comovido por esses caridosos impulsos da alma de sua Mãe, olhar para a direção em que Maria se achava, como para pedir socorro. Vi esses movimentos de compaixão em forma de raios luminosos, que emanavam de um para o outro.
       O Senhor pensou também em Madalena, percebeu-lhe comovido a dor e olhou também para ela; por isso mandou também os discípulos que a consolassem, pois sabia que, depois do amor de sua Mãe, o de Madalena era o mais forte e tinha também visto o que ela teria de sofrer por Ele e que nunca mais O ofenderia pelo pecado.

       Neste momento, cerca de 11 horas e 15 minutos, voltaram os oito Apóstolos à cabana de folhagem, no horto de Getsêmani; ali conversaram ainda e finalmente adormeceram. Estavam muito assustados e desanimados, em veementes tentações. Cada um tinha procurado um lugar para esconder-se e perguntaram uns aos outros inquietamente: “Que faremos, se o matarem? Abandonamos tudo quanto tínhamos e ficamos pobres e expostos ao escárnio do mundo. Fiamo-nos inteiramente nEle e ei-Lo agora tão impotente e abatido, que não podemos mais procurar nEle consolação”.
       Os outros discípulos, porém, erraram no princípio de um lado para outro e depois terem ouvidos várias notícias das últimas palavras assustadoras de Jesus, retiraram-se, pela maior parte, para Betfagé.


         Visões consoladoras; Anjos confortam Jesus.

       Vi Jesus rezando ainda na gruta e lutando contra a repugnância da natureza humana ao sofrimento. Estava exausto de fadiga e abatido e disse: “Meu Pai, se é a vossa vontade, afastai de mim este cálice. Mas faça-se a vossa vontade e não a minha”.
       Então se abriu o abismo diante dEle e apareceram-Lhe os primeiros degraus, do Limbo, como na extremidade de uma vista luminosa. Viu Adão e Eva, os patriarcas, os profetas, os justos, os parentes de sua Mãe e João Batista, esperando-Lhe a vinda, no mundo inferior, como um desejo tão violento, que essa visa Lhe fortificou e reanimou o coração amoroso. Pela sua morte devia abrir o Céu a esses cativos; devia tira-los da cadeia onde languesciam à espera.
       Tendo visto, com profunda emoção, esses Santos dos tempos antigos, apresentaram-Lhe os Anjos, todas as multidões de bem-aventurados do futuro que, juntando seus combates aos méritos da Paixão do Cristo, deviam unir-se por Ele ao Pai Celeste. Era uma visão indizivelmente bela e consoladora. Todos agrupados, segundo a época, classe e dignidade, passaram diante do Senhor, vestidos dos seus sofrimentos e obras.

       Viu a salvação e santificação sair, em ondas inesgotáveis, da fonte da Redenção, aberta pela sua morte. Os Apóstolos, os discípulos, as virgens e santas mulheres, todos os mártires, confessores e eremitas, papas e bispos, grupos numerosos de religiosos, em uma palavra: um exército inteiro de bem-aventurados apresentou-se-Lhe à vista.
       Todos traziam na cabeça coroas triunfais e as coroas variavam de forma, de cor, de perfume e de virtude, conforme a diferença dos respectivos sofrimentos, combates e vitórias que lhes tinham proporcionado a glória eterna. Toda a vida e todos os atos, todos os méritos e toda força, assim como toda glória e todo o triunfo dos Santos provinham unicamente de sua união aos méritos de Jesus Cristo.

       A ação e influência recíproca que todos estes Santos exerciam uns sobre os outros, a maneira por que hauriam a graça de uma única fonte, do santo Sacramento e da Paixão do Senhor, apresentava um espetáculo singularmente tocante e maravilhoso. Nada parecia casual neles; as obras, o martírio, as vitórias, a aparência e os vestuários: tudo, apesar de bem diferente, se fundia numa harmonia e unidade infinitas; e essa unidade na variedade era produzida pelos raios de um único sol, pela Paixão de Nosso Senhor, do Verbo feito carne, o qual era a vida, a luz dos homens, que ilumina as trevas, as quais não o compreenderam.         
       Foi a comunidade dos futuros Santos que passou diante da alma do Salvador, que se achava colocado entre o desejo dos patriarcas e o cortejo triunfal dos bem-aventurados futuros; esses dois grupos unindo-se e completando-se de certo modo, cercavam o coração do Redentor, cheio de amor, como uma coroa de vitória. Essa visão, inexprimivelmente tocante, deu à alma de Jesus um pouco de consolação e força.

       Ah! Ele amava tanto seus irmãos e suas criaturas, que teria aceito de boa vontade todos os sofrimentos, aos quais se entregaria pela redenção até de uma só alma. Como essas visões se referissem ao futuro, pairavam em certa altura.
       Mas essas imagens consoladoras desapareceram e os Anjos mostraram-lhe a Paixão, mais perto da terra, porque já estava próximo. Estes Anjos eram muito numerosos.
       Vi todas as cenas apresentadas muito distintamente diante dele, desde o beijo de Judas, até à última palavra na Cruz; vi lá tudo o que vejo nas minhas meditações da Paixão, a traição de Judas, a fuga dos discípulos, os insultos perante Anás e Caifás, a negação de Pero, o tribunal de Pilatos, a decisão diante de Herodes, a flagelação, a coroação de espinhos, a condenação à morte, o transporte da cruz, o encontro com a Virgem SS. no caminho do Calvário, o desmaio, os insultos de que os carrascos O cobriram, o véu de Verônica, a crucifixão, o escárnio dos fariseus, as dores de Maria, de Madalena e João, a lançada no lado, em uma palavra, tudo passou diante da alma de Jesus, com as menores circunstâncias.

       Vi como o Senhor, na sua angústia, percebia todos os gestos, entendia todas as palavras, percebia tudo que se passava nas almas. Aceitou tudo voluntariamente, sujeitou-se a tudo por amor dos homens. O que mais O entristecia era ver-se pregado na Cruz num estado de nudez completa, para explicar a impudicícia dos homens: implorava com instância a graça de livrar-se daquele opróbrio e que pelo menos Lhe fosse concedido um pano para cingir os rins; e vi ser atendido, não pelos carrascos, mas por um homem compassivo. Jesus viu e sentiu profundamente a dor da Virgem SS., que pela união interior aos sofrimentos do seu Divino Filho, caíra sem sentidos nos braços das amigas, no Vale de Josafá.
       No fim das visões da Paixão, Jesus caiu na Terra, como um moribundo; os Anjos e as visões da Paixão desapareceram; o suor do sangue brotava mais abundante; vi-O escoar-se através da veste amarela encostado ao corpo. A mais profunda escuridão reinava na caverna. Vi então um Anjo descendo para junto de Jesus: era maior, mais distinto e mais semelhante ao homem do que os eu vira antes.

       Estava vestido como um sacerdote, de uma longa veste flutuante, ornada de franjas e trazia na mão, diante de si, um pequeno vaso, da forma do cálice da última Ceia. Na abertura deste cálice se via um pequeno corpo oval, do tamanho de uma fava, que espargia uma luz avermelhada. O Anjo estendeu-Lhe a mão direita e pairando diante de Jesus, levantou-se; pôs-lhe na boca aquele alimento misterioso e fê-Lo beber do pequeno cálice luminoso. Depois desapareceu.
       Tendo aceitado o cálice dos sofrimentos e recebido nova força. Jesus ficou ainda alguns minutos na gruta, mergulhado em meditação tranqüila e dando graças ao Pai Celeste. Estava ainda aflito, mas confortado de modo sobrenatural, a ponto de poder andar para junto dos discípulos sem cambalear e sem se curvar sob o peso da dor. Estava ainda pálido e desfigurado, mas o passo era firme e decidido. Enxugara o rosto com um sudário e pusera em ordem os cabelos, que lhe pendiam sobre os ombros, úmidos de suor e conglutinados de sangue.

       Quando saiu da gruta, vi a lua como dantes, com a mancha singular que formava o centro e a esfera que a cercava, mas a claridade dela e das estrelas era diferente da que tinham dantes, por ocasião das grandes angústias do Senhor. A luz era agora mais natural.
       Quando Jesus chegou junto aos discípulos, estavam estes deitados, como na primeira vez, encostados ao muro do aterro, com a cabeça velada e dormiam. O Senhor disse-lhes quenão era tempo de dormir, mas que deviam velar e orar“Esta é a hora em que o Filho do homem será entregue nas mãos dos pecadores, disse, levantai-vos e vamos: o traidor está perto; melhor lhe seria que não tivesse nascido”.
       Os Apóstolos levantaram-se assustados e olharam em roda de si inquietos. Depois de um pouco tranqüilo, Pedro disse calorosamente: “Mestre, vou chamar os outros, para vos defendermos”. Mas Jesus mostrou-lhes a alguma distância, no vale, do outro lado da torrente de Cedron, uma tropa de homens armados que se aproximavam com archotes e disse-lhes que um deles O tinha traído. Os Apóstolos julgavam-no impossível.

       O Mestre falou-lhes ainda com calma, recomendando-lhes de novo que consolassem a Virgem SS. e disse: “Vamos ao encontro deles. Vou entregar-me sem resistência nas mãos dos meus inimigos”. Então saiu do horto das Oliveiras, com os três Apóstolos e foi ao encontro dos soldados, no caminho que ficava entre o jardim e o horto de Getsêmani.
       Quando a SS. Virgem voltou a si, nos braços de Madalena e Salomé, alguns discípulos, que viram aproximar-se os soldados, vieram a ela e reconduziram-na à casa de Maria, mãe de Marcos. Os soldados tornaram um caminho mais curto do que o que Jesus tinha seguido, vindo do Cenáculo.

       A gruta onde Jesus tinha rezado nessa noite, não era aquela na qual estava acostumado a rezar, no monte das Oliveiras, ia geralmente a uma caverna mais afastada, onde, depois de ter maldito a figueira infrutífera, rezara numa grande aflição, com os braços estendidos e apoiados sobre um rochedo.
       Os traços do corpo e das mãos ficaram-Lhe impressos na pedra e foram mais tarde venerados; mas não se sabia então em que ocasião o prodígio fora feito. Vi diversas vezes semelhantes impressões feitas em pedras, seja por profetas do Velho Testamento, seja por Jesus, Maria ou algum dos Apóstolos; vi também as do corpo de Santa Catarina de Alexandria, no monte Sinai.
       Essas impressões não parecem profundas, mas semelhantes às que ficam, pondo-se a mão sobre uma massa consistente.


  23:00 hs. JESUS RECEBE O BEIJO DE JUDAS.


JESUS REZA PELA TERCEIRA VEZ; OS DISCÍPULOS PELA TERCEIRA VEZ DORMEM; O TRAIDOR SE APROXIMA.

Os Meus inimigos Me observam e conspiram contra MIM dizendo: Persegui-O e prendei-O, porque não há ninguém para O livrar... (Sal 70, 11)
Veio a hora. O FILHO do Homem vai ser entregue às mãos dos pecadores (Mc 14, 41)
Deixou-os e foi orar pela terceira vez, dizendo as mesmas palavras. Voltou então para os seus discípulos e disse-lhes: Dormi agora e repousai! Chegou a hora: o Filho do Homem vai ser entregue nas mãos dos pecadores... Levantai-vos, vamos! Aquele que me trai está perto daqui. (Mt 26, 44-46)

JESUS É TRAÍDO POR JUDAS

Até o próprio amigo em que EU confiava levantou contra MIM o Calcanhar. (Sal 40, 10)
Judas, com um beijo trais o FILHO do Homem? (Lc 22, 48)
Jesus ainda falava, quando veio Judas, um dos Doze, e com ele uma multidão de gente armada de espadas e cacetes, enviada pelos príncipes dos sacerdotes e pelos anciãos do povo. O traidor combinara com eles este sinal: Aquele que eu beijar, é ele. Prendei-o! Aproximou-se imediatamente de Jesus e disse: Salve, Mestre. E beijou-o. Disse-lhe Jesus: É, então, para isso que vens aqui? (Mt 26, 47-50)


Pai Nosso..., Ave Maria..., Glória ao Pai...
Pela sua dolorosa Paixão; tende Misericórdia de nós e do mundo inteiro.
Meu Jesus, perdão e Misericórdia, pelos méritos de Vossas santas Chagas.


Segundo as Visões de Anna Catharina Emmerich:

 Foi depois da última visão, na qual os exércitos inimigos O despedaçaram, que saiu da caverna, quase fugindo e voltou para junto dos discípulos. Mas não tinha o andar firme; andava como um homem coberto de feridas e curvado sob um fardo pesado, como quem tropeça a cada passo. Chegando junto dos três Apóstolos, viu que não se tinham deitado para dormir, como da primeira vez; estavam sentados, as cabeças veladas e apoiadas sobre os joelhos, posição em que vejo muitas vezes o povo daquele país, quando estão de luto ou querem rezar.
       Adormeceram vencidos pela tristeza, medo e fadiga. Quando Jesus se aproximou, tremendo e gemendo, acordaram, mas ao vê-lo diante de si, na claridade do luar, com o peito encolhido, o semblante pálido e ensangüentado, o cabelo desgrenhado, fitando-os com olhar triste, não O reconheceram por alguns momentos, com a vista fatigada, pois estava indizivelmente desfigurado.

       Jesus, porém, estendeu os braços; então se levantaram depressa e, segurando-O sob os braços, ampararam-nO carinhosamente. Disse-lhes que no dia seguinte os inimigos O matariam; dai a uma hora O prenderiam, conduziriam ao tribunal, seria maltratado, insultado, açoitado e finalmente entregue à morte mais cruel.
       Com grande tristeza lhes disse tudo o que teria de sofrer até a tarde do dia seguinte e pediu que consolassem sua Mãe e Madalena. Esteve assim diante deles por alguns minutos, falando-lhes; mas não responderam, porque não sabiam o que dizer, de tal modo as palavras e o aspecto do Mestre os tinha assustado; pensavam até que estivesse em delírio.
       Quando, porém, quis voltar à gruta, não tinha mais força para andar; vi que João e Tiago O conduziram e, depois de ter entrado na gruta, voltaram. Eram cerca de onze horas e um quarto.

       Durante essas angústias de Jesus, vi a SS. Virgem também cheia de tristeza e angústia, em casa de Maria, mãe de Marcos. Estava com Madalena e a mãe de Marcos, num jardim ao lado da casa; prostrara-se de joelhos, sobre uma pedra. Diversas vezes perdeu os sentidos exteriormente, pois viu grande parte dos tormentos de Jesus. Já enviara mensageiros a Jesus, para ter noticias, mas não podendo, na sua ânsia, esperar-lhe a volta, saiu com Madalena e Salomé para o vale de Josafá.
       Ela andava velada e estendia muitas vezes as mãos para o monte das Oliveiras, porque via em espírito, Jesus banhado em suor de sangue e ela parecia, com as mãos estendidas, querer enxugar-lhe o rosto. Vi Jesus, comovido por esses caridosos impulsos da alma de sua Mãe, olhar para a direção em que Maria se achava, como para pedir socorro. Vi esses movimentos de compaixão em forma de raios luminosos, que emanavam de um para o outro.
       O Senhor pensou também em Madalena, percebeu-lhe comovido a dor e olhou também para ela; por isso mandou também os discípulos que a consolassem, pois sabia que, depois do amor de sua Mãe, o de Madalena era o mais forte e tinha também visto o que ela teria de sofrer por Ele e que nunca mais O ofenderia pelo pecado.

       Neste momento, cerca de 11 horas e 15 minutos, voltaram os oito Apóstolos à cabana de folhagem, no horto de Getsêmani; ali conversaram ainda e finalmente adormeceram. Estavam muito assustados e desanimados, em veementes tentações. Cada um tinha procurado um lugar para esconder-se e perguntaram uns aos outros inquietamente: “Que faremos, se o matarem? Abandonamos tudo quanto tínhamos e ficamos pobres e expostos ao escárnio do mundo. Fiamo-nos inteiramente nEle e ei-Lo agora tão impotente e abatido, que não podemos mais procurar nEle consolação”.
       Os outros discípulos, porém, erraram no princípio de um lado para outro e depois terem ouvidos várias notícias das últimas palavras assustadoras de Jesus, retiraram-se, pela maior parte, para Betfagé.

         Visões consoladoras; Anjos confortam Jesus.

       Vi Jesus rezando ainda na gruta e lutando contra a repugnância da natureza humana ao sofrimento. Estava exausto de fadiga e abatido e disse: “Meu Pai, se é a vossa vontade, afastai de mim este cálice. Mas faça-se a vossa vontade e não a minha”.
       Então se abriu o abismo diante dEle e apareceram-Lhe os primeiros degraus, do Limbo, como na extremidade de uma vista luminosa. Viu Adão e Eva, os patriarcas, os profetas, os justos, os parentes de sua Mãe e João Batista, esperando-Lhe a vinda, no mundo inferior, como um desejo tão violento, que essa visa Lhe fortificou e reanimou o coração amoroso. Pela sua morte devia abrir o Céu a esses cativos; devia tira-los da cadeia onde languesciam à espera.
       Tendo visto, com profunda emoção, esses Santos dos tempos antigos, apresentaram-Lhe os Anjos, todas as multidões de bem-aventurados do futuro que, juntando seus combates aos méritos da Paixão do Cristo, deviam unir-se por Ele ao Pai Celeste. Era uma visão indizivelmente bela e consoladora. Todos agrupados, segundo a época, classe e dignidade, passaram diante do Senhor, vestidos dos seus sofrimentos e obras.

       Viu a salvação e santificação sair, em ondas inesgotáveis, da fonte da Redenção, aberta pela sua morte. Os Apóstolos, os discípulos, as virgens e santas mulheres, todos os mártires, confessores e eremitas, papas e bispos, grupos numerosos de religiosos, em uma palavra: um exército inteiro de bem-aventurados apresentou-se-Lhe à vista.
       Todos traziam na cabeça coroas triunfais e as coroas variavam de forma, de cor, de perfume e de virtude, conforme a diferença dos respectivos sofrimentos, combates e vitórias que lhes tinham proporcionado a glória eterna. Toda a vida e todos os atos, todos os méritos e toda força, assim como toda glória e todo o triunfo dos Santos provinham unicamente de sua união aos méritos de Jesus Cristo.

       A ação e influência recíproca que todos estes Santos exerciam uns sobre os outros, a maneira por que hauriam a graça de uma única fonte, do santo Sacramento e da Paixão do Senhor, apresentava um espetáculo singularmente tocante e maravilhoso. Nada parecia casual neles; as obras, o martírio, as vitórias, a aparência e os vestuários: tudo, apesar de bem diferente, se fundia numa harmonia e unidade infinitas; e essa unidade na variedade era produzida pelos raios de um único sol, pela Paixão de Nosso Senhor, do Verbo feito carne, o qual era a vida, a luz dos homens, que ilumina as trevas, as quais não o compreenderam.         
       Foi a comunidade dos futuros Santos que passou diante da alma do Salvador, que se achava colocado entre o desejo dos patriarcas e o cortejo triunfal dos bem-aventurados futuros; esses dois grupos unindo-se e completando-se de certo modo, cercavam o coração do Redentor, cheio de amor, como uma coroa de vitória. Essa visão, inexprimivelmente tocante, deu à alma de Jesus um pouco de consolação e força.

       Ah! Ele amava tanto seus irmãos e suas criaturas, que teria aceito de boa vontade todos os sofrimentos, aos quais se entregaria pela redenção até de uma só alma. Como essas visões se referissem ao futuro, pairavam em certa altura.
       Mas essas imagens consoladoras desapareceram e os Anjos mostraram-lhe a Paixão, mais perto da terra, porque já estava próximo. Estes Anjos eram muito numerosos.
       Vi todas as cenas apresentadas muito distintamente diante dele, desde o beijo de Judas, até à última palavra na Cruz; vi lá tudo o que vejo nas minhas meditações da Paixão, a traição de Judas, a fuga dos discípulos, os insultos perante Anás e Caifás, a negação de Pero, o tribunal de Pilatos, a decisão diante de Herodes, a flagelação, a coroação de espinhos, a condenação à morte, o transporte da cruz, o encontro com a Virgem SS. no caminho do Calvário, o desmaio, os insultos de que os carrascos O cobriram, o véu de Verônica, a crucifixão, o escárnio dos fariseus, as dores de Maria, de Madalena e João, a lançada no lado, em uma palavra, tudo passou diante da alma de Jesus, com as menores circunstâncias.

       Vi como o Senhor, na sua angústia, percebia todos os gestos, entendia todas as palavras, percebia tudo que se passava nas almas. Aceitou tudo voluntariamente, sujeitou-se a tudo por amor dos homens. O que mais O entristecia era ver-se pregado na Cruz num estado de nudez completa, para explicar a impudicícia dos homens: implorava com instância a graça de livrar-se daquele opróbrio e que pelo menos Lhe fosse concedido um pano para cingir os rins; e vi ser atendido, não pelos carrascos, mas por um homem compassivo. Jesus viu e sentiu profundamente a dor da Virgem SS., que pela união interior aos sofrimentos do seu Divino Filho, caíra sem sentidos nos braços das amigas, no Vale de Josafá.
       No fim das visões da Paixão, Jesus caiu na Terra, como um moribundo; os Anjos e as visões da Paixão desapareceram; o suor do sangue brotava mais abundante; vi-O escoar-se através da veste amarela encostado ao corpo. A mais profunda escuridão reinava na caverna. Vi então um Anjo descendo para junto de Jesus: era maior, mais distinto e mais semelhante ao homem do que os eu vira antes.

       Estava vestido como um sacerdote, de uma longa veste flutuante, ornada de franjas e trazia na mão, diante de si, um pequeno vaso, da forma do cálice da última Ceia. Na abertura deste cálice se via um pequeno corpo oval, do tamanho de uma fava, que espargia uma luz avermelhada. O Anjo estendeu-Lhe a mão direita e pairando diante de Jesus, levantou-se; pôs-lhe na boca aquele alimento misterioso e fê-Lo beber do pequeno cálice luminoso. Depois desapareceu.
       Tendo aceitado o cálice dos sofrimentos e recebido nova força. Jesus ficou ainda alguns minutos na gruta, mergulhado em meditação tranqüila e dando graças ao Pai Celeste. Estava ainda aflito, mas confortado de modo sobrenatural, a ponto de poder andar para junto dos discípulos sem cambalear e sem se curvar sob o peso da dor. Estava ainda pálido e desfigurado, mas o passo era firme e decidido. Enxugara o rosto com um sudário e pusera em ordem os cabelos, que lhe pendiam sobre os ombros, úmidos de suor e conglutinados de sangue.

       Quando saiu da gruta, vi a lua como dantes, com a mancha singular que formava o centro e a esfera que a cercava, mas a claridade dela e das estrelas era diferente da que tinham dantes, por ocasião das grandes angústias do Senhor. A luz era agora mais natural.
       Quando Jesus chegou junto aos discípulos, estavam estes deitados, como na primeira vez, encostados ao muro do aterro, com a cabeça velada e dormiam. O Senhor disse-lhes quenão era tempo de dormir, mas que deviam velar e orar“Esta é a hora em que o Filho do homem será entregue nas mãos dos pecadores, disse, levantai-vos e vamos: o traidor está perto; melhor lhe seria que não tivesse nascido”.
       Os Apóstolos levantaram-se assustados e olharam em roda de si inquietos. Depois de um pouco tranqüilo, Pedro disse calorosamente: “Mestre, vou chamar os outros, para vos defendermos”. Mas Jesus mostrou-lhes a alguma distância, no vale, do outro lado da torrente de Cedron, uma tropa de homens armados que se aproximavam com archotes e disse-lhes que um deles O tinha traído. Os Apóstolos julgavam-no impossível.

       O Mestre falou-lhes ainda com calma, recomendando-lhes de novo que consolassem a Virgem SS. e disse: “Vamos ao encontro deles. Vou entregar-me sem resistência nas mãos dos meus inimigos”. Então saiu do horto das Oliveiras, com os três Apóstolos e foi ao encontro dos soldados, no caminho que ficava entre o jardim e o horto de Getsêmani.
       Quando a SS. Virgem voltou a si, nos braços de Madalena e Salomé, alguns discípulos, que viram aproximar-se os soldados, vieram a ela e reconduziram-na à casa de Maria, mãe de Marcos. Os soldados tornaram um caminho mais curto do que o que Jesus tinha seguido, vindo do Cenáculo.

       A gruta onde Jesus tinha rezado nessa noite, não era aquela na qual estava acostumado a rezar, no monte das Oliveiras, ia geralmente a uma caverna mais afastada, onde, depois de ter maldito a figueira infrutífera, rezara numa grande aflição, com os braços estendidos e apoiados sobre um rochedo.
       Os traços do corpo e das mãos ficaram-Lhe impressos na pedra e foram mais tarde venerados; mas não se sabia então em que ocasião o prodígio fora feito. Vi diversas vezes semelhantes impressões feitas em pedras, seja por profetas do Velho Testamento, seja por Jesus, Maria ou algum dos Apóstolos; vi também as do corpo de Santa Catarina de Alexandria, no monte Sinai.
       Essas impressões não parecem profundas, mas semelhantes às que ficam, pondo-se a mão sobre uma massa consistente.
        
         Judas e sua tropa.

         Judas não esperava que a traição tivesse as conseqüências que se lhe seguiram. Queria ganhar a recompensa prometida e mostrar-se agradável aos fariseus, entregando-lhes Jesus, mas não pensara no resultado, na condenação e crucifixão do Mestre; não ia tão longe em seus desígnios.
       Era só o dinheiro que lhe preocupava o espírito e já havia muito tempo travara relações com alguns fariseus e Saduceus astutos que, com lisonjas, o incitavam à traição. Estava aborrecido da vida fatigante, errante e perseguida, que levavam os Apóstolos.
       Nos últimos meses furtara continuamente as esmolas, de que, era depositário e a cobiça, irritada pela liberalidade de Madalena quando derramou perfumes sobre Jesus, impeliu-o finalmente ao crime. Tinha sempre esperado um reino temporal de Jesus e uma posição brilhante e lucrativa nesse reino; como, porém, não o visse aparecer, procurava amontoar fortuna.

       Via crescerem as fadigas e perseguições e pretendia manter boas relações com os poderosos inimigos de Jesus, antes de chegar o fim; pois via que Jesus não se tornaria rei, enquanto que a dignidade do Sumo Sacerdote e a importância dos seus confidentes lhe produziam viva impressão no espírito.
       Aproximava-se cada vez mais dos agentes fariseus, que o lisonjeavam incessantemente, dizendo-lhe, num tom de grande certeza, que dentro de pouco tempo dariam cabo de Jesus. Ainda recentemente tinham vindo procurá-lo diversas vezes em Betânia. O infeliz entregava-se cada vez mais a esses pensamentos criminosos e multiplicava nos últimos dias as diligências para que os príncipes dos sacerdotes se decidissem a agir.

       Estes ainda não queriam começar e tratavam-se com visível desprezo. Diziam que não havia tempo suficiente antes da festa e que qualquer tentativa causaria apenas desordem e tumulto durante a festa. Somente o sinédrio deu atenção ás propostas do traidor.
       Depois da recepção sacrílega do SS. SacramentoSatanás apoderou-se totalmente de Judas, que saiu decidido a praticar o crime. Primeiro procurou os negociadores, que sempre o tinham lisonjeado até ali e que receberam ainda com amizade fingida. Foi ter com outros, entre os quais Caifás e Anás; este último, porém, usou para com ele de um tom altivo e sarcástico. Estavam hesitantes, não contavam com o êxito, porque não tinham confiança em Judas.

       Vi o império infernal dividido: Satanás queria o crime dos Judeus, desejava a morte de Jesus, do santo Mestre que fizeram tantas conversões, do Justo a quem tanto odiava; mas sentia também não sei que medo interno da morte dessa inocente vítima, que não queria subtrair-se aos perseguidores; invejava-O por sofrer inocentemente. Vi-O assim excitar de um lado o ódio e furor dos inimigos de Jesus e de outro lado insinuar a alguns destes que Judas era um patife, um miserável, que não se podia fazer o julgamento antes da festa, nem reunir número suficiente de testemunhas contra Jesus.
       No sinédrio houve longa discussão sobre o que se devia fazer e, entre outras coisas, perguntaram a Judas: “Podemos prendê-Lo? Não terá homens armados consigo?” E o traidor respondeu: “Não, está só com os onze discípulos; está desanimado e os onze são homens medrosos”.

       Também lhes disse que era preciso apoderar-se de Jesus nessa ocasião ou nunca, que não podia esperar mais tempo para entregá-Lo, porque não voltaria esperar mais tempo para entregá-Lo, porque não voltaria para junto do Mestre, pois, alguns dias antes, os outros discípulos e Jesus mesmo haviam evidentemente suspeitado dele; pareciam pressentir-lhe os ardis e sem dúvida o matariam, se voltasse para o meio deles. Disse-lhes ainda que, se não O prendessem agora, escaparia, voltando com um exército de partidários, para fazer proclamar-se rei.

       Essas ameaças de Judas fizeram efeito. Deram-lhe ouvido ao conselho maldoso e ele recebeu o preço da traição, os trinta dinheiros. Essas moedas tinham a forma de uma língua, estavam furadas na parte arredondada e enfiadas, por meio de argolas, numa espécie de corrente; traziam certos cunhos.
       Judas, ofendido pelo contínuo desprezo e a desconfiança que lhe manifestavam, sentiu-se impelido pelo orgulho a restituir-lhes esse dinheiro ou oferecê-lo ao Templo, para que o tomassem por um homem justo e desinteressado.
Mas recusaram-no, porque era preço de sangue, que não se podia oferecer ao Templo.
       Judas viu quanto o desprezavam e sentiu-o profundamente. Não tinha esperado provar os frutos amargos da traição já antes de ter cometido; mas de tal modo que se havia comprometido com aqueles homens, que estava nas suas mãos e não podia mais se livrar deles. Observavam-no de muito perto e não o deixariam sair antes de ter explicado o caminho a seguir, para apoderar-se de Jesus.

      Três fariseus acompanhavam-no, quando desceu a uma sala, onde se achavam os guardas do Templo, que não eram todos judeus, mas gente de todas as nações. Quando tudo estava combinado e reunido o número de soldados necessários, Judas correu primeiro ao Cenáculo, acompanhado de um servo dos fariseus, para lhes dar notícia, se Jesus ainda estava ali, por causa da facilidade de prendê-lo lá, ocupando as portas; devia mandar avisar-lhe por um mensageiro.
       Um pouco antes de Judas receber o prêmio da traição, um dos fariseus saíra, para mandar sete escravos buscar madeira, para preparar a Cruz de Cristo, no caso que fosse condenado, porque no dia seguinte não teriam mais tempo, pois começava a festa da Páscoa.
       Andaram cerca de um quarto de hora, para chegar ao lugar onde queriam buscar o madeiro da cruz; estava ali ao longo de um muro alto e comprido, junto com muitas outras madeiras, destinadas a construções do Templo; carregaram-no para um lugar atrás do tribunal de Caifás, afim de prepará-lo. A árvore da cruz crescera antigamente perto da torrente Cedron, no valo, de Josafá; mais tarde caíra através do ribeiro e servia de ponte.

       Quando Neemias escondeu o fogo santo e os vasos sagrados na piscina Betesda, empregou também este tronco para cobri-los, junto com outra madeira; tirando-o depois de novo, jogaram-no para o lado, com outra madeira de construção.
       Em parte foi para zombar de Jesus, em parte aparentemente por acaso, mas em verdade unicamente por disposição da Divina Providência, que a Cruz foi construída de uma forma especial. Sem contar a tábua do título, a cruz foi feita de cinco diferentes espécies de madeiras. Tenho visto muitas coisas a respeito da cruz, diversos acontecimentos e significações, mas tenho esquecido tudo, fora o que acabo de contar.
       Judas, no entanto, voltou e disse que Jesus não estava mais no Cenáculo, mas havia de estar certamente no monte das Oliveiras, num lugar onde costumava rezar. Insistiu então que mandassem com eles somente uma pequena tropa, para que os discípulos, que espiavam por toda a parte, não suspeitassem e provocassem uma insurreição.

       Trezentos soldados deviam ocupar as portas e ruas de Ofel, bairro ao sul do Templo e o vale Milo, até a casa de Anás, no monte de Sião, para poder mandar reforço à tropa na volta, caso o pedisse; pois em Ophel todo o povo baixo aderia a Jesus.
       O indigno traidor disse-lhes ainda que tomassem muito cuidado, para Jesus não lhes escapar, mencionando que este já muitas vezes se tinha tornado invisível, por meio de artifícios misteriosos, fugindo assim aos companheiros na montanha. Fez-lhes também a proposta de amarrá-lo com uma corrente e servir-se de certas práticas mágicas, para que Jesus não rompesse as correntes. Os Judeus, porém, recusaram desdenhosamente esse conselho, dizendo: “Não nos podemos impor nada; uma vez que esteja em nossas mãos, está seguro”.
       Judas combinou com a tropa entrar ele primeiro no horto, para beijar e saudar Jesus, como se voltasse do negócio, como amigo e discípulo; depois deviam entrar os soldados, para prender o Mestre. Procederia como se os soldados tivessem chegado na mesma hora, só por acaso; fugiria depois, como os outros discípulos, fingindo não saber de nada.

       Talvez pensasse também que houvesse um tumulto, no qual os Apóstolos se defenderiam e Jesus fugiria, como fizera já diversas vezes. Assim pensava nos momentos de raiva, sentindo-se ofendido pelo desprezo e desconfiança dos inimigos de Jesus, mas não porque se arrependesse da negra ação ou por ter compaixão de Jesus; pois tinha-se entregue inteiramente a Satanás.
       Também não queria consentir que os soldados, entrando depois, trouxessem algemas e cordas, nem que o acompanhassem, homens de má reputação. Satisfizeram-lhe aparentemente os desejos, mas procederam como julgavam dever proceder com um traidor em quem não se pode fiar e que se joga fora, depois de ter feito o serviço.
       Foram dadas ordens expressas aos soldados de vigiar bem Judas e não o deixar afastar-se antes de ter prendido e amarrado Jesus; pois, como já tivesse recebido a remuneração, era de recear-se que o patife fugisse com o dinheiro e assim não poderiam prender Jesus de noite ou prenderiam outro em seu lugar, de modo que resultariam desta empresa apenas tumultos e desordens, no dia da Páscoa.

       A tropa escolhida para prender Jesus compunha-se de vinte soldados, alguns da guarda do Templo, os outros soldados de Anás e Caifás. Estavam vestidos quase da mesma forma que os soldados romanos; usavam capacetes e do gibão lhes pendiam correias em redor da cintura, como tinham também os soldados romanos.
       Distinguiam-se desses principalmente pela barba, pois os romanos em Jerusalém usavam só suíças, os lábios e queixo tinham imberbes. Todos os vinte soldados estavam armados de espadas, alguns tinham apenas lanças. Levavam consigo tochas e braseiras que, fixas sobre paus, serviam de lanternas; mas ao chegar, traziam acesa só uma das lanternas.
       Os judeus queriam mandar antes uma tropa mais numerosa com Judas, mas abandonaram esse plano, concordando com ele, objeção do traidor, de que do monte das Oliveiras se podia ver todo o vale e desse modo uma tropa maior não poderia deixar de ser vista. Ficou, portanto, a maior parte em Ophel; mandaram também sentinelas a vários atalhos e diversos lugares da cidade, para impedir tumultos ou tentativas de salvar Jesus.

       Judas marchou á frente dos vinte soldados; mandaram, porém, segui-lo a certa distancia quatro soldados de má reputação, gente ordinária, que levavam cordas e algemas. Alguns passos atrás desses, seguiam aqueles seis agentes, com os quais Judas travara relações há muito tempo. Havia entre eles um sacerdote de alta posição e confidente de Anás, outro de Caifás; além desses havia dois agentes fariseus e dois saduceus,que eram também herodianos. Todos, porém, eram espiões, hipócritas, aduladores interesseiros de Anás e Caifás e inimigos ocultos de Jesus, dos mais maliciosos.
       Os vinte soldados seguiram ao lado de Judas, até chegarem ao lugar onde o caminho passa entre Getsêmani e o horto das Oliveiras; aí não quiseram deixá-lo avançar sozinho e começaram a discutir com ele, num tom grosseiro e impertinente.
        
         O beijo de Judas

       Quando Jesus saiu do horto, no caminho entre Getsêmani e o horto das Oliveiras, apareceu na entrada desse caminho, à distância de vinte passos, Judas com os soldados, que ainda estavam discutindo. Pois Judas queria, separado dos soldados, aproximar-se de Jesus, como amigo; eles deviam entrar como por acaso, aparentemente sem Ele saber; mas os soldados seguraram-no, dizendo: “Assim não camarada, não nos fugirás antes de termos preso a Galileu”.
       Avistando depois os oito Apóstolos, que ao ouvir, o barulho se aproximaram, chamaram os quatro soldados para reforçar-se. Judas, porém, não consentiu que esses o acompanhassem e discutiu veementemente com eles. Quando Jesus e os três Apóstolos viram, à luz da lanterna, esse tropel ruidoso, com as armas nas mãos, Pedro quis atacá-los à força e disse: “Senhor, os oito de Getsêmani estão também ali adiante: Vamos atacar esses soldados”. Jesus, porém, mandou-o ficar quieto e retirou-se alguns passos para além do caminho, onde havia um lugar coberto de relva. Judas, vendo o seu plano transtornado, enraiveceu-se.

       Quatro dos discípulos saíram do horto Getsêmani, perguntando o que havia acontecido. Judas começou a conversar, querendo sair do embaraço por meio de mentiras, mas os soldados não o deixaram afastar-se. Aqueles quatro eram Tiago, o Menor, Filipe, Tomé e Natanael; este e um dos filhos do velho Simeão e alguns outros tinham vindo para junto dos oito Apóstolos, em Getsêmani, uns enviados pelos amigos de Jesus, para ter notícias dEle, outros impelidos pela inquietação e curiosidade. Além desses quatro, andavam também os outros discípulos pelas vizinhanças, espiando de longe e sempre prontos a fugir.
       Jesus, porém, aproximou-se alguns passos da tropa e disse em voz alta e clara: “A quem estais procurando?” Os chefes dos soldados responderam: “Jesus de Nazaré”. E Jesus disse:“Sou eu”. Apenas tinha dito estas palavras, caíram os soldados uns sobre os outros, como que atacados de convulsões.

       Judas, que estava perto, ficou ainda mais desconcertado no seu plano; e pareceu querer aproximar-se de Jesus, mas o Senhor levantou a mão, dizendo: “Amigo, para que vieste?”Judas disse, cheio de confusão, alguma coisa sobre negócio realizado. Jesus, porém, disse-lhe mais ou menos as seguintes palavras: “Oh! Melhor te fora não ter nascido”. Mas não me lembro mais das palavras exatas.
       No entretanto tinham-se levantado os soldados e aproximaram-se de Jesus e dos seus, esperando o sinal do traidor: que beijasse a Jesus. Pedro, porém, e os outros discípulos, cercaram Judas com ameaças, chamando-o de ladrão e traidor. O infeliz quis livrar-se deles por meio de mentiras, mas não conseguiu justificar-se, pois os soldados defenderam-no contra os discípulos, dando assim testemunho contra ele.

       Jesus, porém, disse mais uma vez: “A quem procurais?” Virando-se para Ele, responderam de novo: “Jesus de Nazaré”. Então disse?: “Sou Eu; já vos tenho dito que sou Eu; se, pois, procurais a Mim, deixai aqueles.” A palavra “Sou Eu”, caíram os soldados de novo com convulsões e contorções, como as têm os epiléticos e Judas foi de novo cercado pelos Apóstolos, que estavam extremamente furiosos contra ele. Jesus disse aos soldados:“Levantai-vos.”
       Levantaram-se assustados e como os Apóstolos ainda discutissem com Judas e também se dirigissem contra os soldados, estes atacaram os Apóstolos, livrando-lhes Judas das mãos e impelindo-o com ameaças a dar o sinal combinado, pois tinham ordem de prender só aquele a quem beijasse.

       Judas aproximou-se então de Jesus, abraçou e beijou-O, dizendo, “Deus te salve, Mestre.” E Jesus disse: “Judas é com um beijo que atraiçoas o Filho do Homem?”


 24:00 hs. JESUS É PRESO.

“Quando os malvados ME atacam, são eles, Meus inimigos, que resvalam e caem...” (Sal 26, 2)

A CORTE SE APROXIMA DE JESUS.

“... recuaram e caíram por terra” (Jo 18, 6)
Como Jesus soubesse tudo o que havia de lhe acontecer, adiantou-se e perguntou-lhes: A quem buscais? Responderam: A Jesus de Nazaré. Sou eu, disse-lhes. (Também Judas, o traidor, estava com eles.) Quando lhes disse Sou eu, recuaram e caíram por terra. Perguntou-lhes ele, pela segunda vez: A quem buscais? Disseram: A Jesus de Nazaré. Replicou Jesus: Já vos disse que sou eu. Se é, pois, a mim que buscais, deixai ir estes. Assim se cumpriu a palavra que disse: Dos que me deste não perdi nenhum (Jo 17,12)( Jo 18, 4-9)


A TENTATIVA DE SÃO PEDRO DE LIBERTAR JESUS

“Em vez do gozo que se lhe oferecera ELE suportou a cruz...” (Heb 12, 2)
Enfia tua espada na bainha! Não hei de beber EU o cálice que o PAI ME deu? (Jo 18, 11) 
Em seguida, adiantaram-se eles e lançaram mão em Jesus para prendê-lo. Mas um dos companheiros de Jesus desembainhou a espada e feriu um servo do sumo sacerdote, decepando-lhe a orelha. Jesus, no entanto, lhe disse: Embainha tua espada, porque todos aqueles que usarem da espada, pela espada morrerão. Crês tu que não posso invocar meu Pai e ele não me enviaria imediatamente mais de doze legiões de anjos? Mas como se cumpririam então as Escrituras, segundo as quais é preciso que seja assim? (Mt 26, 50-54)


A FUGA DOS DISCÍPULOS

“Afastaste de MIM os Meus amigos, objeto de horror ME tornastes para eles...”(Sal 87, 9).
“Então os discípulos O abandonaram e fugiram” (Mt 26, 56).
 Seguia-o um jovem coberto somente de um pano de linho; e prenderam-no. Mas, lançando ele de si o pano de linho, escapou-lhes despido. (Mc 14, 51-52)


ELES PRENDERAM JESUS

“Estou aprisionado sem poder sair...” (Sal 87, 9)
“Então a corte, o tribuno e os guardas dos judeus prenderam a JESUS e O ataram” (Jo 18, 12)
Voltando-se para os príncipes dos sacerdotes, para os oficiais do templo e para os anciãos que tinham vindo contra ele, disse-lhes: Saístes armados de espadas e cacetes, como se viésseis contra um ladrão. Entretanto, eu estava todos os dias convosco no templo, e não estendestes as mãos contra mim; mas esta é a vossa hora e do poder das trevas. (Lc 22, 52-53)

Pai Nosso..., Ave Maria..., Glória ao Pai...
Pela sua dolorosa Paixão; tende Misericórdia de nós e do mundo inteiro.
Meu Jesus, perdão e Misericórdia, pelos méritos de Vossas santas Chagas.


Segundo as Visões de Anna Catharina Emmerich:

A prisão do Senhor.

       Então os soldados cercaram Jesus e os soldados, avançando, puseram mãos em Nosso Senhor. Judas quis fugir, mas os Apóstolos detiveram-no e atacaram os soldados, gritando:“Mestre, feriremos com as espadas?” Pedro, porém, mais excitado e zeloso, puxou da espada e golpeou Malcho, criado do Sumo Sacerdote, que o quis repelir e cortou-lhe um pedaço da orelha, de modo que Malcho caiu por terra, aumentando deste modo ainda a confusão.
       A situação nesse momento do veemente ataque de Pedro era a seguinte: Jesus preso pelos soldados, que O queriam amarrar; cercavam-nO, num largo circulo, os soldados, um dos quais, Malcho, foi prostrado por Pedro.

       Outros soldados estava ocupados em repelir os discípulos, que se aproximaram ou em perseguir outros que fugiram. Quatro dos discípulos andavam pelo lado do monte e só se avistavam de vez em quando, a grande distância. Os soldados estavam em parte um pouco desanimados pelas quedas, em parte não ousavam perseguir seriamente os discípulos, para não enfraquecerem demasiadamente a tropa que cercava Jesus.
       Judas, que quis fugir logo depois do beijo traidor, foi detido a certa distancia por alguns discípulos, que o cobriram de injúrias. Mas os seis agentes, que só então se aproximaram, livraram-no das mãos dos cristãos indignados. Os quatro soldados, em roda de Jesus, estavam ocupados com as cordas e algemas, seguravam-nO e iam amarrá-lO.
       Tal era a situação, quando Pedro golpeou Malcho e Jesus ao mesmo tempo disse:“Pedro! Embainha a tua espada, pois quem se serve da espada, perecerá pela espada. Ou pensas que eu não podia pedir a meu Pai que me mandasse mais de doze legiões de Anjos? Então não devo beber o cálice que meu Pai me apresentou? Como se cumpririam as Escrituras se assim não se fizesse?”

       Disse aos soldados: “Deixai-me curar este homem”. Aproximou-se de Malcho, tocou-lhe na orelha, rezando e ficou sã. Estavam, porém, em roda os esbirros, os soldados e os seis agentes, que O insultaram, dizendo aos soldados: “Ele tem contrato com o demônio; a orelha por feitiço parecia ferida e por feitiço sarou”.
       Então lhes disse Jesus: “Viestes a mim, armados de espadas e paus, a prender-me como um assassino. Todos os dias tenho ensinado no Templo, no meio de vós e não ousastes pôr a mão em mim; mas esta é a vossa hora, a hora das trevas”.
       Eles, porém, mandaram amarrá-lO e insultaram-nO, dizendo: “A nós não nos pudeste jogar por terra com teu feitiço”. Do mesmo modo falaram os soldados: “Acabaremos com as tuas práticas de feiticeiro, etc”. Jesus respondeu ainda algumas palavras, mas não sei mais o que foi; os discípulos, porém, fugiram para todos os lados.

       Os quatro soldados e os fariseus não tinham caído e portanto também não se tinham levantado, o que sucedeu, como me foi revelado, porque estavam inteiramente nas redes de Satanás, do mesmo modo que Judas, que também não caíra apesar de estar no meio dos soldados; todos os que caíram e se levantaram, converteram-se depois e tornaram-se cristãos.
       O cair e levantar era símbolo da conversão. Esses soldados não puseram a mão em Jesus, mas apenas O cercaram: Malcho converteu-se logo depois da cura, de modo que só por causa da disciplina continuou o serviço; já nas horas seguintes, durante a Paixão de Jesus, fazia o papel de mensageiro entre Maria e os outros amigos de Jesus, para dar notícias do que se passava.

       Os soldados amarraram Jesus com grande barbaridade e com a brutalidade de carrascos, por entre contínuos insultos e escárnios dos fariseus. Eram pagãos da classe mais baixa e vil; tinham o peito, os braços e joelhos nus; na cintura usavam uma faixa de pano e na parte superior do corpo, gibão sem mangas, ligado nos lados com correias. Eram de estatura baixa, mas fortes e muito ágeis, de cor parda-ruiva, como a dos escravos do Egito.

       Amarraram Jesus de uma maneira cruel, com as mãos sobre o peito, prendendo sem compaixão o pulso da mão direita por baixo do cotovelo do braço esquerdo e o pulso da mão esquerda por baixo do cotovelo do braço esquerdo e o pulso da mão esquerda por baixo do cotovelo do braço direito, com cordas novas e duras que lhe cortavam a carne. Passaram-lhe em redor do corpo um cinturão largo, no qual havia pontas de ferro e argolas de fibra ou vime, nas quais amarraram-Lhe uma espécie de colar, no qual havia pontas e outros corpos pontiagudos, para ferir; desse colar saiam, como uma estola, duas correias cruzadas sobre o peito até o cinturão, ao qual foram fortemente apertadas e ligadas. Fixaram ainda, em diversos pontos do cinturão, quatro cordas comprimidas, pelas quais podiam arrastar Jesus para lá e para cá, conforme lhe ditava a maldade. Todas essas cordas e correias eram novas e pareciam preparadas de propósito, desde que começaram a pensar em prender Jesus.


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