
 JESUS NO CALVÁRIO
(Mc 15, 25)
(Mc 15, 25)
“Era a terceira hora quando o crucificaram”.

       Católico, subamos com Cristo        Jesus ao Calvário; testemunhemos as cenas de sua crucifixão, da crucifixão        dos dois ladrões; ouçamos as vociferações dos judeus, os insultos que        atiram ao rosto da divina Vítima, as blasfêmias horrendas com que ofendem        o Salvador do mundo. Firmes ao pé da cruz, junto com Maria Santíssima, São        João Evangelista, Santa Maria Madalena e as santas mulheres, com profundo        respeito e máxima atenção, ouçamos as palavras que Jesus Cristo proferiu        nas três longas horas da sua agonia.
       1.ª Palavra
       “Pai, perdoai-lhes, porque        não sabem o que fazem”        (Lc 23, 34).
       Após longa e penosa        caminhada chega ao Calvário a multidão, no meio Jesus, arquejado sob o        peso da cruz: “Agora        compreendes quanto fizeste sofrer Jesus, e te enches de dor: que simples        pedir-Lhe perdão e chorar as tuas traições passadas! Não te cabem no peito        as ânsias de reparação! Muito bem. Mas não esqueças que o espírito de        penitência consiste principalmente em cumprir, custe o que custar, o dever        de cada instante”        (São Josemaría Escrivá),        e: “O Gólgota não        estava longe, mas foi uma eternidade chegar até lá. A rua era acidentada e        pedregosa. A oscilação do madeiro em seu ombro faz correr mais sangue da        cabeça coberta de espinhos. O sangue toma-Lhe a vista e Ele mal pode ver        onde coloca os pés”        (Clarence J. Enzler).
       
       Enquanto os verdugos        concluem os preparativos para a execução dos três sentenciados, Jesus fica        retido numa grota ali existente, ainda hoje visível na igreja do Santo        Sepulcro. Nesse calabouço foi que Nosso Senhor se recolheu para o início        do seu sacrifício da cruz. Prontos esses trabalhos de preparar as cruzes,        Jesus é conduzido para perto do instrumento do seu martírio. Tiram-lhe as        roupas, uma por uma, a modo de algozes: sem dó, sem contemplação,        rude, barbaramente, não cuidando que com esta manobra abrem e rasgam de        novo as mil feridas no corpo da pobre Vítima:        “Depois, tendo-se a multidão        se colocado em círculo ao redor de Nosso Senhor, os soldados        arrancaram-Lhe as vestes, pegadas ao corpo todo chagado e dilacerado, e        com as vestes Lhe arrancaram também pedaços de carne”        (Santo Afonso Maria de        Ligório).        Jesus Cristo passa pelo        indizível vexame de, assim descomposto, ser alvo dos olhares de todos os        assistentes. Provável é que lhe deixaram um pano apenas para se defender        da humilhação máxima. Entre os Romanos havia esta praxe, e aos judeus        repugnava qualquer falta de modéstia. Quem poderá imaginar que suplício        não teria sido para o pobre Jesus esta cena indigna e sumamente        humilhante! Sempre havia pessoas compassivas, que cuidavam para que não        faltasse aos pobres sentenciados uma bebida narcótica, que se lhes dava        antes da crucifixão. Era vinho forte misturado com essências de aloés,        mirra, cálamo e acoron. Jesus não a rejeitou, mas, apenas levou-a aos        lábios, sem beber. Não queria fugir da dor, mas, pelo contrário, com toda        a lucidez, oferecer a seu Pai o grande sacrifício da expiação:        “... deram-lhe de beber vinho         misturado com fel. Ele provou, mas não quis beber”       (Mt 27, 34),        e: “Deram-lhe vinho        com mirra, que ele não tomou”        (Mc 15, 23).        Fechou-se ao redor de Jesus Cristo um pequeno círculo de soldados e        algozes. Só em espírito podemos assistir a esta cena horrível da        crucifixão. Ouvir as terríveis marteladas que acompanharam as operações        crudelíssimas. Ferem os nossos ouvidos os gritos, os urros, as imprecações        e palavrões dos dois ladrões e da bárbara soldadesca:        “E até os ladrões, que foram        crucificados junto com ele, o insultavam”        (Mt 27, 44),        e: “Os soldados        também caçoavam dele; aproximando-se, traziam-lhe vinagre, e diziam: ‘Se        és o rei dos judeus, salva-te a ti mesmo”       (Lc 23, 36-37).        No meio distinguimos perfeitamente os doces e profundos gemidos de Cristo        Jesus, Nosso Senhor. Em profunda adoração e com a maior compaixão        observemos e acompanhemos as pulsações do seu Coração. Com a maior        reverência curvemo-nos sobre o seu sacrossanto Corpo e beijemos as        sagradas chagas: da mão direita, da mão esquerda e dos pés.        Com todo o amor de que somos capazes, contemplemos o Corpo de Jesus,        horrivelmente esticado, coberto de sangue, a sagrada face desfigurada e de        uma palidez impressionante:        “Os soldados furiosos tomam os        pregos e os martelos, e transpassando as mãos e os pés de nosso Salvador,        pregam-no na  cruz... Eis que levantam a cruz com o Crucificado e a deixam        cair com força no buraco aberto no rochedo”        (Santo Afonso Maria de Ligório).
       Que sente e pensa Jesus no        meio de tantas dores, numa situação forçada e indescritível? Suas palavras        no-lo revelam: “Pai,        perdoai-lhes, porque não sabem o que fazem”       (Lc 23, 34).       
       José A. Marques comenta:       “Jesus dirige-se ao        Pai em tom de súplica (cfr Hb 5, 7). Podemos distinguir duas partes na        oração do Senhor: a petição simples: ‘Pai, perdoa-lhes’, e a desculpa        acrescenta: ‘porque não sabem o que fazem’. Em ambas nos mostra com quem        cumpre o que prega (cfr At 1, 1) e como modelo a imitar. Tinha pregado o        dever de perdoar as ofensas (cfr Mt 6, 12-15; 18, 21-35) e ainda de amar        os inimigos (cfr Mt 5, 44-45; Rm 12, 14.20), porque tinha vindo a este        mundo para se oferecer como Vítima ‘para remissão dos pecados’ (Mt 26, 28;        cfr Ef 1, 7; Cl 1, 4) e alcançar para nós o perdão. Surpreendem à primeira        vista as desculpas com que Jesus acompanha a petição de perdão: ‘Porque        não sabem o que fazem’. São palavras do amor, da misericórdia e da justiça        perfeita que apreciam até ao máximo as atenuantes dos nossos pecados. Não        há dúvida que os responsáveis diretos tinham consciência clara de que        estavam a condenar um inocente, cometendo um homicídio; mas não entendiam,        naqueles momentos de paixão, que estavam a cometeu um deicídio. Neste        sentido São Pedro diz aos Judeus, estimulando-os ao arrependimento, que        agiram, ‘por ignorância’ (At 3, 17), e São Paulo acrescenta que se        tivessem conhecido a sabedoria divina ‘não teriam crucificado o Senhor da        Glória’ (1 Cor 2, 8). Nesta advertência se apóia Jesus, misericordioso,        para os desculpar. Em toda a ação pecaminosa o homem tem zonas mais ou        menos extensas de obscuridade, de paixão, de obcecação que, sem anular a        sua liberdade e responsabilidade, tornam possível que se execute a ação má        atraído pelos aspectos enganosamente bons que apresenta. E isto constitui        uma atenuante no mal que fazemos. Cristo ensina-nos a perdoar e a buscar        desculpas para os nossos ofensores, e assim abrir-lhes a porta para a        esperança do perdão e do arrependimento, deixando a Deus o juízo        definitivo dos homens”.       Pede perdão para        todos, que direta e indiretamente concorreram para o seu martírio; perdão        para os Sumos Sacerdotes, perdão para o povo judeu, perdão para os que O        trataram tão barbaramente. Apela para o amor de seu Pai; pede como Filho;        oferece em satisfação sua obediência até a morte, suas chagas e todas as        suas dores. Longe de condená-los e sobre eles chamar a vingança do céu,        toma a ignorância dos seus algozes por motivo de perdão que implora,        embora nos judeus a ignorância fosse    culposa e como tal a tivesse        estigmatizado. 
       O Pe. Luis de la Palma        escreve: “Jesus        aproveitou o agradecimento do Pai  pela sua obediência e intercedeu por        nós. Por todos, pelos justos e pelos  pecadores; por aqueles que ainda não        o conhecem e pelos que estavam presentes na crucifixão; pelos que tinham        compaixão e pelos que traziam um ódio implacável em sua perseguição. O        Senhor procurava a salvação daqueles que lhe tiravam a vida; rogava a Deus        por eles, e para que ninguém ficasse excluído do mérito de seu sacrifício.        Assim é o Pontífice que nos convinha (Hb 7, 26), que fosse santo e o seu        amor pudesse abarcar até os inimigos. Apesar de todo o sofrimento, a        perdição dos pecadores lhe aumentava a dor, esquecendo-se de si mesmo, não        pedia alívio para sua dor, mas perdão para os nossos pecados. Eles        aumentavam os insultos, Jesus aumentava suas orações. Não te deixes        vencer pelo mal, mas triunfa do mal com o bem (Rm 12, 21). Pediu        muitas vezes ao Pai, pois o evangelista querendo indicar mais de uma vez,        narra que ‘dizia’ estas palavras: ‘Pai, perdoa-lhes; porque não sabem o        que fazem’ (Lc 23, 34). É admirável que tivesse ficado em silêncio por        tanto tempo no julgamento e durante sua Paixão, e agora intercedesse para        defender os seus algozes. Este nosso advogado apresentou ao Pai todos os        motivos que pudessem obter o nosso perdão; alegou a nossa ignorância e os        seus próprios méritos a nosso favor. Pai, eu sou teu Filho e sei que me        ama; olha o amor que tenho e como te obedeci; só pelo teu amor estou aqui        na cruz. Não me negue o que te peço, sou teu Filho e valho-me disso para        pedir que os perdoe a todos. Seria justo castigá-los, mas eu os absolvo e        peço que faça o mesmo. Tenho por eles um amor de irmão e o Senhor um amor        de Pai. O sangue que derramei foi por eles; chegou o tempo da entrega na        cruz, mas também chegou o tempo do perdão e da misericórdia. Perdoa-lhes,        Pai; a responsabilidade é grande, mas fazem por ignorância, foram        enganados e não percebem a gravidade. Os seus líderes ficaram cegos diante        da Luz, não quiseram conhecer a Verdade, confundiram o povo. Eles não        percebem que      realmente sou teu Filho; suplico-Te que veja desta        forma: eles não me matam, sou eu que morro por eles. ‘Pai, perdoa-lhes;        porque não sabem o que fazem’. No coração, Jesus pedia o mesmo para        sua Mãe. Escutando a prece de seu Filho, sua alma ficou iluminada pela        força do sentido desta oração. Atendendo a este rogo, com toda a força do        Espírito Santo, abraçou todos aqueles pecadores em seu coração. Uniu sua        oração com a de Jesus e intercedeu ao Pai que perdoasse os perseguidores        de seu Filho. Com estes mediadores, muitos que estavam presentes se        converteram. Logo após a Ascensão de Jesus, elevou-se a mais ou   menos        três mil o número de adeptos (At 2, 41)”,        e: “Pai! É a        primeira palavra. Jesus diz ‘Pai’, como na ressurreição de Lázaro: ‘Pai,        dou-Te graças porque me ouviste. Eu bem sabia que sempre me ouves’ (Jo 2,        42)... ‘Pai, perdoa-lhes...’ Não   é a sua dor que o preocupa; é o        nosso pecado: antes de tudo, a ferida, a ofensa que faz a Deus; depois, o        dano que nos faz... ‘Pai, perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem. Sabem        e não sabem. Algo sabem, se é que há pecado. E não   sabem tudo, o que é        um título para o perdão. No entanto é desigual a responsabilidade”        (Charles Journet),        e também: “Não        obstante, a sua ignorância não os impedia de serem criminosos, pois era de        certo modo afetada. Viam, com efeito, sinais evidentes da divindade de        Cristo, mas pelo ódio e inveja, deformavam-nos; de modo que não quiseram        crer nas palavras de Jesus, com que se declarava Filho de Deus. Por isso        Cristo disse deles: ‘Se eu não tivesse vindo e não lhes tivesse falado,        não teriam culpa, mas agora não têm desculpa do seu pecado’ (Jo 15, 22).        Mas, os pequenos (minores), a gente do povo (populares), que        não estavam instruídos nos mistérios da Escritura, não conheceram        plenamente  nem que era o Messias nem que era o Filho de Deus. Certamente        muitos acreditaram nele, mas a maior parte não acreditou. Em certas        ocasiões, ante a quantidade de milagres e a grandeza da sua doutrina,        chegaram mesmo a perguntar-lhe se era o Cristo, como se vê no capítulo        sétimo de São João; mas em seguida foram mal aconselhados pelos seus        chefes e não compreenderam nem que era o Filho de Deus nem que era o        Messias. Daí, as palavras de São    Pedro no seu segundo discurso: ‘Sei        que procedestes por ignorância’ (At 3, 17)”        (Santo Tomás de Aquino).
       A oliva triturada dá o seu        azeite; da uva esmagada escorre o doce vinho e o bálsamo destila suave        perfume. Assim a dor atroz. Assim, a maldade  dos inimigos do Divino        Coração não conseguiram espremer senão esta magnífica oração:        “Pai, perdoa-lhes; porque não sabem o que fazem”.        Para nós        luminoso exemplo de como nos havemos de haver com os nossos inimigos e        perseguidores. Todos os que têm o espírito de Jesus Cristo sempre agiram        assim: “E         apedrejaram a Estevão, enquanto este invocava e dizia: ‘Senhor Jesus,        recebe meu espírito’. Depois, caindo de joelhos, gritou em voz alta:        ‘Senhor, não lhes leves em conta este pecado”        (At 7, 59-60).
       Católico, repare como Jesus        Cristo não tinha membro de que dispor a nosso favor, senão a língua. Ele        não podia ajoelhar, nem ajuntar as mãos, porque estavam presas na cruz, só        tinha a língua, e esta tão seca e amargurada; todavia a emprega a nosso        favor. Ele nos tinha ensinado que se alguém fosse oferecer algum        sacrifício, tendo alguma indisposição contra seu próximo, fosse primeiro        se reconciliar; por isso, vendo o ódio mortal que os judeus tinham contra        Ele, tratou de reconciliá-los com o Pai Eterno, tratou de lhes alcançar o        perdão, e não podendo sair da cruz onde estava pregado, a fim de nos        ensinar com o exemplo a doutrina que nos  tinha pregado, cumpriu este        preceito do melhor modo que lhe era possível, rogando instantemente a seu        Pai que perdoasse a seus inimigos. Eis o modo com que Jesus vingou tantos        insultos, bofetadas, pontapés, escárnios, irrisões, açoites e todas as        demais injúrias! 
       Muitos são aqueles que se        atrevem a receber a Santíssima Eucaristia com indisposições, ódios,        inimizades... É preciso imitar a Cristo Jesus.
       Tal excesso de caridade não        teve exemplos nos séculos passados. O Patriarca Noé, escarnecido por seu        filho, lança sobre ele a maldição do Senhor; o Profeta Elias, insultado        pelos oficiais e soldados, obtém do céu um fogo exterminador; Eliseu,        chasqueado por uma multidão de meninos foi vingado por dois ursos que        devoraram a muitos meninos... Entretanto, estas e outras injúrias nenhuma        proporção tinham com as injúrias que recebeu Jesus, todavia, não só não        chama castigos, mas até dissimula... não só dissimula, mas até pede        perdão... 
       2.ª Palavra
       “Ainda hoje estarás comigo        no Paraíso” (Lc        23, 43).
       Esta palavra se liga à        conversão inesperada do Bom Ladrão. Testemunha de tudo que se passava ao        redor de Jesus Cristo; ouvindo ele os insultos, os escárnios com que os        judeus cobriam Nosso Senhor moribundo, caiu em si, penitenciou-se de uma        maneira surpreendente e sumamente edificante. No modo dele fazer        penitência reparamos quatro momentos: 1.° Censura seu companheiro e        na pessoa deste também os judeus e o modo indigno com que tratam o Senhor.        Chama sua atenção ao justo castigo que ambos estão sofrendo e aponta a        justiça divina que maiores castigos reserva para os que se negam a fazer        penitência: “Nem        sequer (como os outros judeus) temes a Deus, estando na mesma condenação?”       (Lc 23, 40).        Isto é, embora tenhas, como nós, de comparecer perante Deus? Eis aí a        expressão do   temor de Deus, que é o princípio da verdadeira penitência.        2.° Confessa publicamente seu pecado; diz-se culpado e        reconhece justo o castigo que lhes foi infligido:        “Quanto a nós, é de justiça;        estamos pagando por nossos atos”       (Lc 23, 41).        3.° Proclama a inocência de Jesus e acusa os judeus        de clamorosa injustiça:        “...       mas ele não fez        nenhum mal”        (Idem.). De tudo isto        ele tinha pleno conhecimento; a esta conclusão ele chegou devido à        insuperável paciência de Jesus, da oração deste pelos  seus inimigos        dirigida a Deus, a quem chama de Pai. 4.°  Reconhece a Divindade        de Jesus, pois chega a implorar-Lhe que dele se lembre no seu        reino: “Jesus,        lembra-te de mim, quando vieres com teu reino”        (Lc 23, 42).        Acredita, pois, no poder de Jesus Cristo no céu e na sua soberania como        rei das almas e da felicidade eterna. Este Jesus, crucificado, por todos        abandonado, desprezado e ludibriado é, na sua convicção, o Senhor do céu e        da eternidade. Impressionado pela oração que Jesus fizera por seus        algozes, vem ele agora pedir que o salve e que o tire do triste estado de        pecador. Pede apenas, que em seu reino se lembre do seu nome; tudo o mais        confia à sua misericórdia. Temos, portanto, o exemplo da mais perfeita        penitência, de uma penitência que sobremodo honra e glorifica Cristo,        Nosso Senhor.
       José A. Marques comenta:       “Ao responder ao bom        ladrão, Jesus manifesta que é Deus, porque dispõe da sorte eterna do        homem; que é infinitamente misericordioso e não rejeita a alma que se        arrepende com  sinceridade. De igual modo com essas palavras, Jesus        revela-nos uma verdade fundamental da nossa fé”,        e: “Cremos na vida        eterna. Cremos que as almas de todos aqueles que morreram na graça de        Cristo – tanto as que ainda devem ser purificadas com o fogo do        Purgatório, como as que são recebidas por Jesus no Paraíso a seguir à        separação do corpo, como o Bom Ladrão -, constituem  o Povo de Deus depois        da morte, a qual será destruída por completo no dia da Ressurreição, em        que estas almas se unirão com os seus corpos”        (Paulo VI).
       Jesus Cristo, se bem que Ele        mesmo mergulhado num abismo de sofrimentos, acolhe atenciosa e        benignamente a penitência do Bom Ladrão, dá-lhe infinitamente mais do que        este pedira. Perdoa-lhe os pecados e lhe diz:        “... hoje estarás comigo no        Paraíso” (Lc 23,        43). Quanta        generosidade! Quanta caridade! 
       Esta grandiosa cena da        conversão do Bom Ladrão é a revelação da generosidade, da bondade e da        majestade de Nosso Senhor. Como Jesus é compassivo, bondoso e poderoso!        Tudo ele repara, a tudo atende... os suspiros de uma alma arrependida ele        percebe.
       O Pe. Luis de la Palma        escreve: “Entre as        pessoas que foram tocadas pela  oração de Jesus, estava um dos        crucificados ao seu lado. Pelas palavras dirigidas  a Jesus, notamos que        os dois eram judeus. E os ladrões, crucificados com ele, também o        ultrajavam (Mt 27, 44). A princípio os dois o insultavam. Mesmo        sofrendo a mesma pena de Jesus, não eram mais compassivos. Enfurecido pela        tortura que recebia e impaciente com todos aqueles gritos e escárnios, um        dos malfeitores, ali crucificados, blasfemava contra ele: ‘Se és o        Cristo, salva-te a ti mesmo e salva-nos a nós’ (Lc 23, 39). Esta é a        ocasião para demonstrar o que dizes ser! Os teus inimigos quiseram Te        comparar a nós, salve-se e vingue-se deles! Mas como é um mentiroso, não        há esperança para nós’. Assim este ladrão insultava Jesus e esquecia-se de        que realmente era um criminoso e merecia a punição. Mas o outro que        escutou tudo e notou a paciência e dignidade com que Jesus rogava a seu        Pai para que lhes perdoassem, movido pelo Espírito Santo, compreendeu que        além de inocente, Ele era verdadeiramente o Rei de Israel. Confiou que        poderia ser salvo, mas não da maneira que seu companheiro tentava. Por        isso repreendeu-lhe: ‘Nem sequer temes a Deus, tu que sofres no mesmo        suplício? Para nós isto é justo: recebemos o que mereceram os nossos        crimes, mas este não fez mal algum’ (Lc 23, 40-41). Estando o Senhor        na cruz, iluminou com a verdade um de seus companheiros de suplício. O        outro que foi repreendido, talvez, agora pudesse abrir-se para a salvação.        Este venturoso ladrão, depois de ter reconhecido os seus próprios pecados        e aceitar o castigo, mostrou a seu companheiro onde estava a verdade.        Então virou o rosto e disse: ‘Jesus, lembra-te de mim quando tiveres        entrado no teu Reino!’ (Lc 23, 42). Com toda simplicidade,        reconheceu-O como Rei; de uma maneira maravilhosa acreditou na        ressurreição. Chamando-Lhe pelo nome, não pedia mais nada para esta vida,        somente o perdão e a vida eterna; sentindo-se indigno, disse:        ‘Lembra-te de mim’. Vendo-O padecer ao seu lado, escutando todas as        acusações que os sacerdotes lançavam; tudo levava a pensar que Jesus tinha        crimes iguais aos seus, ou até piores. Mas a força da graça e a luz do céu        foram abundantes, pois mesmo nestas circunstâncias acreditou em Jesus.        Ninguém falava bem do Senhor; o sol ainda não tinha escurecido; a terra        também não havia tremido. Não foram estes acontecimentos que o moveram a        crer, mas a força da cruz. Viu Jesus padecer na cruz e acreditou n’Ele        como o  Senhor do universo; acreditou no reino celestial a pediu-Lhe o        céu. Emocionado, o Senhor escutou no meio de tanta zombaria e insultos,        aquela voz que o reconhecia como Deus. Vinha de um ladrão que mesmo        estando Deus tão oculto, soube confessar em alta voz. Declarando essa        verdade ao outro ladrão, podemos dizer que este foi o primeiro apostolado        de fato. Como reconhecia a divindade e defendia-O, dizendo que era santo e        inocente; o Senhor concedeu-lhe muito mais do que pedia. O Senhor        alegrou-se pelo primeiro fruto de seu sangue derramado; a primeira        conversão de um pecador, que imediatamente se fazia de apóstolo. Como        Sacerdote lhe concedeu perdão, como Rei deu-lhe a riqueza: ‘Em verdade        te digo: hoje estarás  comigo no paraíso’ (Lc 23, 43)”,        e: “A sorte destes        dois homens que sobem com Jesus para o Calvário é misteriosa. Toda a vida        que se aproxima de Jesus, para O rejeitar ou para O aceitar, alcança de        repente a profundidade do seu mistério. Pretendem misturar o nome de Jesus        com o dos culpados, dissipar a sua memória com a de homens desprezíveis,        porque crucificam os três juntos, Ele no meio... Mas para as gerações        vindouras, o nome de Jesus não cai no esquecimento nem se perde a sua        memória. Sucede o contrário; fica fixa para sempre à recordação destes        dois malfeitores e da sua diferente morte. O destino desigual destes dois        homens representa as duas posições extremas ante o sofrimento. A dor pode        libertar as almas e pode também rebelá-las. Deus orienta para a santidade,        mas as almas podem levantar-se contra Deus e encher-se de amargura. Há        cruzes de blasfêmia e cruzes de paraíso... Um daqueles malfeitores que        estavam crucificados com Ele insultava-O, dizendo: Se és o  Cristo,        salva-Te a Ti mesmo e a nós...  Haveria ódio neste homem? Tinha vivido        totalmente à margem das leis que ele julgava injustas; tinha sido um        revolucionário. Agora estava apanhado, sem possibilidade de escapar,        cravado numa cruz. Definitivamente tinha perdido a partida. E invade-o uma        veemente cólera. Se ao menos este homem crucificado à sua beira tivesse        algum poder! Porque chamar-se Messias quando se é impotente tanto frente        aos homens como frente ao sistema social! Se foi este o seu caso, então        sem dúvida disse com  despeito, com ódio: ‘Não és o Messias? Salva-Te a Ti        mesmo e a nós’. Mas talvez a rebeldia deste homem fosse mais profunda.        Talvez se tenha rebelado contra a vida fazendo-se bandido. Sabia ao que se        expunha, tinha aceitado de antemão qualquer eventualidade. Agora estava        agarrado; era uma regra do jogo. Não restava mais que morrer em silêncio        para sair de um mundo sem esperança. Como este iluminado, este débil de        espírito, que morre a seu lado não compreendeu o nada de toda a        existência? Como pode crer na possibilidade de um Messias e de uma        salvação? Não é já tempo de que desperte do seu sono? Se foi assim, então        ter-se-iam de considerar como fruto de uma piedade burlona aquelas        palavras: ‘Não és o Messias? Salva-Te a Ti mesmo a e nós’. Qual destas        duas formas de desespero minou o coração do primeiro crucificado? Em        qualquer hipótese, o certo é que passa, sem a reconhecer junto de uma        salvação que nunca mais voltará. Entrou assim com esta consciência na        morte? Ter-se-á eternizado o seu ódio, o seu desafio? Ou dissipou a sua        noite um clarão de luz no último instante, talvez depois das sete        palavras, até mesmo depois da morte de Jesus?”        (Charles  Journet),        e  também: “Muitos        sofrem na terra pelos seus pecados e pelos seus crimes. Por isto é        necessário discernir com muito cuidado não o sofrimento, mas a causa. A        pena de um criminoso pode ser igual à de um mártir, mas a causa é        diferente. Há três homens crucificados, um dá a salvação, outro recebe-a e        outro despreza-a; para os três é igual a pena, mas diferente a causa”       (Santo        Agostinho). 
       No Monte Calvário,        sentenciado Ele mesmo e condenado pela justiça humana, Jesus se revela        juiz das almas, perdoa e retém os pecados, dá o céu e condena ao inferno.        Quem não vê no espetáculo do Gólgota a prelúdio do Juízo Final?
       Das sombras da morte de um        vil criminoso, Ele traz à luz um arauto da sua inocência e da sua        divindade.
       A conversão do Bom Ladrão       (São Dimas) evidencia de um lado o poder da graça divina, como        também demonstra a tenebrosa autonomia e liberdade da vontade humana. A        graça divina se oferece aos corações dos dois ladrões e pede entrada e        pronto acolhimento. 
       O mau ladrão (Gestas)        ouve os gemidos do seu Salvador; o sangue divino se espraia ao redor da        sua cruz como se quisesse assediar-lhe o coração pecador e dele afastar os        raios da divina justiça; não obstante, o infeliz se detém firme na sua        maldade e impenitência. 
       3.ª Palavra
       “Mulher, eis aí teu filho” (Jo 19, 26).
       O Pe. Luis de la Palma        escreve: “Quando        Jesus viu sua mãe e perto dela o discípulo que amava, disse à sua mãe:        ‘Mulher, eis aí teu filho’. Depois disse ao    discípulo: ‘Eis aí        tua mãe’ (Jo 19, 26). Para aqueles homens sem fé, esta cena        representava a desonra de um filho perante sua mãe. Olhando para sua mãe        que estava perto, se comoveu. O Senhor relembrou os momentos que havia        passado junto de sua mãe: as alegrias durante todos aqueles anos e do        respeito que tinham por ela ser a mãe de Jesus. Agora tudo estava tão        diferente. Viu o seu rosto sofrido e as lágrimas que escorriam; partiu-Lhe        o Coração presenciar sua mãe sofrendo tanto. O Senhor chorou também, suas        lágrimas se misturavam com seu sangue e os seus soluços  à sua dor. Mas ao        mesmo tempo, se alegrava por dentro, por ter sua mãe perto naquele momento        e agradeceu sua presença. Sua mãe demonstrava: fé, lealdade, fortaleza,        humildade e obediência. Foi tão unida e parecida com seu Filho, que        podemos dizer que foi obediente até a morte e por amor afogou-se nas águas        do sofrimento. Com aquele olhar, Jesus repartiu com sua mãe todos os bens        que conquistaria com sua morte. Elegeu-a Rainha do Céu, Advogada dos        pecadores e distribuidora de todas as graças. Ela que já havia recebido        antes, por um favor de Deus, a preservação do pecado original e a        plenitude da graça. Por isso foi a criatura mais pura entre todos os        nascidos. Mas, além disso, quis agradecer-lhe por estar presente junto à        cruz. Olhou-a e não deixou que ela ficasse desamparada, apontou com o        olhar ao discípulo e disse: ‘Eis teu filho’. Depois disse ao discípulo:        ‘Eis tua mãe’. Estava morrendo na cruz, mas não se esqueceu de sua mãe.        Deixou alguém que cuidasse dela e lhe fizesse companhia, um novo filho, em        lugar daquele que perdia. Poderia ter feito isto depois da ressurreição,        mas não queria que sua mãe ficasse nem um minuto desamparada. Fazendo em        público, na frente de todos, foi como um testamento perante as        testemunhas. Eu sou teu filho, todo o tempo que vivemos juntos te          obedeci e respeitei, mas agora devo obedecer a meu Pai. Mas não ficará        sozinha, pois deixo meu querido discípulo, a quem quero honrá-lo com este        doce presente. Ele cuidará da senhora, como se fosse eu; peço que o ame        como se fosse a mim. Parto, mas não ficará desamparada, tem agora um novo        filho. Que felicidade a de João! Todos devemos ter muita devoção a São        João Evangelista, porque a Virgem Maria o olhou como seu filho, e nós        temos Maria como nossa mãe. Lembra-te, ó Virgem Maria, de que és minha        Mãe. Este foi o melhor presente que recebemos na cruz. Agora somos todos        irmãos, filhos adotivos de Deus e filhos da Senhora. Quando Jesus disse a        João ‘eis a tua mãe’, devemos ouvir, como se fosse para cada um de nós em        particular. Abramos os olhos, ela é nossa Mãe! Mãe, refúgio dos pecadores,        agora e na hora da nossa morte. Jesus Redentor, conseguiu com o seu        sangue, que Maria fosse nossa Mãe. Não podemos chamar Eva de mãe, pois        pela cobiça pelo fruto proibido, tornou-se mãe do pecado. Mas tu, Virgem        Maria, viu com dor o fruto pendurado na árvore da cruz, olhou com amor o        fruto da vida, por isso se tornou Mãe de todos os homens. Nós somos os        filhos da tua dor e seremos sempre agradecidos. E dessa hora em diante        o discípulo a levou para a sua casa (Jo 19, 27). João ficou muito bem        pago pelo seu amor e lealdade a Jesus. Desde àquela hora, recebeu e a        considerou como sua mãe, assim se cumpria a promessa feita: ‘receberá o        cêntuplo e possuirá a vida eterna’ (Mt 19, 29). A Virgem Maria foi        para João este  cem por um. Era como um prêmio imerecido pela sua        generosidade em deixar  tudo para seguir Jesus, considerou-se muito bem        pago”,       e:        “Cristo põe São João nas mãos        de Maria; ao fazê-lo, entrega-nos a todos como filhos dela; de todos vai        ser ela doravante a Mãe responsável ante Jesus. Isto significa que Ele        promete a Maria escutar toda a súplica que ela Lhe dirija por nós, tão        maravilhosamente  como o tinha feito em Caná da Galiléia, se nós não pomos        obstáculo”        (Charles Journet).
       Entre os espectadores no        Calvário achavam-se parentes e conhecidos de Jesus:        “Todos os seus amigos, bem        como as mulheres que o haviam acompanhado desde a Galiléia, permaneciam à        distância, observando essas  coisas”       (Lc 23, 49),        e: “Estavam ali        muitas mulheres, olhando de longe”       (Mt 27, 55).        Nomeadamente os santos Evangelhos os mencionam: a Mãe do Senhor com João,        Maria Cleofa, Maria Madalena e Salomé. Formavam eles diversos grupos, algo        distanciados da cruz, porque os soldados e os judeus não permitiam que se        aproximassem. Parece, entretanto, que Maria Santíssima, São João, Maria        Madalena e Salomé conseguiram, aos poucos, chegar-se bem perto de Jesus        sem que alguém os molestasse, e lá ficarem até o fim:        “Perto da cruz de Jesus,        permaneciam de pé sua mãe, a irmã de sua mãe, Maria, mulher de Cleofas, e        Maria Madalena”       (Jo 19, 25).        – Tinham vindo da Galiléia, para, em companhia do Mestre, em Jerusalém,        festejarem a Páscoa. Que triste Páscoa não veio a ser para eles todos!        Inseparáveis de Jesus Cristo, acompanharam-nO na sua última caminhada.        Viram tudo: a crucifixão, a elevação da cruz... todos mergulhados em        imensa dor.
       Mais do que todos era Maria,        a Mãe de Jesus, que sofria. Quem descreverá o seu padecimento? Quanto não        sofre uma mãe à cabeceira dum filho agonizante! Leito mortuário igual ao        de Jesus, nunca se viu, além de doloroso, coberto de ignomínia e        amaldiçoado pela multidão. Nunca houve um Filho tão dedicado à sua mãe,        como Jesus, e mãe igual a Maria Santíssima, tão rica em amor e graça, o        mundo não conheceu até hoje. Grande no amor, o coração de Maria não se        deixava vencer pela dor e arrastava-a com firmeza, resoluta e        heroicamente. Do horrível cenário no Calvário ela foi testemunha ocular e        dos pormenores  da crudelíssima execução nada escapava à sua observação.       Via os cravos, as chagas; as marteladas soaram sinistramente nos        seus ouvidos; ouviu as imprecações, as pragas soltadas contra seu Filho e        percebeu-Lhe os gemidos e palavras entrecortadas de soluços.        Acercou-se da cruz e longamente contemplou o rosto desfigurado e        agonizante de seu Filho amado. Quem poderá fazer idéia da dor que lhe ia        na alma?
       Tudo isto ela sofreu        voluntariamente, impelida pelo amor natural de mãe, mas também pelo desejo        de participar do sofrimento do Filho, de cooperar diretamente na grande        obra da Redenção, que se ia realizando naquela hora. Como Co-Redentora do        gênero humano sabia que lá era o seu lugar. Da cruz não se afastou, unindo        o seu sacrifício com o do Sumo Sacerdote, do Eterno Rei, que do alto da        cruz governa o mundo.
       Jesus, vendo-se acompanhado        por Maria, compreendeu-lhe todo o amor tão fiel, tão maternal, levado ao        heroísmo; lendo na sua alma, consolou-a e providenciou para o longo tempo        que devia sobreviver.
       Olhando para João, disse a        Maria: “Mulher, eis        aí o teu filho”        (Jo 19, 26). Teu        Filho morre e não mais poderá cuidar de ti. João o substituirá e nada te        deixará faltar. Ele para ti será o que até hoje eu fui:        “Como derradeira lembrança        deu-nos a ela por filhos na pessoa de São João... Começou desde então a         Senhora a exercer para conosco esse ofício de mãe...”        (Santo Afonso Maria de        Ligório).
       Dirigindo-se a João, disse:       “Eis aí tua Mãe”.        Ficarás em meu lugar, e perto dela, com teu amor, teus cuidados e tua        dedicação... para ela farás o que eu até agora fiz.
       O efeito que esta palavra        produziu na alma de Maria foi uma nova e cruciante dor. Era para ela a        separação definitiva, a renúncia suprema. Tudo se desvanece dos seus        olhos, o que até este momento tinha sido a alma, o centro da sua vida.        Jesus se despediu. Em seu lugar, está João, o discípulo predileto, de        todos o mais dedicado, é verdade, mas apenas discípulo, não o Mestre; o        filho de Zebedeu, e não o filho de Deus. Que troca desigual! Que comutação        desproporcionada e dolorosa! Com a mesma humildade filial, porém, que        demonstrou no dia da anunciação, agora conforma sua vontade com a de Deus:       “Eis aqui a serva do        Senhor, faça-se em mim segundo a sua palavra”       (Lc 1, 38).
       Em João observamos a mesma        atitude de humildade e submissão à vontade de seu Senhor, e a prontidão,        para com amor e dedicação a executar. No mesmo dia entrou na posse da sua        doce herança, recebendo em sua casa a Mãe de Jesus, sua Mãe agora, e        dispensando-lhe todas as atenções e cuidados que acostumada estava a        receber de seu Divino Filho. 
       Admirável é a maneira de que        Jesus soube recompensar a virtude de seu Apóstolo, e premiar a fidelidade        que demonstrou ao seu Mestre e o amor filial à Mãe de Deus.        
       Do mistério dessa palavra        poderemos deduzir praticamente quatro coisas: 1. Jesus Cristo dá um        magnífico exemplo de obediência ao quarto mandamento. Não quer        morrer enquanto não ver humanamente garantido o futuro de sua mãe. 2. Por        esta palavra fica patente que já não mais vivia São José; assim        Maria, estando sozinha, precisava de um amparo na vida; faltando-lhe        também Jesus, se explica e se compreende a revelação dessa sua última        vontade. Está provado por esta palavra de Jesus que Maria não tinha outro        filho. 3. Deste mistério, conclusão lógica é que devemos muito amar a        Maria Santíssima. Na pessoa de João vemos representada a cristandade toda,        a qual tem a ventura de receber Maria Santíssima como sua mãe. A palavra        de Jesus é o seu testamento, em que aos Apóstolos, à Igreja e a todos os        fiéis legou o que de mais precioso possuía, com o desejo que todos nos        esforçássemos em adquirir os sentimentos filiais mais profundos e sinceros        para com a sua Santíssima Mãe. 4. A palavra de Jesus contém um precioso        ensinamento sobre a grande vantagem que há em seguirmos firmes a Jesus no        caminho da cruz. Que prêmio maior e mais glorioso São João poderia esperar        e receber em recompensa da sua fidelidade e do seu amor a Jesus        agonizante! De discípulo e Apóstolo tornou-se irmão de Jesus e filho da        Santíssima Mãe de Deus.
               4.ª Palavra
       “Meu Deus, meu Deus, por que        me abandonaste?”       (Mt 27,46).       
Perto do        meio-dia, isto é, pouco depois da crucifixão (na sexta hora dos judeus),        o céu começou a ficar escuro; e esta escuridão crescia de momento a        momento, a ponto de se estabelecer eclipse solar completo que durou três        horas, até à morte de Jesus. É claro que não se tratava de um eclipse        natural e comum, pois era lua cheia e teve duração de três horas. Se foi        universal, não é certo. Provável é que só à Palestina se restringiu.       
Sem dúvida        foi um sinal extraordinário, para testemunhar a inocência e a        dignidade divina de Jesus. Sendo Ele a cabeça da humanidade, era de        toda a conveniência que a criação inteira fosse avisada da sua morte,        justamente no momento em que, para salvá-la, foi preciso Ele se sujeitar a        uma humilhação quase inacreditável. 
Para os        judeus, em particular, o escurecimento do sol foi de uma significação        única. Foram eles, que por diversas vezes tinham exigido        (Lc 11,16)        fosse lhes dado um sinal do céu.        Tiveram-no agora e formidável; um sinal eloquente para convencê-los da sua        grande culpabilidade, movê-los a fazer penitência para, convertendo-se,        desarmar a tremenda justiça de Deus, cujos anunciadores, no falar da        Sagrada Escritura, são as trevas e a escuridão        (Ex 10,22; Is 5,30). 
O efeito        imediato do inesperado e tão prolongado escurecimento deve ter sido um        grande pavor entre os animais e os homens. Aqueles, pressurosos,        procuraram os seus abrigos. Os homens, estes que há pouco se ufanaram da        sua vitória sobre o Nazareno e O cobriram de vitupérios, encheram-se de        medo e  emudeceram; muitos, é verdade, se converteram, quando outros se        empederniram mais ainda, e procuraram explicar tudo muito naturalmente.
No meio do        silêncio que reinava no Gólgota e na escuridão que o envolvia, quase no        fim das três horas, cheias de dores e angústias, Jesus exclamou em alta        voz: “Meu Deus, meu Deus, porque me        abandonastes?” Palavras estas que traduzem o sofrimento        de Nosso Senhor em toda sua profundidade e extensão, sofrimento que        teve sua razão no completo abandono da parte da divindade, e na ausência        absoluta de consolo e de proteção experimentada pela humanidade de Jesus.        A segunda pessoa nunca se afastou da humanidade, e a união hipostática        nunca se viu interrompida. Mas desta união, a humanidade de Jesus, fora da        visão imediata, nada experimentava de consolo, de proteção e de alegria.        Estava ela mergulhada num abismo tenebroso de sofrimentos indizíveis e        universais. Era o abandono em extremo grau, tanto exterior como interior.       
Expulso da        sociedade, o Salvador, vemo-lo pendente da cruz entre o  céu e a terra.        Nenhuma comunicação com a terra lhe resta. Seus vestidos os algozes os        partilham entre si. A própria Mãe já não lhe pertence. Abandonado por        todos, ao seu lado nem vê seus Apóstolos e discípulos; muitos dos que se        diziam seus amigos afastaram-se e se dispersaram. O povo em massa        repudiou-O. O que vê só é para aumentar-Lhe a dor: uma multidão de        inimigos, gente que o odeia; outros que se escarnecem do seu lamentável        estado; ainda outros que O insultam e ultrajam. Tudo que vê e ouve é        doloroso, inspirado pelo ódio e animado do espírito de vingança        (Mt 27, 47-49; Mc 15, 35).        É afastado o pequeno grupo dos seus fiéis. Nada podem fazer em seu favor,        para seu alívio e consolo. Pelo contrário: sua tristeza, sua aflição        e angústia ainda contribuem para aumentar-Lhe a dor.
Seu corpo        também se ressente da ausência completa da proteção divina. Esticado se        acha sobre o duro madeiro, sobre o leito horrível da cruz. Ombros e costas        machucados. Da cabeça até a planta dos pés perfurados por duros e grossos        pregos, causando-lhe feridas dolorosíssimas. A cabeça cingida de uma        coroa, cujos espinhos se cravam nas têmporas e na testa, provocando        cruciantes dores. A posição a que o corpo todo é forçado a se manter        durante três horas, sem possibilidade alguma de encontrar uma mudança        aliviada, produz o entorpecimento das articulações e implica poderosa e        fatalmente a circulação. A sua respiração torna-se difícil devido ao        afluxo irregular do sangue aos pulmões. O Coração trabalha penosamente,        aumentando de minuto a minuto a ânsia da morte. Três horas são suficientes        para produzir nas chagas dores insuportáveis de inflamação. Assim sofre, e        morre Nosso Senhor, sem esperança alguma de receber o menor alívio dos que        o rodeiam. Não lhe resta senão seu Pai celeste.
Também este,        o refúgio e consolo de todos os aflitos e abandonados: o Pai da        misericórdia, da bondade de todo o amor no céu e na terra, também Ele O        abandonou.
Com este        conhecimento a Paixão de Jesus chegou ao seu auge. Posto que nos vejamos        abandonados por todos, fica-nos o recurso a Deus. O consolo divino supera        tudo o que o mundo nos pode proporcionar. Faltando também este, a desgraça        está completa e irremediável. Com a ausência desse consolo, apaga-nos a        última estrela de esperança; a vida é sepultada nas trevas – é a morte;        mais que a morte: é o quase inferno.
Alma não é        possível que houvesse igual à de Jesus, tão unida a Deus no mais perfeito        e acendrado amor, e em virtude desta união gozasse de uma felicidade, de        uma bem-aventurança sem par. Na hora da agonia veio a faltar-lhe        completamente esta doçura da paz e do conforto, o que nos leva a        compreender que nunca alma humana passou pelas angústias de desolação        iguais àquelas que Nosso Senhor sofreu, e que este abandono para Ele foi        de todas as torturas a mais dolorosa, a mais cruciante.
Este        sofrimento de Jesus nos apresenta qual mistério insondável.         Comparado com a tristeza por Ele experimentada no Horto das Oliveiras        (e que disse ter sido de morte), a desolação foi muito maior, muito        mais dolorosa. No Horto se dirigia a seu Pai; no Gólgota clama a Deus. Foi        o grito da sua alma ao supremo e eterno Bem.
       Impressionantes são as expressões dos profetas em referência ao estado da        alma do Salvador na cruz (Cf. Sl 21. Threno,        cap. III).
Ó tenebroso        Calvário, onde o Salvador do mundo sofreu horrorosa agonia! Tão odiado era        Jesus, que todos se julgavam com direito de magoá-lO; tão desprezado Ele        é, que ninguém lhe quer fazer um bem; tão abandonado se acha, que  Deus o        deixa nessa terrível solidão, e justamente no momento, que ao mesmo Deus        dá a prova máxima do seu amor e sua vida oferece para sua honra e glória.
Esta        exclamação, “Deus, meu Deus, porque me abandonaste?” não é, e não        podia ser da parte de Jesus um protesto contra seu Pai, nem tão pouco        devemos interpretá-la como manifestação de uma revolta interior ou de        repugnância ao sofrimento excessivamente grande: é, antes, e só isto podia        ser: um gesto grandioso da divina vítima no intuito de nos revelar a        prontidão com que tomara sobre si esta desolação interior, e que de fato        sofria sem a mínima assistência, capaz de O consolar. 
Além disto,        queria Ele, com esta sua palavra demonstrar o cumprimento das profecias a        seu respeito, referentes às circunstâncias da sua morte; por isso citou        textualmente as palavras iniciais do Salmo depositário desta profecia (Sl        21).
Intenção sua        também era consolar-nos, quando o sofrimento nos visita, não acompanhado        de consolo humano ou divino. Na sua completa desolação fundou um tesouro        preciosíssimo, de que poderão aproveitar todos os que sofrem nos dias        presentes e do futuro. Com o desamparo que experimentou na hora suprema        mereceu-nos a força de que necessitamos para não nos entregarmos ao        desânimo, quando nos vemos desamparados no deserto da vida ou quando nos        sentimos envoltos nas trevas da morte. O caminho que palmilhamos, Jesus já        o percorreu antes e plantou nele a sua cruz para o nosso consolo e        conforto. No seu brado ao céu reconhecemos a voz dum guia amigo, dum        protetor poderoso, que no deserto intransitável anuncia a sua presença e        oferece-nos sua assistência.
A exclamação        de Jesus provocou da parte dos inimigos novos insultos e novos escárnios:       “Este chama por Elias. E logo correndo um        deles, tendo tomado uma esponja, ensopou-a em vinagre, e a pôs sobre uma        cana e lhe dava de beber. Porém, os outros diziam: Deixa, vejamos se vem        Elias livrá-lo” (Mt        27,47-49). Não é certo, se foram        judeus ou romanos, que assim falaram. É provável que não tenham        compreendido bem a palavra “Eli” e a transformaram em “Elias”,        nome daquele profeta, por todos considerados arauto do Messias e protetor        do povo de Deus. De qualquer maneira as palavras por eles ditas são        expressões de desprezo e de escárnio. 
Bem        diferentemente o brado de Jesus calou no espírito e na alma de Maria        Santíssima e de São João. Viam patentes aos seus olhos os abismos da        desolação, do abandono e da agonia de Jesus Crucificado. Com Ele se        mergulharam naquele mar de dores, e com Ele, em perfeita conformidade com        a vontade e o amor do Pai Eterno, assim agiram por amor a nós, pobres        pecadores, que ainda à espera nos achamos daquele momento, em que também        nós nos veremos colocados naquele deserto, e de descer haveremos no abismo        que nas suas trevas nos sepultará. 
 O        Pe. Luis de la Palma escreve: “O Senhor        estava por mais de três horas na cruz. Durante este tempo rogava ao Pai e        oferecia seu sacrifício pelos nossos pecados. Próximo da hora nona,        Jesus exclamou em voz forte: ‘Eli, Eli, lammá sabactáni?’ – o que quer        dizer: ‘Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?’ (Mt 27, 46).        Todos o ouviram se dirigir ao Pai, usando as palavras do rei Davi (cf. Sl        21, 2). Estava o Senhor com o corpo chagado, a alma amargurada, perseguido        e abandonado, sentia falta de tudo, não tinha onde repousar sua cabeça,        tinha somente a cruz. Todas estas coisas aconteciam com o Filho de Deus.        Ser aparentemente desamparado, justamente por obedecer a seu Pai, tudo        isso, escapa à nossa compreensão humana. Devemos agradecer ao Espírito        Santo por iluminar os escritos para que nos transmitissem este        comportamento de Jesus, queixando-se de seu abandono, assim podemos        meditar muito nesta passagem. Foi surpreendente que o Senhor quase morto,        debilitado pela perda de sangue, quase sem forças, exclamasse em alta voz,        mostrando toda sua angústia e solidão: ‘Meu Deus, meu Deus, por que me        abandonaste?’ É um segredo da justiça e misericórdia de Deus. O justo        é desamparado na sua tristeza, para que fossem protegidos os pecadores. A        razão humana leva a pensar que a justiça, pela morte de seu Filho, seria a        destruição de todas as nações. Mas não foi isso que aconteceu, o Pai        abandona o Filho e faz com que sinta a pena que mereciam os nossos        pecados. Tudo isso, Deus fez para nos consolar, para que tivéssemos uma        esperança na sua misericórdia, uma vez que se cumpriu toda a justiça.        Jesus nunca tinha sentido este desamparo de Deus. Estava constantemente na        presença de Deus, face a face sempre de uma maneira direta, porque o Pai e        o Filho são um único Deus. Mas o homem pode se separar de Deus, e para        nossa salvação, quis Deus Pai que na cruz, Jesus sentisse a ausência de        Deus. Mas em nenhum momento Jesus perdeu a confiança em seu Pai. Pouco        antes confiantemente havia pedido perdão para a humanidade,    depois,        também com muita confiança entregaria seu espírito nas mãos do Pai. Era        impossível que o Pai abandonasse o Filho tão querido e obediente, que        somente buscava a glória de Deus e em tudo se submeteu a sua vontade. Já        havia declarado esta total confiança dizendo: ‘Aquele que me enviou        está comigo; ele não me deixou sozinho, porque faço sempre o que é do seu        agrado’        (Jo 8, 29).       No entanto,        desamparou-O durante esses últimos momentos da Paixão, deixando-O sentir        toda amargura e solidão. Podia ter impedido a flagelação, a coroa de        espinhos, os cravos, aniquilar os que queriam crucificá-lO, calar os que O        insultavam; mas nada impediu. Sabemos que os mártires recebem de Deus uma        graça especial para poderem suportar toda tortura e aceitar com alegria        uma morte tão cruel em nome de Jesus. O Pai poderia conceder uma graça        maior ainda para proteger seu Filho, por exemplo, poderia colocar à sua        disposição um exército de anjos. Mas como havia dito a Pilatos, não        convinha, pois o seu reino não é deste mundo. Deviam se cumprir as        Escrituras, por isso Deus deixou que a hora e o poder das trevas agissem        livremente sobre Jesus. O Senhor havia pedido no horto, que se fosse        possível, se afastasse aquele cálice, mas entendeu completamente que a        vontade divina já estava escrita. Morreria sem nenhuma defesa, não seria        poupado de nenhum sofrimento, e isso se cumpriu com tanta dureza, que não        pode reprimir este grito de angústia: ‘Meu Deus, meu Deus, por que me        abandonaste?’ Podia Deus conceder um consolo interior na alma. Mesmo        sofrendo a dor física, preservaria a dor em seu coração. É normal Deus        conceder esta graça aos seus fiéis, sentem-se alegres por poderem sofrer        por Ele; sentem-se tão perto de Deus, parece-lhes que nada os poderá        atingir (cf. Sl 90, 10). Mas não era necessário algo novo, bastaria não        lhe tirar a visão face a face que tinha de Deus.  Muitas vezes Deus faz        assim: desampara os seus desta consolação e proteção, deixa que sintam a        sua fraqueza. Fez assim com Jesus, para podermos aprender com o exemplo.        Se Jesus não tivesse sofrido essa solidão, nós teríamos ficado sem consolo        na nossa debilidade. Por esta razão foi conveniente ocultar sua glória e        mostrá-lo somente com sua natureza humana, deixá-lO com sua dor, como se        fosse apenas um homem. Este terrível desamparo, somente os que receberam        esta especialíssima revelação de Deus,  sabem o peso e a dor destas        palavras: ‘Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?’ É admirável        que durante todo o julgamento, não se defendeu e guardou silêncio, e agora        que já estava na cruz, e não tinha mais retorno, se lamentasse. Mas o que        parece tão surpreendente está guardada uma lição para nós. Tinha sofrido        tudo calado e pacientemente, mas, alguém poderia pensar que tinha a        fortaleza das pedras e a carne de bronze (Jó 6, 12), e não sentia        realmente dor ou sofrimento. Para que não ficasse dúvida que sofreu muito,        queixou-se com aquele grito. Bastava olhá-lO, para saber que seu corpo não        era de bronze: estava com o rosto desfigurado e o seu corpo todo        ensanguentado. Bastava ouvir seus gemidos de dor para perceber que sua        alma não era de pedra. Gritou e mostrou que era de carne e osso, com        sentimentos, e que as ofensas O magoaram. No horto, havia mostrado estes        sentimentos, mas apenas três apóstolos presenciaram este momento. Quando        os seus inimigos ficaram satisfeitos, e o Senhor já tinha sofrido tudo que        era necessário; manifestou os sentimentos de seu Coração, para que        soubéssemos que embora tenha sofrido muito em seu corpo, maior ainda foi a        dor em sua alma. Aquele grito representava toda sua dor. Não se queixou da        traição de Judas, não reclamou de Pedro, nem dos sacerdotes, nem das        falsas testemunhas, nem dos soldados, nem dos executores nem de Pilatos.        Não se lamentou de ninguém. Queixou-se ao Pai, somente Ele poderia        responder o motivo de seu desamparo. Aprendamos com Jesus que nos momentos        de dificuldade encontraremos muito pouco apoio nos homens, e pelo        contrário, muito em Deus, pois, ‘não se vendem dois passarinhos por um        asse? No entanto, nenhum cai por terra sem a vontade de vosso Pai’ (Mt 10,        29).        E se as nossas contrariedades        são consequência e castigo dos nossos pecados, Ele é o juiz que sentencia,        ainda que sejam os homens que a executem. Se as contrariedades são        remédios das nossas doenças espirituais, Ele é o médico que receita, ainda        que sejam os homens a dar o medicamento. Para aumentar o nosso mérito e a        glória no céu, é Ele quem luta por nós e nos dá a coroa da vitória. O        condenado não suplica ao carrasco, mas ao juiz; o doente não se trata com        o farmacêutico, mas com o médico; os soldados não mostram suas feridas a        outros soldados, mas ao comandante. Igualmente não devemos lançar a culpa        e nem vingar-nos, naqueles que são motivo da nossa contrariedade, mas        levantar os olhos a Deus, que é o nosso Comandante, nosso Médico e nosso        Juiz. Naquele momento Jesus se sentia sozinho e chorava sua tristeza:        ‘Falam de mim os que assentam às portas da cidade, escarnecem-me os que        bebem vinho. Minha oração, porém, sobe até vós, Senhor, na hora de vossa        misericórdia, ó Deus. Na vossa imensa bondade escutai-me, segundo a        fidelidade de vosso socorro’ (Sl 68, 13-14).       No horto havia pedido        que o Pai não desamparasse, sujeitando-se totalmente à sua vontade, mas        aparentemente foi abandonado e se queixou. Perguntou-Lhe a causa pelo        abandono. Com os homens, a causa é pelo ódio e egoísmo, mas os motivos de        Deus nascem do amor e são para o nosso proveito. Se soubéssemos os motivos        não nos queixaríamos; somente agradeceríamos pela sua sabedoria. Por isso,        perguntar-Lhe com humildade por esses motivos, significa desejo de        submeter-se completamente à vontade de Deus. Os nossos pecados, que Ele        tomou para si, exigiam esse abandono e morte. O Senhor foi abandonado para        que nós não fôssemos abandonados por Deus e condenados à morte eterna. Não        havia motivo para Deus O abandonar, mas Ele estava no nosso lugar, e        recebeu o abandono e a morte que eram para nós. Alguns dos que escutavam o        lamento de Jesus: ‘Eli, Eli, lammá sabactáni?’ começaram a        fazer um jogo de palavras, dizendo que chamava Elias. Era uma zombaria,        porque Elias deveria vir a anunciar o Messias, e como achavam que Jesus        era um falso messias, parecia que pedia que Elias viesse a anunciá-lO como        Cristo. Mas Elias já tinha vindo na pessoa de João Batista (Mt 17, 13). Em        seguida, sabendo Jesus que tudo estava consumado, para se cumprir        plenamente a Escritura, disse: ‘Tenho sede’ (Jo 19,  28)”.       
        “Meu Deus, meu        Deus, por que me abandonaste?”       (Mt 27,46).       
        José A. Marques escreve:       “Com estas palavras        manifesta o Senhor o sofrimento físico e moral que padece nesses momentos.        De nenhum modo estas palavras são uma queixa contra os planos de Deus”.       
        Santo Tomás de Aquino        escreve: “Jesus        sofreu na cruz umas dores de intensidade inigualável. Padeceu as dores        corporais mais intensas, porque a sua sensibilidade era a mais delicada        que jamais existiu, a sensibilidade de um corpo formado imediatamente pelo        Espírito Santo na Virgem Maria; e a vida que ia deixar era de um preço        inestimável, posto que tinha sido assumido pela divindade. Sofreu também        as mais acerbas dores espirituais. A sua alma estava como destroçada,        dividida entre a visão, por uma parte, da santidade infinita de Deus e,        por outra, da onda incessante de pecado que provém da terra. Pela visão        beatífica, via com um só olhar no espelho do Verbo todo o desenvolvimento        da história, todos os pecados do gênero humano pelos quais oferecia em        satisfação os seus próprios padecimentos. Via também todas as rejeições        das almas, e a força divina de um amor lacerava o seu coração”.
       Charles Journet comenta:       “O clamor: meu Deus,        meu Deus, porque me abandonastes? é um grito de dor, não de desespero.        Como os violentos soluços de Jó e de Jeremias, exprime a angústia da alma        que sente ter chegado ao limite último da sua própria resistência, e que        concita as suas forças para gritar a Deus que a medida está cheia. Meu        Deus, meu Deus, porque me abandonaste? No coração do salmista é um grito        de angústia, não de rebelião, e o começo de um canto de esperança        messiânica”.
       5ª. Palavra
       “Tenho sede”        (Jo 19, 28).
       O Pe. Luis de la Palma        escreve:        “Imediatamente um deles tomou uma esponja, embebeu-a de vinagre e        apresentou-Lhe na ponta de uma vara para que bebesse. Os outros diziam:        ‘Deixa! Vejamos se Elias virá socorrê-lo’ (Mt 27, 49). Apesar de todo        sofrimento na cruz e toda zombaria, o Senhor cumpriu tudo o que estava        estabelecido na Escritura. Dizendo que tinha sede, confirmava o salmo: na        minha sede deram-me vinagre para beber (Sl 68, 22). Estava com uma sede        que O atormentava, pois havia perdido muito sangue. Minha garganta está        seca qual barro cozido, pega-se no paladar a minha língua (Sl 21, 16). Não        pediu   água, apenas disse que tinha sede. Havia ali um vaso cheio de        vinagre (Jo 19, 29), que era uma bebida usada pelos romanos e deram-Lhe        para beber. A Virgem Maria gostaria de saciar a sede de seu Filho, mas os        soldados não deixaram que se aproximasse, e ela continuou sofrendo ali a        mesma sede de seu Filho. Mais do que esta sede que resseca a garganta, o        Senhor tem sede pela nossa salvação. Senhor, gostaria que minhas lágrimas        de arrependimento matassem sua sede, mas, eu que sou muitas vezes, mais        cruel que seus inimigos, sou incapaz de Te dar esse alívio. Porque tinha        sede de mim, o Senhor, desejou padecer muito por mim, por isso não        reclamou da tortura da cruz, porque seu amor era maior e vencia os teus        tormentos. Depois daquele cálice de amargura que bebeu no horto, aceitando        a vontade de Deus, ainda estava com sede. Bendito seja, as torrentes não        poderiam extinguir o amor, nem os rios o poderiam submergir (Ct 8, 7). Foi        uma loucura o que o Senhor fez, é como se tivesse bebido toda a água de um        rio e ainda tivesse sede. É maravilhosa a tua sede de sofrer por nosso        amor. A tua sede de amor meu Deus, foi tanta, que entrou mar adentro e as        ondas te submergiram, afundou num mar de dor até morrer. Em alto mar do        sofrimento ainda diz que tem sede, parece pouca a tua dor? Basta, meu        Deus, Basta! Os soldados que guardavam tinham que esperar até que os        condenados estivessem mortos. Por isso, levavam com eles para acalmar a        sede, uma mistura  de água com vinagre, chamada de posca, traziam também        para dar aos condenados, porque um dos maiores tormentos na cruz, é a        sede. Quando o Senhor disse que tinha sede, um dos soldados espetou uma        esponja na ponta de sua lança, molhou-a na posca e deu de beber a Jesus.        Os outros que não tinham piedade, disseram para deixar, pois Elias iria        salvá-lO. Que se poderia fazer por minha vinha que eu não tenha feito? Por        que, quando esperava vê-la produzir uvas, só deu agraço? (Is 5, 4). Em vez        de vinho, produziu vinagre. Havendo Jesus tomado do vinagre, disse: ‘Tudo        está consumado’ (Jo 19, 30)”.         
       Muito grande devia ter sido        o sofrimento de Jesus causado pela sede. De outras dores, por atrozes que        foram: da flagelação, da coroação de espinhos, da própria        crucificação não se queixa, mas do tormento da sede se lastima, pedindo        fosse-lhe aliviado.
       As circunstâncias em que        Jesus se queixa da sede, dão-nos uma ideia da extensão do seu sofrimento.        Grandes dores geralmente são acompanhadas também de veemente sede, e é a        sede que mais atormenta os pobres crucificados. Desde a hora da última        ceia nenhuma gota de água refrigerara os lábios de Jesus. Grande tinha        sido a perda de sangue na flagelação, na coroação de espinhos, e maior        ainda na crucifixão. Mirrada estava a fonte da vida, e o corpo todo        estremecia em dolorosos arrancos de febre, expostas que se achavam as        feridas todas, desde a cabeça até os pés. Assim os lábios estavam        ressequidos, a língua como que carbonizada, a boca seca e dolorida. Que        náufrago houve que tanto, como Nosso Senhor, fosse atormentado pela sede?        A sede pode chegar a ser um verdadeiro martírio, capaz de levar ao        desespero homens de forte resistência, e morte mais dolorosa que a        provocada pela sede, dificilmente pode haver.
       Reparemos com quanta        humildade Jesus proferiu sua queixa. Nada pede, e só muito tarde,        decorridas muitas horas, manifestava o quanto sofre.
       Se fala, diz apenas estas        duas palavras “tenho sede”, é mais para demonstrar que completo        está o martírio da crucifixão; que não se recusa a beber até a última gota        o cálice da dor e do sofrimento; fala para provar que cumpridas se achavam        as profecias (Jo 19,        28; Sl 68, 22):       “E deram-me fel por        comida, e na minha sede apresentaram-me vinagre”.        - Fala para revelar ao mundo, que outra sede o torturava, uma sede de        outra espécie, da qual a sofrida na cruz é apenas imagem apresentava: a        sede pela salvação dos homens, inclusive dos judeus. O desejo que O        devorava de possuir suas almas, era muito mais intenso do que deles obter        um leve lenimento que não lhe negariam, embora inimigos e algozes        desalmados que eram. Em espírito Ele via todos os homens, que só e        unicamente por Ele podiam achar sua salvação. Seu coração ardia em desejo        de salvar a todos, e esta sede o cruciava infinitamente mais que a forte        sensação da sede corporal e física. Outra não foi e não podia ser a        finalidade de toda a sua Paixão e Morte, senão a salvação do gênero        humano: “Tenho        sede!’ Estas palavras acendiam em mim um ardor estranho e acendrado...        Queria dar de beber ao meu Bem-Amado”        (Santa Teresa do Menino        Jesus), e:        “Além da natural desidratação        que produzia o suplício da cruz, pode também ver-se na sede de Jesus uma        manifestação do seu desejo ardente por cumprir a vontade do Pai e salvar        todas as almas”       (José A. Marques),        e também: “Do alto        da cruz clamou: tenho sede. Sede de nós, do nosso amor, das nossas almas e        de todas as almas que lhe devemos levar pelo caminho da Cruz, que é o        caminho da imortalidade e da glória do Céu”       (São Josemaría        Escrivá).
       O seu pedido foi atendido        imediatamente, se bem que de uma maneira assaz precária e humilhante.        Ainda fosse um gole de água fresca ou de vinho reconfortante; - mas não:        ofereceram-Lhe uma esponja embebida em vinagre, e não sem adicionar        zombarias indignas e ofensivas.
       “Correndo um, e ensopando uma        esponja em vinagre –        relata São Marcos,        - e atando-a numa cana, deu-lhe de beber, dizendo: ‘Deixai, vejamos se        Elias vem livrá-lo”       (Mc 15, 36).        Foi este o refrigério único, que já nas vascas da agonia foi oferecido        Àquele que aos homens deu e dá tudo e em abundância: água deliciosa,        vinho saboroso e bebidas agradáveis! Nem um gole d’água as suas        criaturas Lhe deram! A água ficou longe dos seus lábios, como longe ficou        dos lábios do mau e amaldiçoado rico. Também a sua sede espiritual não        teve tão desejada satisfação. Nem o mau ladrão mitigou o seu sofrimento        com a dádiva de sua alma. Ele a negou, preferindo entregá-la a Satanás.        Assim é até hoje. Todos passam pela cruz de Cristo e quantos não lhe negam        a sua alma, preferindo lançá-la ao inferno. 
Grande foi        também a dor de Maria Santíssima e das santas mulheres, que assistiram bem        de perto esta cena tristíssima e desoladora. Não lhes faltaria a coragem e        a prontidão de, com perigo de vida, buscar um pouco           d' água,        como o fizeram os guerreiros de Davi (1 Cr 11, 18). Nada, porém,        podiam fazer. Era-lhes vedada qualquer intervenção a favor do crucificado.        Acompanhando-O na sua dor, lendo  nos seus olhos a luz da vida se apagar,        vendo sua boca entreaberta e seus lábios mirrados de sede ardente, nenhum        socorro Lhe podiam prestar, senão o da sua boa vontade, da sua alma e do        seu amor.
6.ª Palavra
       “Tudo está consumado”        (Jo 19, 30).
Já ia para        três horas dolorosíssimas que Jesus pendia na cruz. Lentamente a morte se        aproximava. O corpo de Nosso Senhor, todo já sem força, começou a ceder no        seu peso natural, parecendo que os pregos não mais o pudessem segurar. O        rosto se recobria da lividez cadavérica. Das chagas corriam filetes de        sangue escuro, quase preto. O semblante se alongava; a fisionomia se        afilava toda, as faces se encovavam, os lábios arroxeados e semi-abertos        deixavam aparecer a língua, os olhos, injetados de sangue, ainda se moviam        vagamente e sem fixidez. - Profundo silêncio... Entre sofrimentos        indizíveis, misteriosos e colóquios com o Eterno Pai vinha chegando a        morte.
Ainda uma vez        Jesus levantou a cabeça coroada de espinhos e exclamou:        “Tudo está consumado”        (Jo 19, 30)        . Com isto queria Ele dizer: “Estou no        fim da minha vida: esgotaram-me as torturas e maus tratos. A morte entra        nos seus direitos. Minha tarefa está cumprida; cumpridas estão as        profecias, feita está a vontade de meu Pai, nada me resta a fazer.        Exterminado está o pecado, satisfeita a justiça divina. Garantidas estão a        graça e a glória, terminada se acha a minha missão; repleto está o tesouro        dos merecimentos...”
O Pe. Luis de        la Palma escreve: “O        Senhor foi enviado com duas missões: ser o Messias e o Redentor, e as        cumpriu perfeitamente. Na última ceia orou ao Pai: ‘Eu te glorifiquei a        terra. Terminei a obra que me deste para fazer. Agora, pois, Pai,        glorifica-Me junto de Ti, concedendo-Me a glória que tive junto de Ti,        antes que o mundo fosse criado. Manifestei o Teu nome aos homens que do        mundo Me deste’ (Jo 17, 4-6). Antes de sofrer, havia dito: ‘Eis que        subiremos a Jerusalém. Tudo o que foi escrito pelos profetas a respeito do        Filho do Homem será cumprido’ (Lc 18, 31). Agora tudo estava cumprido, até        a última letra que escreveram os profetas. Na cruz tudo se cumpriu, para        que os eleitos de Deus soubessem que na cruz está a força de Deus, a        plenitude e perfeição de todas as coisas. O que é mistério para o homem, o        que é escândalo para os judeus e loucura para os gentios, é onipotência de        Deus. Tudo está consumado: bebi o cálice de Minha Paixão, sem deixar uma        gota nele; as profecias foram cumpridas e toda a Escritura encontrou seu        sentido em Mim; paguei a dívida dos homens e comprei-os, para lhes dar a        glória; a amizade de Deus com os homens foi restabelecida. Eu venci,        termina Minha vida na terra e começa o triunfo de Minha glória.        Consummatum est. Palavras misteriosas que encerram tudo o que Jesus Cristo        realizou para nossa redenção. Somente quem a realizou conhece o sentido        profundo. Devemos nos colocar junto da cruz para chegar a conhecer esse        mistério. Na presença do Senhor, com a ajuda da sua graça, meditaremos        como era grande a dívida que Adão transmitiu aos seus filhos em        desobedecer a Deus. Por ser o nosso pai, estava obrigado a pagar a dívida.        Mas nem ele, nem nós, mesmo juntando toda a riqueza do mundo, poderíamos        pagar. Pelos pecados voluntários dos homens, a dívida aumentava a cada        instante. Os demônios estavam preparados para levar as almas dos homens        para o inferno, onde ficariam eternamente, pois não teriam condições de        quitar a dívida. Mas o Senhor é misericordioso, desceu do céu para        resgatar nossa dívida, pagar o que não tinha roubado (Sl 68, 5). Pagou com        seu sangue na cruz, rasgou nossas promissórias e nos anistiou.        Converteu-se em nosso Senhor e deu-nos a liberdade, tirando do demônio o        direito que tinha sobre nós. Antes de partir deu a boa notícia: Tudo está        cumprido, a dívida foi paga, estão todos livres. Foi tão generosa a sua        redenção; pagou excessivamente acima da nossa dívida, que além de nos        libertar do inferno, conseguiu-nos a vida eterna. A Paixão do Senhor        mereceu a glória para todos; antes, os nossos solitários sofrimentos não        conseguiam pagar, mas, agora unidos aos de Cristo, fazem jus ao pagamento        de nossos pecados. Com o pagamento na Cruz, o homem que era pobre, ficou        enriquecido com a misericórdia de Deus. Antes tremíamos em pensar na        justiça de Deus, agora podemos pedir o prêmio, pois nenhum atleta será        coroado, se não tiver lutado segundo as regras (2 Tm 2, 5). Perante o        tribunal divino, podemos reivindicar, porque pelas palavras de Cristo,        tudo está pago. Os homens com seus pecados desobedeciam a Deus, estavam em        uma situação miserável. Como poderiam se esconder da justiça divina?        Ninguém podia estar em paz com Deus; não havia consolo. Quem poderia ser        mediador entre Deus e os homens para poder alcançar o perdão? Por outro        lado, não se pode fazer a paz, se não há satisfação dos agravos feitos. O        homem era fraco, não tinha poder de desagravar e nem forças para não        voltar a ofender a Deus. Esta é a causa pela qual não se alcançava a paz        entre Deus e os homens. Uma guerra contra Deus, somente poderia levar o        homem à condenação eterna. Mas, Deus tem um coração piedoso. Enviou um        mediador, Jesus Cristo, para ajudar a salvar os homens.       ‘Porque aprouve a Deus fazer habitar nele toda a        plenitude e por seu intermédio reconciliar consigo todas as criaturas, por        intermédio daquele que, ao preço do próprio sangue na cruz, restabeleceu a        paz a tudo quanto há na terra e nos céus”   (Cl 1, 19-20). Estava o        príncipe da paz cravado na cruz, levantado entre o céu e a terra,        garantindo a paz eterna. E este tratado de paz foi assegurado na presença        da corte celeste, pois o Senhor vê a Deus face a face. Oferecia da parte        dos homens o Seu sangue e a Sua vida para saldar as dívidas e desagravar        as injúrias cometidas contra Deus. Dirigiu preces e súplicas, entre        clamores e lágrimas, Àquele que podia salvar da morte, e foi atendido pela        sua piedade (Hb 5, 7), e pelo imenso amor que o Pai sente pelo Filho.        Firmado este acordo de paz eterna, Consummatum est. Ao morrer na cruz, o        Senhor se fez autor e consumador de nossa fé        (Hb 12, 1). Na cruz realizou a consumação do que acreditamos e deu firmeza        para as que esperamos; mostrou o caminho para alcançar as coisas do alto,        e animou-nos para deixar por Ele, todas as coisas materiais. Na cruz se        tornaram realidades todas as promessas de Deus.        ‘Porque todas as promessas de Deus são ‘sim’ em Jesus’ (2 Cor 1,        20). Pois a lei nada levou à perfeição (Hb 7, 19), estava cheia de        cerimônias inúteis e vazias. ‘Agora, porém,        conhecendo a Deus, ou melhor, sendo conhecidos por Deus, como é que        tornais aos rudimentos fracos e miseráveis, querendo de novo        escravizar-vos a eles?’ (Gl 4, 9). ‘Por        uma só oblação ele realizou a perfeição definitiva daqueles que recebem a        santificação’ (Hb 10, 14).  Tudo está consumado, tudo está        perfeito, tudo foi cumprido. Levei até o fim o que a eterna sabedoria        tinha fixado. Paguei o que pedia sua justiça e tudo foi feito em favor do        homem, porque Deus é piedoso e cheio de misericórdia. Tudo o que os        patriarcas prometeram, tudo que os profetas anunciaram, todas as imagens e        símbolos a meu respeito, tudo está cumprido. Ensinei tudo, para que deixem        a ignorância e corrijam os erros; dei o remédio para curar o mal. Não        falta nada para os tíbios, para que se tornem fervorosos e fortes; todo        consolo foi deixado, para que se tornem santos. Venci o mundo, agora podem        também triunfar sobre as forças demoníacas, porque tudo está consumado.        Com seu exemplo, aprendemos a não desistir nunca daquilo que começamos        para a glória de Deus. Por muitas dificuldades que se apresentem, por        muitos inconvenientes que nos ponham, não devemos nunca voltar atrás. Para        que não digam de nós; ‘este homem começou a        edificar, mas não pode terminar’ (Lc 14, 30). Desse modo, cercados        como estamos de uma tal nuvem de testemunhas, desvencilhemo-nos das        cadeias do pecado. ‘Corramos com perseverança ao        combate proposto, com o olhar fixo no autor e consumador de nossa fé,        Jesus. Em vez de gozo que se lhe oferecera, Ele suportou a cruz e está        sentado à direita do trono de Deus. Considerai, pois, atentamente aquele        que sofreu tantas contrariedades dos pecadores, e não vos deixeis abater        pelo desânimo. Ainda não tendes resistido até o sangue na luta contra o        pecado’ (Hb 12, 1-4). ‘Combate pela        justiça a fim de salvar tua vida; até a morte, combate pela justiça’        (Eclo 4, 33). ‘Sê fiel até a morte e te darei a        coroa da vida’ (Ap 2, 10). Não devemos fugir da cruz, mas        perseverar nela, até que se cumpra em nós, inteiramente a vontade de Deus.        Com o tempo, todas as contrariedades e penas terminam. O que no começo        parece insuportável, se sofrermos um pouco e voltarmos nosso pensamento ao        Senhor, tudo passa rapidamente. Nunca nos faltará o consolo de Cristo. A        Virgem Maria levantou os olhos ao escutar que tudo estava consumado.        Tentou erguer a cabeça do Senhor, mas suas mãos não o alcançavam, caíram        seus braços sem poder abraçar seu Filho; Jesus morria, e ela não podia        morrer com Ele. O seu corpo desfalecia; sua alma estava tão unida à de seu        Filho, que morria na dor com Ele. De repente, viu-O tomar o último fôlego        e exclamar suas últimas palavras. Jesus deu então um grande brado e disse:          ‘Pai, nas tuas mãos entrego meu espírito. E        dizendo isso, expirou” (Lc 23, 46)”.       
       Charles Journet escreve:       “Jesus não veio para        cumprir as profecias; veio para fazer a vontade de seu Pai: Desci do céu,        não para fazer a  minha vontade, mas a vontade daquele que me enviou...        (Jo 6, 38). Não busco a minha vontade, mas a vontade daquele que me        enviou... (Jo 5, 30). O meu alimento é fazer a vontade daquele que me        enviou e realizar a sua obra (Jo 4, 34). Mas ao fazer a vontade do Pai,        cumpre as profecias. Ele sabe-o. No fim da sua vida, quando a obra de Seu        Pai está realizada, todas as profecias estão cumpridas, até mesmo a que        anunciava que ao justo lhe dariam a beber vinagre, e pôde dizer: Tudo        está consumado. Tudo se cumpriu, tudo está consumado: isto significa        não só que as profecias se cumpriram, mas também que o foram de uma        maneira tão elevada, tão plena, tão divina, que ultrapassa a esperança de        Israel”.
 7.ª Palavra
       “Pai, em tuas mãos encomendo        o meu espírito”        (Lc 23, 46).
       O Pe. Luis de la Palma        escreve:        “Quando colocamos algo valioso        nas mãos de outro, é porque confiamos que esta pessoa cuidará bem, como se        fosse seu. Se isso acontece conosco, que somos muitas vezes mentirosos e        fazemos as coisas mal feitas; muito mais razoável e sensato é que        confiemos em Deus, pois ‘o Senhor é fiel nas        suas palavras e Santo em tudo o que faz’ (Sl 144, 13). Por acaso        conhecemos alguém que esperou algo de Deus e não foi atendido? Tudo o que        temos é de Deus; devemos considerar e crer que é bom tudo o que faz em        nós, amar e obedecer o que dispõe sobre nós.  É mais valiosa esta        confiança em Deus, quando estamos a sofrer uma contrariedade. Nestes        momentos, além de confiar, devemos nos colocar em Suas mãos e dizer: seja        feita a Vossa vontade. Assim, manifestamos que Ele é justo e santo em        tudo, ainda que nos levasse à morte. ‘Se ele me        mata, nada mais tenho  a esperar, e assim mesmo defenderei minha causa        diante dele’ (Jó 13, 15). Assim, ensinou o Mestre, confiou sempre        em Deus, mesmo no meio dos tomentos. Antes de começar sua Paixão, colocou        nas mãos de Deus sua vida e sua honra: ‘Meu Pai, se é possível, afasta de        mim este cálice! Todavia não se faça o que eu quero, mas sim o que tu        queres. Meu pai, se não é possível que esse cálice passe sem que eu beba,        faça-se a tua vontade!’ (Mt 26, 39-42). Tendo certeza que essa era a        vontade de Deus, quando Pedro tentou persuadi-lO, disse:       ‘Não hei de beber o cálice que o Pai me deu?’        (Jo 18, 11). O Senhor se colocou totalmente nas mãos de seu Pai, mesmo        depois de ver a morte e vergonha que sofreria; da flagelação e dor e das        horas angustiantes na cruz. Ainda assim, confia plenamente e entrega seu        espírito ao Pai. Chamou de Pai antes de sofrer, e continuou chamando de        Pai quando estava para morrer. Sabia com certeza que ressuscitaria ao        terceiro dia, que esta vitória Lhe era devida pelos seus méritos; no        entanto, não quis fazer justiça por Suas mãos, se colocou nas mãos de        Deus, esperando pelos três dias, onde retomaria seu corpo, já glorioso e        imortal. As mãos de Deus era o lugar mais seguro, nelas nada poderia a        morte. ‘As almas dos justos estão nas mãos de Deus, e nenhum tormento os        tocará’ (Sb 3, 1). Os que tem fé, sabem que para onde for a alma, lá        ficará para sempre. Não há outra saída, só Deus pode salvar o homem. Não        podemos fazer outra coisa, a não ser se colocar nas mãos de Deus e confiar        na sua misericórdia e dizer: ‘Pai, nas tuas mãos        entrego o meu espírito’. O senhor com esse brado mostrou a        confiança e segurança com  que morria, o triunfo que conquistava sobre        seus inimigos. Foi um clamor de vencedor. Demonstrou que era Senhor da        vida e da morte, que morria por seu próprio desejo; como teve forças para        dar esse grito, também poderia estender sua vida o tempo que quisesse.        Tanto que o centurião que estava diante de Jesus, ao ver que Ele tinha        expirado assim, disse: ‘Este homem era realmente        o Filho de Deus’ (Mc 15, 39). Jesus na cruz falou sete vezes, ao        contrário do silêncio em sua defesa durante todo o julgamento. Tanto que a        própria escritura pondera seu silêncio: ‘Eis o        meu servo que eu amparo, meu eleito ao qual dou toda minha afeição, faço        repousar sobre ele meu espírito, para que leve às nações a verdadeira        religião. Ele não grita, nunca elevará a voz, não clama nas ruas’        (Is 42, 1-2). ‘Foi maltratado e resignou-se; não        abriu a boca’ (Is 53,7). Não se defendeu perante as acusações,        inclusive disse ao pontífice: ‘Por que me        perguntas? Pergunta àqueles que ouviram o que lhes disse. Estes sabem o        que ensinei’ (Jo 18, 21). Sete vezes falou na cruz, não em sua        defesa, mas para nosso proveito; três vezes falou com Deus, nas outras        quatro, falou com os homens: a primeira foi para perdoar o ladrão; a        segunda vez, com sua Mãe e João; a terceira foi para dizer que tinha sede,        e que bebia o único fruto da sinagoga, o vinagre; a quarta vez dirigiu-se        à nova Igreja, proclamando que tudo estava terminado, e que tinha        conseguido a sua salvação. A primeira vez que falou na cruz foi com Deus,        depois falou com Ele, uma vez no meio e por fim, dirigiu-lhe as últimas        palavras. Foi um exemplo de como devemos recorrer a Deus em todas as        ocasiões. Ele deve ser o princípio e o fim, e estar no meio das nossas        ações. A  Deus não é preciso gritar, pois ouve o mais silencioso desejo de        nossa alma. Mas, Jesus bradou para que soubéssemos e ficássemos seguros,        de que suas preces tinham sido ouvidas por Deus. ‘Eu bem sei que sempre me        ouves, mas falo assim por causa do povo que está em volta para que creiam        que tu me  enviastes’ (Jo 11, 42). Nos dias de sua vida mortal, dirigiu        preces e súplicas entre clamores e lágrimas, àquele que o podia salvar da        morte, e foi atendido pela sua piedade. ‘Embora fosse filho de Deus,        aprendeu a obediência por meio dos sofrimentos que teve’ (Hb 5, 7-8).        ‘Porque vós não abandonareis minha alma na habitação dos mortos, nem        permitireis que vosso Santo conheça a corrupção’ (Sl 15, 10). Pedia o que        já estava anunciado simbolicamente em Jonas, que ao terceiro dia voltaria.        Jesus, depois de se dirigir ao Pai, ‘inclinou a cabeça e rendeu o        Espírito’ (Jo 19, 30). Com tudo que sofreu, desde a noite anterior, sem        descansar ou dormir, ainda resistiu por mais de três horas. Ele mesmo        havia dito: ‘O Pai me ama, porque dou a minha vida para retomar. Ninguém a        tira de mim, mas eu a dou de mim mesmo e tenho o poder de reassumi-la. Tal        é a ordem que recebi de meu Pai’ (Jo 10, 17-18).        Os que odeiam a minha vida armam-me ciladas; os que me procuram perder        ameaçam-me de morte; não cessam de planejar traições (Sl 37, 13). Mesmo        assim, ninguém lhe tirou a vida, somente quando desejou. Só quando toda a        Escritura tinha se cumprido deu o grito e entregou sua alma. Morreu        erguido como um valente. A cruz sustentava aquele corpo sagrado, que        representava para Deus o preço da nossa salvação; e para os homens o        consolo dos nossos sofrimentos; o exemplo para a nossa vida, o guia do        nosso caminho, a nossa esperança, o nosso amor e a imagem dos escolhidos.        Jesus na cruz também é o desespero dos demônios, o vencedor da morte e do        pecado, o Santo. Do alto da cruz nos ensina, nos censura, nos alenta e nos        ama, apesar de sua morte, ele ainda fala (Hb 11, 4)”.          
       Exclamando em alta voz,        elevado o olhar ao céu, com expressão de        confiança filial e de completa conformidade, disse:        “Pai, em tuas mãos encomendo o meu espírito!”        Esta exclamação do Salvador contém para nós o ensinamento de aceitarmos a        morte com oração, com os sentimentos de amor, de dedicação irrestrita e de        confiança incondicional. Jesus reconhece no Pai o autor, a origem de todas        as coisas, o Senhor da vida e da morte. Nas mãos do Pai, de quem a        recebeu, entrega a sua alma. Mais: podia parecer dura a maneira de que o        mesmo Pai O tinha abandonado na sua agonia. Mas este gesto de inexorável        justiça não conseguira diminuir o seu amor filial.        “Tu és o que me tiraste do ventre materno, és a        minha esperança desde os peitos de minha mãe. Tu és o meu Deus desde o        ventre materno” (Sl 21,        10-11).        “Ainda que me mate, nele porei a minha esperança”       (Jó 13, 15).        Chama-O de Pai, e agora, prestes a entregar sua alma, não sabe a quem        confiadamente se dirigir, senão ao Pai celestial. O que de mais precioso        possui ao deixar esta vida, é ao Pai que o confia: sua alma.
Assim se        avizinhou a morte, a morte, a mais dura das provações, a morte que        constitui para a natureza dos sacrifícios o maior e mais doloroso; a        morte; a humilhação máxima, que quais criminosos cúmplices        desapiedadamente separam corpo e alma; a morte, o combate último e        desesperado, em que a vida, sitiada e rebatida de todos os lados opõe a        última resistência; a morte, a dor mais profunda, cujo amor que às        vezes se revela numa última lágrima que se desprende dos olhos, ou numa        contração dolorosa e característica nas comissuras dos lábios; a morte, o        triste fruto do pecado, que com seu cetro aniquilador acena a todos        os descendentes de Adão e os converte em pó; esta morte se aproximou de        Jesus. Teria ela poder sobre o Santíssimo, sobre o autor de toda a vida;        obrigá-lO a se sujeitar ao seu império duro e tenebroso? Assim aconteceu,        porque Ele mesmo assim o quis.
       “E inclinando a cabeça, rendeu        o espírito” (Jo 19,30).
        Eram        três horas da tarde. Morreu, porque Ele assim determinara. O Evangelista        que nos relata a morte de Jesus parece ver na inclinação da cabeça, no        momento da morte, a manifestação da livre vontade de Nosso Senhor; porque        ordinariamente a morte do crucificado se dá de modo inverso: a vítima        morre, e, morto, inclina a cabeça. Três Evangelistas (Mt 27, 50; Mc 15,        37; Lc 23, 46) dizem que Jesus, no momento de exalar o último suspiro,        soltou um alto e vigoroso grito, circunstância esta que deu ao capitão        romano a convicção de Jesus ser realmente o Filho de Deus, e desta        convicção deu testemunho. Assim a morte de Jesus revela não só toda a        fraqueza de sua verdadeira natureza humana, como também traz o estigma da        sua autonomia divina, de Deus-Homem.
Jesus morreu        em sua majestade do Filho de Deus, sua morte tem todos os característicos        de santidade perfeitíssima, na execução das mais belas virtudes, na        submissão incondicional à suprema vontade de Deus Pai, pela obediência,        pela confiança e pelo amor a Deus e aos homens. Sua morte não é só, como a        morte de todo o justo é, “preciosa é aos olhos        do Senhor” (Sl 115, 6),        mas o modelo, a coroa, a consumação, a fonte        de toda morte santa, como de toda a vida. Nós vivemos na sua morte        vivificadora. Tudo isto Ele nos mereceu com sua morte dolorosa e        amaríssima.
Coloquemo-nos        ao lado de Maria Santíssima, de São João e das santas mulheres,        testemunhas que foram da morte de Jesus e lhe assistiram até o último        momento. Sigamos o seu exemplo e unamo-nos aos seus sentimentos, à sua        angústia e profunda dor. Com Maria Santíssima e as demais santas pessoas        professemos a divindade de Jesus e O adoremos. Choremos, choremos os        nossos pecados, cuja vítima vemos pagar o mais alto e mais doloroso        resgate.
Ensina-nos o        Puríssimo Coração de Maria celebrar dignamente a morte de Jesus no íntimo        de nossa alma. Foi o Puríssimo Coração de Maria o altar vivo, sobre        o qual o Cordeiro se imolou pelos pecados do mundo, e ninguém acompanhou        aquele tremendo sacrifício com tanto amor e com tão admiráveis sentimentos        e intenções como a Mãe de Jesus. Sendo ela, que na encarnação e no        nascimento de Jesus, com o seu amor e sua adoração representou a        humanidade toda, idêntica é a sua missão na morte de seu Filho. Foi ela a        primeira a realizar a solene adoração da Cruz, que a Igreja anualmente, e        de um modo tão comovedor renova na Sexta-Feira Santa, quando canta:        “Eis o Lenho da Cruz, do qual pendeu a salvação do mundo! Vinde,        adoremo-lo! Ó Deus Santo. Ó Deus forte. Ó Deus imortal, compadecei-vos de        nós!”
Pe. Divino Antônio Lopes FP.
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