terça-feira, 28 de junho de 2011

Explicação do Símbolo da Fé (Credo).




Por São Francisco Xavier - Ternate, Agosto-Setembro de 1546 - Cópia em português, feita em 1553.



Folgai, cristãos, de ouvir e saber como Deus, criando,
fez todas as coisas para serviço dos homens.

1. Primeiramente, criou os céus e a terra, os anjos, o sol, a lua, as estrelas, o dia com a noite, as ervas, os frutos, aves e alimárias que vivem na terra, o mar e os rios, os peixes que vivem nas águas; e, acabadas de criar todas as coisas, por derradeiro criou o homem à sua imagem e semelhança.

O primeiro homem que Deus criou foi Adão, e a primeira mulher Eva. Depois que Deus criou Adão e Eva, no paraíso terreal, os bendisse e casou e lhes mandou que fizessem filhos e povoassem a terra de gente. De Adão e Eva viemos, todas as gentes do mundo.

E pois Deus a Adão não deu mais de uma mulher, claro está que, contra Deus, os moiros e gentios e os maus cristãos têm muitas mulheres; e também é verdade que os que estão amancebados vivem contra Deus, pois casou Deus primeiro Adão e Eva que lhes mandasse que crescessem e [se] multiplicassem, fazendo filhos de bênção[2].

E assim, os que adoram em pagodes, como fazem os infiéis, e os que crêem em feitiços e sortes e adivinhadores[3] pecam, gravemente, contra Deus, porque adoram e crêem no diabo e o tomam por seu senhor, deixando a Deus que os criou e lhes deu alma e vida e corpo e quanto têm, perdendo, os tristes, por suas idolatrias, o céu, que é lugar das almas, e a glória do paraíso, para o qual foram criados. Mas, os cristãos verdadeiros e leais a seu Deus e Senhor crêem e adoram, de vontade e coração, um só Deus verdadeiro, Criador dos céus e da terra. Bem o mostram quando vão às igrejas e vêem suas imagens que são lembranças dos santos que estão com Deus, em a glória do paraíso: põem, então, os cristãos os joelhos no chão, quando estão nas igrejas, e alevantam as mãos para os céus, onde está o Senhor Deus que é todo o seu bem e consolo, confessando o que diz São Pedro:

Creio em Deus Padre todo-poderoso, criador do céu e da terra.

2. Criou Deus primeiro os anjos nos céus que os homens na terra. São Miguel, principal de todos, e a maior parte dos anjos adoraram logo ao seu Deus, dando-lhe graças e louvores que os criou. Lúcifer, pelo contrário, e com ele muitos anjos, não quiseram adorar ao seu Criador mas, com soberba, disseram: «Assubamos e sejamos semelhantes a Deus que está nos altos céus». E, pelo pecado da soberba, Deus lançou a Lúcifer e aos anjos que eram com ele, dos céus ao inferno.

Lúcifer, com inveja de Adão e de Eva, primeiros homens que em graça Deus criou, os atentou de pecado de soberba, no paraíso terreal, aconselhando-os que seriam como Deus, se comessem do fruto que seu Criador lhes defendeu[4]. Adão e Eva, com desejos de serem como Deus, consentiram na tentação: comeram logo do fruto defeso, perdendo a graça na qual foram criados.
E, por seus pecados, o Senhor Deus os lançou do paraíso terreal: viveram fora dele, em trabalhos, novecentos anos, fazendo penitência do pecado que fizeram. Foi tão grande o seu pecado, que nem Adão nem filhos dele o podiam satisfazer, nem tornar a ganhar a glória do paraíso, a qual perderam por sua soberba: por quererem ser como Deus. De maneira que as portas dos céus se fecharam, sem poderem lá entrar nem Adão nem filhos dele, pelo pecado que fizeram.

Ó cristãos, que será de nós, coitados?! Se os demónios, por um pecado de soberba, foram lançados dos céus ao inferno, e Adão e Eva, por outro pecado de soberba, do paraíso terreal, como [é que] nós, tristes pecadores, subiremos aos céus, com tantos pecados, sendo clara nossa perdição?[5]

3. São Miguel, nosso amigo verdadeiro, e os anjos que ficaram nos céus, havendo piedade e compaixão de nós outros, pecadores, todos os anjos juntos pediram ao Senhor Deus misericórdia do mal [em] que nos viram pelo pecado de Adão e Eva. Diziam os anjos nos céus: «Ó bom Deus e Senhor piedoso e Pai de todas as gentes! Já, Senhor, é chegado o tempo da salvação das gentes! Abri, Senhor, as portas dos céus aos vossos filhos, pois nasceu, de Santa Ana e Joaquim, aquela Virgem sem pecado de Adão, sobre todas as mulheres santíssima, por nome Maria! A sua virtude e santidade é sem par. De maneira que, em Virgem tão excelente, vós, Senhor, podeis formar, do seu sangue virginal, um corpo humano, assim como, Senhor, formastes o corpo de Adão, pela santa vossa vontade. Em tal corpo, pois sois poderoso, podeis, Senhor, juntamente criar uma alma mais santíssima que todas quantas criastes. Então, no mesmo instante, a segunda Pessoa, Deus Filho, descenderá[6] dos céus, onde está, a encarnar no ventre da Virgem Maria. E, desta Virgem tão excelente, nascerá Jesus Cristo, vosso Filho, Salvador de todo o mundo. Assim, Senhor, se cumprirão as escrituras e promessas que fizestes aos profetas e patriarcas, amigos vossos, que estão no limbo, esperando o vosso Filho, Jesus Cristo, seu Senhor e Redentor»[7].

O alto Deus, soberano e poderoso, movido de piedade e compaixão, vendo nossa miséria grande, mandou ao anjo São Gabriel, dos céus à cidade de Nazaré, onde estava a Virgem Maria, com uma embaixada, que dizia: «Deus te salve, Maria, cheia de graça, o Senhor é contigo, benta és tu, entre as mulheres. O Espírito Santo virá sobre ti, e a virtude do altíssimo Deus te alumiará, e o que de ti nascer se chamará Jesus Cristo, Filho de Deus». A Virgem Santa Maria respondeu ao anjo São Gabriel: «Eis aqui a serva do Senhor, seja feita em mim a sua santa vontade». No mesmo instante que a Virgem Santa Maria obedeceu à embaixada que, de parte de Deus Pai, São Gabriel lhe trouxe, Deus formou, no ventre desta Virgem, um corpo humano do seu sangue virginal e, juntamente, criou uma alma no mesmo corpo. A segunda Pessoa, Deus Filho, naquele instante, encarnou no ventre da Virgem Maria, unindo a alma e o corpo tão santíssimos! E do dia em que o Filho de Deus encarnou, até ao dia em que nasceu, nove meses se passaram. Acabado este tempo, Jesus Cristo, Salvador de todo mundo, sendo Deus e homem verdadeiro, nasceu da Virgem Santa Maria!

Continua...

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Notas

1. Ensinava-se cantando, ao gosto das crianças. Cf. SCHURHAMMER, Epp. Xav. I 352-354, onde nos fala da catequese ritmica de S. Francisco Xavier, tão vulgar no seu tempo.
2. No reino de Ternate, onde Xavier redigiu esta explicação do Credo, viviam portugueses em costumes morais muito influenciados por pagãos e maometanos. Deles escreve Valignano: «De Amboino foi o P. M. Francisco a Maluco… e achou os portugueses vivendo em muito peor estado que os de Malaca, porque… se persuadiam ser-lhes lícito ter todas as mancebas que queriam, para não pecar com as casadas» (MX I 74; VALIGNANO, História 98).
3. Isto podia-se dizer em primeiro lugar dos pagãos, mas também dos maometanos e das mulheres indígenas dos portugueses.
4. Proibiu.
5. Neste lugar expõe Xavier interpelações da meditação dos «três pecados», que faz parte dos Exercícios Espirituais de S. Inácio de Loyola, que tanta impressão lhe fizeram na sua conversão (cf. S. INACIO DE LOYOLA, Exercícios Espirituais, nn.45-53).
6. Descerá.
7. Considerações inspiradas na «Contemplação da Encarnação» nos Exercícios Espirituais inacianos (S. INÁCIO DE LOYOLA, Exercícios Espirituais, nn.101-109).

Fonte: Obras Completas - São Francisco Xavier - Editorial A.O. - Braga e Edições Loyola - São Paulo, Brasil.

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