Entrevista realizada com Pe. Paulo Ricardo para o site http://www.salvemaliturgia.com
A Missa voltada para o povo foi uma adaptação introduzida pelos padres alemães celebravam assim em seus acampamentos com jovens e escoteiros. Isto que era uma situação completamente excepcional tornou-se regra quando da implantação da Reforma Litúrgica.
Na minha opinião a Missa voltada para o povo não tem nenhum fundamento teológico, psicológico ou pastoral, se considerarmos a verdadeira natureza da Missa. Sendo assim, a situação atual rompe completamente com a tradição de dois mil anos. Não há nenhum outro Rito Litúrgico que tenha este tipo de prática.
A Missa orientada tem a importante “missão” de tirar o sacerdote e colocar Deus no centro da celebração. Todos voltados para a mesma direção, sacerdote e assembléia, dirigem-se como Igreja para Deus e oferecem a ele o Divino Sacrifício Eucarístico.
O que fazer então? Segundo o Papa Bento XVI, no livro que você citou, a caminho de retorno, sem que o povo sofra violências, é colocar a cruz de volta no centro do altar. Desta forma o sacerdote celebrante pode olhar claramente para o Crucificado durante a Liturgia Eucarística e não dar ao povo a errada impressão de que está falando com a assembleia.
Bento XVI começou a dar a comunhão na Liturgia do Papa para os fiéis de joelhos, num genuflexório e na boca. Eu fiquei inicialmente chocado com aquilo, até que eu fui estudar. Por que ele é Papa! Se ele está tomando uma atitude, alguma razão tem. Então eu fui estudar quais são as razões, e como é que surgiu a comunhão na mão.
A primeira coisa que me espantou: descobri que a comunhão na mão – que é algo que podemos fazer, porque foi permitido – ela é uma excessão, segundo a lei canônica; ou seja, canonicamente a forma normal, comum, corriqueira , de se
comungar, é na boca. É isso que foi colocado na legislação por Paulo VI e está nas várias legislações de João Paulo II.
Mas desde que Paulo VI concedeu a comunhão na mão, ela é claramente uma exceção, permitam-me a redundância, excepcionalíssima. Vamos ficar com a verdade: a atual legislação da Igreja diz que a comunhão normal é na boca.
No Missal de Paulo VI , quando ele foi aprovado em 1969 e 1970 – são as primeiras aprovações do Missal que nós celebramos – não existe nenhuma referência à comunhão na mão. A coisa surgiu depois. E investigando, eu descobri que nos países do Norte da Europa – Holanda, Alemanha… – o pessoal começou a comungar na mão por iniciativa própria, por desobediência. O Papa ficou sabendo, e o Vaticano disse: parem com isso! Mas o pessoal continuou. Então chegou uma hora em que, para não ter uma rebelião em massa, o Vaticano deu uma autorização as Conferências Episcopais – como a CNBB, aqui no Brasil, por exemplo – para que elas, se acharem oportuno, peçam permissão a Santa Sé e a Santa Sé então dá permissão para a Conferência receber a comunhão na mão; mas o normal continua sendo a comunhão na boca. E isso eu descobri lendo um livro de um Arcebispo que foi responsável por toda a Reforma Litúrgica: Dom Annibale Bugnini (La Riforma Liturgica 1948 – 1975, Roma: CVL). Foi ele o chefe da comissão responsável por elaborar o Missal que nós temos hoje. E isso ele disse claramente, é ele que narra; eu não ouvi isso de uma fofoca.
Quais são as razões de Bento XVI agora estar dando a comunhão na boca e de joelhos? O Papa já falou algumas vezes, quando ele era cardeal, e ultimamente ele tem falado através dos seus ajudantes. Portanto, as informações que vou passar aqui são de ajudantes do Papa, como seu mestre de cerimônias, Mons. Guido Marini; o ex-secretario da Congregação para o Culto Divino, Dom Ranjith, e o atual Prefeito da Congregação para o Culto Divino, cardeal Cañizares.
O Papa acha que nós estamos correndo um risco muito grande de perder a devoção e a fé na Eucaristia. Infelizmente, em alguns lugares da Igreja, a Presença Real de Jesus na Eucaristia está se tornando uma piada: ninguém acredita mais.
São Cirilo de Jerusalém, em suas Catequeses Mistagógicas, recomendava aos seus fiéis que recebessem a comunhão nas mãos, e eu não estou recriminando isso: não é pecado receber a comunhão na mão. Mas São Cirilo não vive nos nossos dias, e eu duvido que na época dele houvesse esse tipo de escândalo que existe hoje, de gente que perdeu a fé na Presença Real de Jesus na Eucaristia. Isso é muito grave e nós precisamos fazer alguma coisa.
Não é uma questão de arqueologia litúrgica: se formos fazer arqueologia, é evidente que a comunhão na mão é muito mais antiga, é muito mais tradicional, do que a comunhão de joelhos e na boca. Mas o problema é que nós estamos em uma época em que a Presença Real de Jesus na Eucaristia está sendo esquecida, deixada de lado, e isso mudou a minha opinião: o Papa tem razão. Uma pessoa que recebe a comunhão de joelhos está se inclinando diante da Majestade de Deus: Deus é Deus, eu não sou nada. A pessoa que está recebendo a Comunhão na boca porque até a migalha mais pequenina da Hóstia Consagrada é preciosa; não somente é pedagógico, mas é verdadeiramente adoração, é verdadeira devoção eucarística, é verdadeira entrega a Deus.
Nos tempos que correm, nós não podemos nos dar ao luxo de arqueologismos litúrgicos. No primeiro milênio não tinha comunhão na boca, mas também não tinha herege que não acreditava na Presença Real de Jesus na Eucaristia. Nós estamos em um tempo diferente, e a Igreja evolui também na sua forma de demonstrar devoção a Cristo. Foi de mil anos para cá que começaram aquelas heresias que negaram a Presença de Cristo na Eucaristia que culminaram com a reforma protestante, que a negou de vez, e agora estamos nessa situação.
O Papa está nos dando exemplo de devoção eucarística, de verdadeira união a tradição da Igreja, mas uma tradição que sabe evoluir ao longo dos tempos; a Igreja sabe, como mãe e mestra, colocar o remédio certo na hora certa. E em um tempo em que, infelizmente, acontecem abusos e padres que perdem a fé na Presença de Jesus na Eucaristia, a Igreja como mãe e mestra quer renovar essa fé.
1. Como V. Revma vê hoje a questão da Liturgia no Brasil e no mundo?
Nós estamos vivendo uma fase nova na história da Liturgia. Nós tivemos durante todo o século 20 um movimento litúrgico extraordinário de retorno as fontes; um progresso imenso no estudo da liturgia. Depois, com execução da Reforma Litúrgica do Vaticano II, houve infelizmente uma aplicação muito errada da Reforma. Ela foi, de certa forma, positiva, mas muito mal aplicada. Agora vivemos uma terceira fase: a fase em que retomamos aquilo que poderíamos chamar de o “bonde perdido”, retomamos o “trem perdido”. Nós estávamos no movimento litúrgico, que foi interrompido por um processo revolucionário da década de 70 e 80, e agora estamos retomando aquele processo litúrgico anterior, para colher os frutos de um verdadeiro movimento litúrgico. É isso que o Papa Bento XVI, pelo menos espera colocar em ato, e aquilo que ele prevê no seu livro “introdução ao Espírito da Liturgia”.2. O saudoso Papa João Paulo II, na sua encíclica Ecclesia de Eucharistia, falava de “sombras” no modo com a Santa Missa é celebrada. Como interpretar essa expressão?
A meu ver essa sombras são exatamente isso: são frutos da má aplicação da Reforma Litúrgica. Nós vemos que, de alguma forma, entrou dentro do processo litúrgico da Igreja Católica uma mentalidade estranha e alheia a Igreja, que nós poderíamos chamar de mentalidade revolucionária, onde as pessoas fazem a Liturgia subjetiva, a partir dos seus gostos, de suas veleidades subjetivas. O Papa alerta para isso, e é necessário então nós retornarmos a forma tradicional da Igreja celebrar a Liturgia, mesmo que tenhamos os ritos litúrgicos do Vaticano II. Mas a Reforma Litúrgica do Vaticano II deve ser executada em sintonia com a tradição de 20 séculos.3. Qual a importância do latim na celebração litúrgica? E do canto gregoriano?
A Liturgia só tem sentido quando ela é recebida do passado. Nós precisamos compreender que um rito litúrgico é algo recebido da tradição, recebido dos nossos pais. E é essa a importância do latim e do canto gregoriano. Ao se fazer orações em latim na Liturgia e ao se cantar cantos que foram cantados por gerações e gerações de cristãos antes de nós, nós tomando a consciência de que estamos vivendo algo que não foi inventado por nós, mas que nos une a uma multidão de santos e santas que viveram antes de nós, e que santificarem com aqueles textos e com aqueles cantos; se eles chegaram a se salvar e estar junto de Deus, também nós podemos fazer.4. É possível resgatar um uso mais regular da língua latina mesmo na forma ordinária do Rito Romano, ou seja, na forma aprova pelo Papa Paulo VI? Como dar os passos para isso?
Não somente é possível como é desejável. Aliás, o próprio Papa Paulo VI e o Concílio Vaticano II sua constituição Sacrassanctum Concilium pediam isso: que os fiéis soubessem recitar e cantar orações em latim e usando o canto gregoriano. Agora, é evidente que tudo isso pode e deve ser feito dentro um processo, de um movimento gradual. Eu costumo sempre dizer que eu odeio tanto revoluções que as rejeito até quando elas são a meu favor. Uma revolução que de repente coloque tudo em latim e em gregoriano seria tão detestável quando a revolução da qual nós estamos querendo nos livrar. O povo de Deus não se move por decreto. O povo de Deus deve ser respeitado e educado lenta e gradualmente, trazido para a plenitude da fé católica e da beleza da Liturgia Católica, porque do contrario seria violentar o povo.5. Quanto a Santa Missa “orientada” ou celebrada em “Versus Deum” (“Voltados para Deus”, isto é, com sacerdotes e fiéis voltados para a mesma direção), que o Cardeal Ratzinger, hoje Papa Bento XVI, recomenda que se faça no seu livro “Introdução ao Espírito da Liturgia”: essa disposição pode ser utilizada mesmo na forma do Rito Romano aprovada pelo Papa Paulo VI? Qual o seu significado?”
Na verdade as rubricas do Missal aprovado por Paulo VI foram escritas pensando nas duas possibilidades: a Missa voltada para o povo ou a Missa voltada para Deus (também chamada de Missa orientada, já que as Igrejas eram construídas de tal forma que o sacerdote pudesse celebrar voltado para o lugar onde nasce o sol). Muita gente fala da Missa voltada para o povo como sendo uma das “conquistas” do Vaticano II. A verdade é que os documentos do Concílio nem tratam do assunto.A Missa voltada para o povo foi uma adaptação introduzida pelos padres alemães celebravam assim em seus acampamentos com jovens e escoteiros. Isto que era uma situação completamente excepcional tornou-se regra quando da implantação da Reforma Litúrgica.
Na minha opinião a Missa voltada para o povo não tem nenhum fundamento teológico, psicológico ou pastoral, se considerarmos a verdadeira natureza da Missa. Sendo assim, a situação atual rompe completamente com a tradição de dois mil anos. Não há nenhum outro Rito Litúrgico que tenha este tipo de prática.
A Missa orientada tem a importante “missão” de tirar o sacerdote e colocar Deus no centro da celebração. Todos voltados para a mesma direção, sacerdote e assembléia, dirigem-se como Igreja para Deus e oferecem a ele o Divino Sacrifício Eucarístico.
O que fazer então? Segundo o Papa Bento XVI, no livro que você citou, a caminho de retorno, sem que o povo sofra violências, é colocar a cruz de volta no centro do altar. Desta forma o sacerdote celebrante pode olhar claramente para o Crucificado durante a Liturgia Eucarística e não dar ao povo a errada impressão de que está falando com a assembleia.
6. O Santo Padre Bento restaurou, recentemente, a Comunhão de joelhos e na boca em suas Missas celebradas em Roma. Muitos se surpreenderam com essa atitude do Papa. O que pensar disso?
Eu devo confessar uma coisa: eu, durante vários anos como padre, insisti terminantemente que as pessoas comungassem na mão, devido aos meus estudos. Eu estudei as catequeses mistagógicas de São Cirilo, e lá ele ensina a comungar na mão. E eu insistia nisso, porque afinal das contas, são os Santos Padres que estão nos ensinando; é a volta às fontes. E eu insistia nisso, e ficava até com raiva quando um seminarista vinha comungar na boca. Mas vejam: eu sou canonista, e também sabia que o seminarista tinha o direito de receber a comunhão na boca. Por isso, eu não proibia, só ficava incomodado. Tudo isso era o que eu lutava e cria até a pouco tempo atrás, até que Bento XVI me deu uma rasteira.Bento XVI começou a dar a comunhão na Liturgia do Papa para os fiéis de joelhos, num genuflexório e na boca. Eu fiquei inicialmente chocado com aquilo, até que eu fui estudar. Por que ele é Papa! Se ele está tomando uma atitude, alguma razão tem. Então eu fui estudar quais são as razões, e como é que surgiu a comunhão na mão.
A primeira coisa que me espantou: descobri que a comunhão na mão – que é algo que podemos fazer, porque foi permitido – ela é uma excessão, segundo a lei canônica; ou seja, canonicamente a forma normal, comum, corriqueira , de se
comungar, é na boca. É isso que foi colocado na legislação por Paulo VI e está nas várias legislações de João Paulo II.
Mas desde que Paulo VI concedeu a comunhão na mão, ela é claramente uma exceção, permitam-me a redundância, excepcionalíssima. Vamos ficar com a verdade: a atual legislação da Igreja diz que a comunhão normal é na boca.
No Missal de Paulo VI , quando ele foi aprovado em 1969 e 1970 – são as primeiras aprovações do Missal que nós celebramos – não existe nenhuma referência à comunhão na mão. A coisa surgiu depois. E investigando, eu descobri que nos países do Norte da Europa – Holanda, Alemanha… – o pessoal começou a comungar na mão por iniciativa própria, por desobediência. O Papa ficou sabendo, e o Vaticano disse: parem com isso! Mas o pessoal continuou. Então chegou uma hora em que, para não ter uma rebelião em massa, o Vaticano deu uma autorização as Conferências Episcopais – como a CNBB, aqui no Brasil, por exemplo – para que elas, se acharem oportuno, peçam permissão a Santa Sé e a Santa Sé então dá permissão para a Conferência receber a comunhão na mão; mas o normal continua sendo a comunhão na boca. E isso eu descobri lendo um livro de um Arcebispo que foi responsável por toda a Reforma Litúrgica: Dom Annibale Bugnini (La Riforma Liturgica 1948 – 1975, Roma: CVL). Foi ele o chefe da comissão responsável por elaborar o Missal que nós temos hoje. E isso ele disse claramente, é ele que narra; eu não ouvi isso de uma fofoca.
Quais são as razões de Bento XVI agora estar dando a comunhão na boca e de joelhos? O Papa já falou algumas vezes, quando ele era cardeal, e ultimamente ele tem falado através dos seus ajudantes. Portanto, as informações que vou passar aqui são de ajudantes do Papa, como seu mestre de cerimônias, Mons. Guido Marini; o ex-secretario da Congregação para o Culto Divino, Dom Ranjith, e o atual Prefeito da Congregação para o Culto Divino, cardeal Cañizares.
O Papa acha que nós estamos correndo um risco muito grande de perder a devoção e a fé na Eucaristia. Infelizmente, em alguns lugares da Igreja, a Presença Real de Jesus na Eucaristia está se tornando uma piada: ninguém acredita mais.
São Cirilo de Jerusalém, em suas Catequeses Mistagógicas, recomendava aos seus fiéis que recebessem a comunhão nas mãos, e eu não estou recriminando isso: não é pecado receber a comunhão na mão. Mas São Cirilo não vive nos nossos dias, e eu duvido que na época dele houvesse esse tipo de escândalo que existe hoje, de gente que perdeu a fé na Presença Real de Jesus na Eucaristia. Isso é muito grave e nós precisamos fazer alguma coisa.
Não é uma questão de arqueologia litúrgica: se formos fazer arqueologia, é evidente que a comunhão na mão é muito mais antiga, é muito mais tradicional, do que a comunhão de joelhos e na boca. Mas o problema é que nós estamos em uma época em que a Presença Real de Jesus na Eucaristia está sendo esquecida, deixada de lado, e isso mudou a minha opinião: o Papa tem razão. Uma pessoa que recebe a comunhão de joelhos está se inclinando diante da Majestade de Deus: Deus é Deus, eu não sou nada. A pessoa que está recebendo a Comunhão na boca porque até a migalha mais pequenina da Hóstia Consagrada é preciosa; não somente é pedagógico, mas é verdadeiramente adoração, é verdadeira devoção eucarística, é verdadeira entrega a Deus.
Nos tempos que correm, nós não podemos nos dar ao luxo de arqueologismos litúrgicos. No primeiro milênio não tinha comunhão na boca, mas também não tinha herege que não acreditava na Presença Real de Jesus na Eucaristia. Nós estamos em um tempo diferente, e a Igreja evolui também na sua forma de demonstrar devoção a Cristo. Foi de mil anos para cá que começaram aquelas heresias que negaram a Presença de Cristo na Eucaristia que culminaram com a reforma protestante, que a negou de vez, e agora estamos nessa situação.
O Papa está nos dando exemplo de devoção eucarística, de verdadeira união a tradição da Igreja, mas uma tradição que sabe evoluir ao longo dos tempos; a Igreja sabe, como mãe e mestra, colocar o remédio certo na hora certa. E em um tempo em que, infelizmente, acontecem abusos e padres que perdem a fé na Presença de Jesus na Eucaristia, a Igreja como mãe e mestra quer renovar essa fé.
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