quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

Padre José do Vale: O Fim do Mundo.

O mistério do fim do mundo é uma das maiores forças de inspiração das religiões e de fanatismo para as Seitas. Na maioria dos casos, é só uma metáfora para a idéia de renovação, de começo de um novo ciclo. Desde sempre, místicos, teólogos e profetas de todas as crenças têm debatido como o mundo vai terminar. Há uma certa obsessão com o tema. Afinal, uma história que não acaba fica sem um acerto de contas. Como então as autoridades lá de cima vão separar os bons e os maus, os justos dos canalhas, o joio do trigo? Para as religiões, o fim do mundo é uma peça importante do quebra-cabeça. A tradição judaica claramente se debruçou um bocado sobre esse problema, motivada, sobretudo pelas circunstâncias. Quando os persas (ou macedônios, babilônios, ou romanos, ou... coloquei aqui o opressor da vez) pagarão por seus crimes contra o povo de Israel? Dá-lhes Juízo Final. No Antigo Testamento, o Livro de Daniel, escrito no século 2 a.C., dá o tom: ele prevê a vindo do Messias, destinado a libertar os judeus do jugo de seus opressores e iniciar uma era de paz interminável. O fim do mundo, aqui, é algo bom: um novo começo. O cristianismo é uma continuação direta da tradição judaica, com uma importante modificação: o Messias já deu uma passada pela Terra para formar um novo pacto entre Deus e os homens (basicamente zerar a conta da humanidade e redimi-la de seus pecados), mas deve voltar numa futura oportunidade para libertar os cristãos, derrotar o Anticristo e seus aliados e, por fim, iniciar uma era de paz interminável. É a mesma lógica: quando o Apóstolo João escreveu seu Apocalipse, anunciado por trombetas celestiais, no século 1, os cristãos estavam sendo perseguidos e mortos pelo Império Romano. Assim como, quando o Livro de Daniel foi escrito, os judeus estavam sob o jugo dos babilônios.

       

O fim do mundo como danação para os maus e redenção para os bons também acontece na religião mulçumana, nascida no mesmo caldo, no Oriente Médio. Mas nem judeus, nem muçulmanos, nem cristãos estavam sendo particularmente criativos. Zoroastro, por exemplo, já pregava a vinda de um profeta, Shaosyant, que ressuscitaria os mortos de sua cova e os levaria a um julgamento. No zoroastrismo, firmado em algum ponto entre os séculos 10 e 5 a.C., quando a hora chegar , um anjo de fogo derreterá as montanhas e o mundo será coberto por um oceano de lava. Os vivos e os mortos então terão de atravessá-lo descalços. Para os bons, será como caminhar sobre leite. Para os maus, não. Versões alternativas mesmo são mais comuns entre religiões mais antigas. Para o hinduismo, por exemplo, que tem mais de 3 mil anos, a questão não é tanto o bem e o mal, mas a natureza do Universo. Ele será cíclico, passando por fases de atividade e de repouso, e diversos deuses hindus parecem ter sua função específica na trama. Brahma, o maior deles, é o Criador. Cada dia na vida dele dura 4 bilhões de anos dos nossos período que apresenta um ciclo na história do Universo, ou Kalpa. Os maias, badalados por causa de 2012, tinham essa mesma pegada cíclica. A data tão mencionada, 21/12/2012, marca o final de um ciclo num de seus calendários (eles usavam quatro calendários diferentes, dependendo da escala de tempo). Esse que ficou famoso começa em 11 de agosto de 3114 a.C. e termina depois de 1 milhão e 872 mil dias (5 125, 37 anos). Ou seja, precisamente em 21/12/2012. Mas não existe uma idéia de “fim do mundo” ali. É só o fim de um ciclo mesmo, para o começo de outro (1).
O ANO 1000
        “Quando a data fatal se aproximou, as populações se amontoaram nas basílicas, nas capelas, em todos os edifícios consagrados a Deus, e esperam dominadas pela angústia, que as sete trombetas dos sete anjos do Juízo Final ressoassem do alto do céu.” Foi assim que o historiador francês Henri Martin (1810-1883) apresentou ao século XIX uma humanidade aterrorizada com a aproximação do milênio.
      Martin não foi nem o primeiro nem o único a escrever sobre o tema. Ele se baseou em uma tradição que remonta ao século XVI, quando o cardeal italiano César Barônio criou a narrativa-modelo sobre os terrores do ano 1000. Ele se apoiou em algumas menções isoladas a catástrofes ocorridas na virada do milênio presentes em obras de historiadores que escreveram quase um século depois dos acontecimentos, como Sigeberto de Gembloux (c.1035-1112).
       Segundo Barônio, por volta do ano 1000 uma série de prodígios e maus hábitos levou a cresça no retorno do anticristo, o que teria aterrorizado o povo e mantido céticos os clérigos.
     Esporadicamente retomada nos séculos XVII e XVIII, a idéia triunfou com os historiadores românticos entre 1830 e 1870. O próprio Henri Martin e seus contemporâneos, como o também francês Jules Michelet (1798 – 1874), dedicaram páginas magníficas à descrição das calamidades que se acumulavam. Segundo essa narrativa, o papa Silvestre II (c. 950-1003) e o sacro imperador romano-gemânico Oto III (980-1002), teriam rezado com a multidão durante toda a noite que marcou a passagem para o ano terrível, consumidos pela dúvida de se veriam ou não nascer uma nova aurora.
     No entanto, a partir de 1875 historiadores católicos, como Dom Plaine, ou positivistas, como Ferdinand Lot, começaram a questionar o mito dos terrores do ano 1000 com base em um argumento de peso: a ausência de fontes. Nenhum texto contemporâneo da virada do milênio menciona ondas de medo na época.
     No século XX, a idéia de uma virada de milênio turbulenta foi retomada pelo historiador francês Georges Duby (1919-1996), mas de uma perspectiva diferente.
Em 1967, Duby publicou o ano 1000, livro em que afirma que por volta dessa data surgiu uma inquietude coletiva difusa na Europa. Segundo ele, a causa dessa agitação não teria sido religiosa, mas sim econômica e política: tratava-se de uma reação da população ao inicio do feudalismo. Para dar uma resposta à insatisfação popular, os clérigos teriam então feito apelos à penitência e à paz de Deus.

TEXTOS DE ÉPOCA
        Foram essas menções genéricas ao “fim dos tempos”, sobram três textos que tratam especificamente de questão do ano 1000: a Apologética, do monge Abbon de Fleury (c. 945-1004), escrita por volta de 995 e endereçada aos reis Hugo e Roberto, o Piedoso, da França; o Libellus de Antechristo, redigido pelo monge Adson de Montier-em-Der (c. 920-992) por volta de 954 a pedido de Gerberga, esposa do rei Luís IV da França; e as Histórias, do monge Raul Glaber (c. 980-1047), escritas entre 1031 e 1042.
     A Apologética, de Abbon de Fleury, é um texto no qual o autor contesta dois erros teológicos que circulavam na França nas décadas de 960 e 970: nessa época, um pregador afirmou em Paris que o anticristo chegaria logo que se completassem os mil anos e que pouco tempo depois viria o Juízo Final. Outro disse que o dia em que a Anunciação (25 de março) coincidisse com a Sexta-Feira Santa marcaria o fim dos tempos. Para refutar o primeiro, Abbon apelou para uma interpretação clássica da Bíblia feita por Santo Agostinho. Para rebater os argumentos do segundo, não teve nenhuma dificuldade em provar que a coincidência era bastante freqüente, mas não se daria nem no ano 1000 nem em 1033.
      
Em seu texto, Abbon não faz nenhuma referência a eventuais reações dos fiéis diante do suposto fim dos tempos. Para ele, aquele era um problema técnico relacionado a uma interpretação teologicamente correta do Livro do Apocalipse (capítulo 20, versículos 7 e 8).
      O Libellus de Antechristo, de Adson de Montier-em-Der, é uma resposta a uma consulta feita pela rainha carolíngia Gerberga, que ouviu fala do fim dos tempos na época em que o poder de sua dinastia era ameaçado pela revolta de Hugo Capeto na França. Adson deu uma resposta otimista e muito política. Segundo ele, os reis francos manteriam o Império Romano até que um deles, no fim dos tempos, em um futuro muito distante, deporia sua coroa no monte das Oliveiras, provocando assim a volta do Cristo. Enquanto existisse um rei franco ou um imperador, o mundo sobreviveria. Assim, o texto dificilmente poderia ser considerado uma prova dos terrores do ano 1000.
      A análise de suas Histórias indica, portanto, que Raul Glaber inventou o ano 1000 na medida em que estruturou sua narrativa em torno do milênio, fascinado como era pelos números e por seu valor simbólico. Se o cristão devia se submeter a Cristo, o próprio mundo devia viver no ritmo do Senhor e marcar os aniversários de sua Encarnação e de sua Paixão. O ano 1000 era para ele uma data unificadora da história da humanidade, mas ele não tinha medo disso. Apenas decifrava os sinais de Deus como em qualquer ano desde o início até o fim dos tempos. 

EVENTOS QUE MARCARAM A VIRADA DO MILÊNIO
27 de novembro, 999
Papa Urbano II
convoca os cristãos para a Primeira Cruzada durante o Concílio de Clermont.

1023 – 1025
Hereges ardem nas fogueiras em varias partes da França.
1084
São Bruno funda o mosteiro da Grande Cartuxa, sede da Ordem dos Cartuxos.
1004
Seca excepcional seguida de chuvas e inundações.
Uma terrível fome assola a França entre 1005 a 1006

1032 – 1033
A fome provoca casos de antropofagia registrados pelos cronistas.
21/03/1098
Fundação da Ordem de Cister por São Roberto de Molesme, Santo Alberico e Santo Estêvão.

1043
Início de uma epidemia de “mal dos ardentes!” Que se espalha pela França.

O FALSO FIM DE: 21/12/2012
       Assim como aconteceu por volta do ano 1000, a chegada do terceiro milênio foi acompanhada pela proliferação de profecias escatológicas. Agora, porém, os supostos presságios de cataclismo não vêm da tradição cristã, mas de uma antiga civilização que surgiu em meio às florestas tropicais da América Central e viveu seu período de apogeu entre os séculos II e IX: os maias.
     Para esse povo, o ano de 2012 marca o fim de um ciclo de 5.125,36 anos de seu calendário. Segundo a tradição maia, ao fim de cada ciclo a humanidade entra em uma nova era.
     O sistema de Conta Longa do calendário maia foi utilizado por séculos, até desaparecer após a decadência dos centros de poder do Período Clássico, no século IX. No entanto, cerca de mil anos mais tarde os boatos da existência de uma civilização perdida nas florestas do sul do México despertaram o interesse de exploradores modernos como o mexicano Antonio del Río, o francês Jean-Frédéric Maximilien de Waldeck, o americano John Lloyd Stephens e o inglês Frederick Catherwood. Entre as décadas de 1820 e 1840 eles localizaram as primeiras ruínas de cidades maias e, com elas, os vestígios dos sistemas de escrita e de calendário dessa civilização.
     Inspirado por essas descobertas, na década de 1880 o pesquisador inglês Alfred Maudslay fotografou os glifos gravados nas ruínas localizadas até então. Ao analisar essas imagens, o americano Joseph Goodman identificou o funcionamento do calendário maia. Na mesma época, o alemão Ernst Förstemann chegava a conclusões semelhantes ao estudar textos maias reunidos no Códice de Dresden.
     Em 1905, Goodman apresentou um modelo de correlação entre as datas da Conta Longa do calendário maia e as do calendário gregoriano. Sua teoria foi complementada pelo antropólogo mexicano Martinez Hernández e pelo arqueólogo inglês J. Eric S. Thompson na década de 1920. O trabalho combinado dos três deu origem à formula usada atualmente para converter as datas da Conta Longa do calendário maia para o calendário gregoriano.
     Ao analisar essas datas à luz da cosmologia maia, os pesquisadores chegaram a uma constatação: para esse povo, a história do mundo se dividia em eras de 5.125,36 anos, e cada vez que um desses ciclos terminava nosso planeta passava por um período de intensa renovação, quando começava uma nova etapa para a humanidade.
     Como a Conta Longa do calendário maia era extremamente precisa e informava que a era atual havia começado em 11 de agosto de 3114 a.C., o arqueólogo americano Michael  Coe calculou que o atual ciclo terminaria em 24 de dezembro de 2011. Coe publicou essa data final em seu livro Os maias, de 1966, mas pesquisas posteriores demonstraram que a conta estava errada. O equívoco foi corrigido nas edições seguintes da obra, e hoje a data mais aceita para o fim do ciclo é 21 de dezembro de 2012.
     Por causa dessas teorias absurdas, sem nenhuma ligação com o antigo pensamento maia, o estudo do significado de 2012 para essa civilização foi praticamente descartado pelos pesquisadores acadêmicos. Muitos especialistas afirmam que os maias nunca fizeram nenhuma menção e 2012 e que tudo não passaria de uma grande invenção moderna (2).
                                  CONCLUSÃO
O prognóstico maia do fim do mundo foi um erro histórico de interpretação, segundo revela o conteúdo da exposição “A Sociedade e o Tempo Maia” inaugurada recentemente no Museu do Ouro de Bogotá. O arqueólogo do Instituto Nacional de Antropologia e História do México (INAH) e um dos curadores da mostra, Orlando Casares, explicou à Agência Efe que a base da medição do tempo dessa antiga cultura era a observação dos astros. Eles se baseavam, por exemplo, nos movimentos cíclicos do Sol, da Lua e de Vênus, e assim mediam suas eras, que tinham um princípio e um fim. “Para os maias não existia a concepção do fim do mundo, por sua visão cíclica”, explicou Casares, que esclareceu: “A era conta com 5.125 dias, quando esta acaba, começa outra nova, o que não significa que irão acontecer catástrofes; só os fatos cotidianos, que podem ser bons ou maus, voltam a se repetir”.
Como cristãos católicos seguimos os ensinamentos da Santa Igreja Católica para uma certeza da esperança bendita ao lado de Cristo. Nada pode enganar ou amedrontar católico que é fiel às doutrinas ensinadas pelo Magistério da Igreja Católica. Com Cristo, o seu Santo Evangelho e a Igreja o católico tem sua vida firme e inabalável diante de qualquer heresia velha ou nova.
Pe. Inácio José do Vale
Pesquisador de Seitas
Professor de História da Igreja
Especialista em Ciência Social de Religião
E-mail: pe.inacio.jose@gmail.com
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Notas:
(1) Superinteressante, Dezembro de 2011, pp. 68 e 69.
(2) História Viva; n° 99, pp. 29-32 e 46.

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