Respondendo à FOLHA
UNIVERSAL:
A
EUCARISTIA NOS EVANGELHOS E NA HISTÓRIA
Em
síntese: O jornal A FOLHA UNIVERSAL, da Igreja
Universal do Reino de Deus, publicou no início do mês de junho pp. um satírico
artigo sobre a S. Eucaristia, da autoria de Josef Sued. - É um escrito
destituído de valor científico, pois está eivado de preconceitos: cita textos
alheios sem indicar a respectiva fonte com a precisão de quem conhece o assunto
mediante um estudo pessoal; o autor do artigo transcreve sem usar de senso crítico,
com o objetivo de atacar a Igreja Católica na base da própria inverdade.
Mais:
apesar de ser protestante, o articulista não cita uma só vez a Bíblia — o que é
um despropósito para um autor protestante, despropósito que se explica pelo
fato de que a Bíblia abona a doutrina católica da Eucaristia, que Josef Sued
quer impugnar. Além disto, registram-se no texto vários erros de
historiografia, anacronismos e formulações imprecisas.... que revelam o pouco
conhecimento do autor em matéria de história do Cristianismo: está decidido a
ridicularizaras verdades da fé católica e pouco preocupado com a verdade da
Bíblia e da história.
O
jornal A FOLHA UNIVERSAL publicou no início de junho pp. um veemente artigo de
Josef Sued, tido como teólogo e escritor, contra a S. Eucaristia; de
ponta-a-ponta aparece inspirado por sátira e preconceitos. Tal expressão do
baixo protestantismo não mereceria atenção; todavia entre os leitores de PR há
quem deseje ver uma resposta a esse artigo. É o que motiva as páginas subseqüentes.
1. OBSERVAÇÃO GERAL
O
artigo em foco carece de valor científico, pois cita trechos de obras alheias
sem indicar precisamente título, ano de edição, página, etc. Parece assim fazer
citações de quem não tem conhecimento pessoal da matéria considerada, mas cita
em terceira ou quarta mão; Josef Sued transcreveu sem o mínimo senso crítico ou
sem a mínima preocupação característica de um trabalho sério; interessava-lhe
firmar-se em textos que atacam a Igreja, independentemente da exatidão da matéria
citada.
Assim,
por exemplo, transcreve dizeres atribuídos ao Papa Pio IX a partir de uma fonte
muito pouco abalizada, como se pode depreender do texto seguinte:
"O
Papa Pio IX se gloriava com o dogma, proclamando: 'Não
somos simplesmente mortais; somos superiores a Maria. Ela deu à luz só um
Cristo; nós podemos fazer quantos cristos quisermos. Nós criamos o próprio
deus!' (Registrado na Gazeta da Alemanha,
n° 21, 1870)".
Como
se vê, Josef Sued não cita o título alemão da "Gazeta" nem a data
precisa da publicação. Se ele pesquisasse pessoalmente os escritos do Papa Pio
IX, por certo nunca encontraria ali as palavras que ele transcreve; são expressões
que caricaturam e satirizam, como podia ocorrer no século passado, século de
ideologias ateias muito acentuadas; de modo especial, Pio IX foi mal visto
pelos patriotas italianos, que pleiteavam a unificação da península itálica; na
Alemanha, em 1870 já se esboçava o clima que explodiu no Kulturkampf
(combate em prol da cultura), que durou de 1871 a 1887,
movido por Otto von Bismarck, que queria submeteras atividades da Igreja ao
controle do Estado.
O
artigo cita também "La grande Enciclopedie Française" ([1])
sem indicar mais precisamente a fonte:
"A
'La Grande Enciclopedie Française'comentando a eucaristia, escreveu: 'Os
teólogos católicos imaginaram o maior dos feitícismos e o culto mais idólatra;
tomam a farinha cozida e o vinho e dizem: Eis nosso Deus; comei-o!'".
Pergunta-se:
que Grande Enciclopédia Francesa é essa? - No fim do século XVIII houve na França
a corrente dos pensadores "enciclopedistas", que publicaram uma
Enciclopédia de 35 volumes altamente satírica em relação ao Cristianismo; além
do quê, promoveram a entronização da deusa Razão na catedral de Notre-Dame de
Paris. Entre estes estava François-Marie Arouet, com o pseudônimo de Voltaire,
que preconizava: "Esmagai a infame!" e "Menti, menti; sempre
ficará alguma coisa". Dada a falta de escrúpulos dos escritores da FOLHA
UNIVERSAL, poderia alguém pensar que são mais discípulos de Voltaire do que de
Jesus Cristo, que veio dar testemunho da Verdade (cf. Jo 18,37). A mentira
muitas vezes repetida acaba passando por verdade; daí a necessidade de que seja
desmascarada.
2. E A BÍBLIA?
Chama
a atenção o fato de que, embora o artigo seja de pena protestante, não cita uma
só vez a S. Escritura nem a ela se refere genericamente. A estranheza
se dissipa desde que se tenha em vista que, se Josef Sued quisesse ser fiel à
Bíblia, nunca escreveria o que se lê em seu artigo ou nunca impugnaria a fé na
real presença eucarística de Jesus. Com efeito; a Escritura afirma sobejamente
este artigo de fé católica. Baste citar alguns poucos textos:
Na
última ceia Jesus disse, ao tomar o pão: "Isto é o meu corpo, que é
entregue por vós. Fazei isto em memória de mim" (Lc22,19). E sobre o vinho
disse: "Isto é o meu sangue, o sangue da Aliança, que é derramado em favor
de muitos" (Mc 14,24).
Jesus
naquela ocasião, ao deixar as últimas instruções aos discípulos, terá evitado
qualquer termo de sentido ambíguo (nas horas supremas e decisivas os homens
costumam recorrer a linguagem precisa). Cristo, sentado à mesa com os
Apóstolos, tinha diante dos olhos todas as gerações cristãs através da
história; sabia previamente que, durante séculos e séculos, os seus discípulos
haviam de interpretaras suas palavras em sentido realista, prestando adoração
ao SS. Sacramento. Não obstante, segundo as hipóteses de racionalistas, teria
usado termos ambíguos induzindo em erro (no erro de crer na real presença) os
seus Apóstolo, homens simples e rudes, e, depois deles, uma multidão de fiéis
cristãos!
Mais:
Cristo teria usado palavras aparentemente claras para esconder um simbolismo difícil
de se perceber. Sim; é difícil definir qual o significado metafórico que Jesus
possa ter tido em vista ao proferir as suas palavras simples sobre o pão e o
vinho. Em 1577, sessenta anos após o começo da Reforma protestante, São Roberto
Belarmino dizia ter aparecido, havia pouco, um livrinho que apresentava duzentas
interpretações dos protestantes para as palavras "Isto é o meu
corpo"!
Contra
a hipótese de um Jesus a induzir em erro os seus discípulos, insurgia-se em
1529 o humanista, crítico irônico, Erasmo de Rotterdam, que escrevia a Bero a
propósito das diversas sentenças "eucarísticas" dos Reformadores Lutero
e Zvínglio:
"Jamais
me pude persuadir de que Jesus, a Verdade e a Bondade mesmas, tenha permitido
que por tantos séculos a sua Esposa, a Igreja, tenha prestado adoração a um
pedaço de pão em lugar de adorar a Jesus mesmo".
Ademais
o sentido realista das palavras da Última Ceia é confirmado pelo discurso do
pão da vida em Jo 6,51-56:
"
'Eu sou o pão vivo que desceu do céu; se alguém comer deste pão, viverá
eternamente! O pão que eu darei é a minha carne, entregue para a vida do
mundo!' Puseram-se, então, os judeus a disputar entre si: 'Como pode esse homem
dar-nos a comer (phagein) a
sua carne?' Retornou Jesus: 'Em verdade vos digo: Se
não comerdes a carne do Filho do Homem e não beberdes o seu sangue, não tereis vida
em vós. Quem come (ho trogon)
minha carne e bebe meu sangue, tem a vida eterna e eu o ressuscitarei no último
dia. Porque minha carne é verdadeira comida e meu sangue é verdadeira bebida.
Quem come a minha carne e bebe o meu sangue, permanece em mim, e eu
nele'".
A
clareza e a insistência destas palavras exigem que sejam entendidas em seu
pleno realismo. Notemos que no v. 52 os judeus perguntaram como Jesus lhes
poderia dar a sua carne a comer (phagein, em
grego); então, procurando esclarecê-los, Jesus, longe de propor uma
interpretação alegorista, reafirmou o sentido literal das suas palavras,
utilizando no v. 54 uma expressão ainda mais forte, isto é, o verbo trogô,
que significa "mastigar, dilacerar com os
dentes", num realismo extremo.
Quem
quisesse interpretar metaforicamente as palavras de Jesus, deveria comprovar a
sua tese - o que seria difícil, pois o sentido metafórico que os dizeres de
Jesus podiam ter em linguagem semita, não combina com o contexto de Jo 6:
"comer a carne de alguém" significaria metaforicamente "ofender
essa pessoa, persegui-la até a morte" (cf. SI 27,2); "beber o sangue
de alguém" equivaleria a "arder de ódio para com tal pessoa".
Ora está claro que Jesus, em Jo 6,54, não poderia convidar os ouvintes ao ódio
para com o Divino Mestre, prometendo-lhes em troca a vida eterna.
Os
ouvintes de Cristo entenderam naturalmente as palavras do Senhor em sentido
literal, perguntando conseqüentemente, cheios de admiração: "Como nos pode
dar a comer a sua carne?" (v.52). Ora, acontecia que, quando os discípulos
se enganavam a respeito das afirmações do Mestre, tomando ao pé da letra
expressões que deviam ser entendidas metaforicamente, o Senhor tratava de
desfazer o equívoco; ([2])
no caso, porém, de Jo6, Jesus não atenuou o realismo de suas palavras, mas, ao
contrário, o acentuou: nos vv. 53 e 54 acrescentou, em sua resposta, a menção
de "beber o sangue do Filho do Homem" e de "mastigar, dilacerar
com os dentes a sua carne". O Senhor manteve a sua posição, embora
soubesse que, em conseqüência, vários de seus ouvintes haveriam de O abandonar
(cf. v. 66); Cristo não hesitou mesmo em intimar os doze discípulos a definir a
sua atitude com toda a clareza: ou crer no realismo das palavras do Senhor e,
conseqüentemente, acompanhá-lo, ou negar a fé e, conseqüentemente, afastar-se
(cf. v. 67).
3.
ALUSÕES À HISTÓRIA
Josef
Sued pretende impugnar a S. Eucaristia a partir da história do Cristianismo,
que ele mal conhece.
1. Assim, por
exemplo, escreve:
"No
ano de 1200 o pão foi substituído pela hóstia. O Concílio de Constança em 1414 negou
o vinho aos fiéis, decisão sancionada pelo papa João XXII, homem devasso,
violador de moças virgens, mulheres casadas e freiras, conforme registra a
História".
Este texto sugere
três ponderações:
a)
O articulista parece não saber o que é hóstia.
- É pão..., pão de trigo puro sem fermento, tai como
Jesus usou na última ceia. A Eucaristia sempre foi celebrada no Ocidente com
pão ázimo chamado "hóstia". O que se pode notar a respeito, é que nos
primeiros séculos o pão consagrado tinha o tamanho da palma da mão ou de uma
boa fatia de pão ou, ainda, de uma rosca grande. Por conseguinte, era preciso
parti-lo antes de o distribuir aos comungantes; os acólitos da Missa seguravam
toalhas de linho debaixo do pão enquanto era partido. Compreende-se que, nessa
fração do pão, se produziam muitas migalhas, que se perdiam pelo chão ou de
outro modo. Por isto a Igreja houve por bem usar fatias pequenas de pão prontas
para a distribuição aos comungantes, a fim de não ter que realizar a fração do
pão com seus inconvenientes. Apenas a hóstia maior do celebrante é partida,
pois é costume colocar uma parcela da mesma dentro do cálice de vinho
consagrado.
b)
O artigo afirma que o Concílio de Constança
em 1414 negou aos fiéis o vinho consagrado... - Na verdade, a comunhão
eucarística foi distribuída sob a forma de pão e vinho consagrado até o século
XI. No século XII começou o costume de só a distribuir sob a forma de pão: o
motivo foram os abusos ou as profanações ocorrentes na distribuição do
Preciosíssimo Sangue. O Senhor Jesus está todo presente sob a forma do pão e
sob a forma do vinho consagrados de modo que os fiéis, recebendo apenas o pão
eucarístico, recebem o Corpo, o Sangue, a Alma e a Divindade de Cristo. Em
nossos dias, aliás, a Igreja restaurou o hábito da Comunhão sob as duas espécies
desde que não haja perigo de profanação. - Vê-se assim que não foi no século XV
ou no Concílio de Constança que se mudou a maneira de distribuir a comunhão
eucarística. Nem era necessário que algum Papa ou algum Concílio universal
(como o de Constança) aprovasse tal modificação; bastava que cada Bispo a
aprovasse em sua diocese.
c)
O papa João XXII, homem devasso, terá
aprovado a nova praxe... -Observamos que no tempo do Concílio de Constança ou
no século XV não houve Papa João XXII, como alega o articulista. Houve, sim, um
antipapa João XXIII; nem era Papa nem era João XXII. Pode-se notar que antipapa
é um chefe de corrente religiosa que se opõe ao Papa legítimo por arrogância,
às vezes instigada por um rei ou um Imperador. - Donde se vê que o mencionado antipapa
não tinha autoridade alguma na Igreja; o seu tipo de vida pessoal (que Josef
Sued pinta com traços caricaturais) não afeta a linhagem dos Papas. Tem-se aqui
mais um espécime da maneira leviana como os protestantes abordam a história da
Igreja, talvez mais preocupados com atacar e satirizar do que com a transmissão
da verdade.
2 Mais adiante no
artigo de Josef Sued lê-se:
"A
Ceia do Senhor sofreu nova agressão no Concílio de Roma, quando ficou
estabelecida a transubstanciação (transformação dos elementos da Ceia em
presença real) ".
Seria
o caso de perguntar a Josef Sued se ele sabe exatamente o que significa "transubstanciação".
- Transubstanciação é
palavra técnica que significa o seguinte: a substância ou a realidade do pão e
do vinho se converte na substância ou na realidade do Corpo e do Sangue de
Cristo, ficando presentes os acidentes do pão e do vinho (isto é, ficando
presentes a cor, o odor, o sabor, o tamanho do pão e do vinho). Esta doutrina
está no Evangelho, como demonstrado pouco atrás neste artigo; Jesus, ao passar
o pão e o vinho aos seus discípulos, disse-lhes: "Tomai; isto é meu
corpo... Isto é meu sangue"; apenas a palavra não está no Evangelho.
Quanto
à origem da palavra "transubstanciação", pode-se dizer que ela
aparece pela primeira vez no século XI e foi assumida nos documentos oficiais
da Igreja a partir do Concílio do Latrão IV (1215), Concílio que o articulista
pretende citar como "Concílio de Roma"; este ocorreu antes do Concílio
de Constança e não depois, como insinua Josef Sued: em 1215, e não após 1414.
3. No início do seu
artigo Josef Sued escreve:
"A
palavra 'missa' substituiu o culto cristão original, sendo introduzida pelo
catolicismo no ano de 394".
Na
verdade, a missa não substituiu o culto cristão original, pois ela é o culto
cristão por excelência; é a celebração da Ceia do Senhor, instituída pelo
próprio Cristo, que mandou repetir os seus gestos e as suas palavras, a fim de
perpetuar sobre os nossos altares o sacrifício da Cruz, no qual os cristãos tomam
parte oferecendo-se com Cristo ao Pai. - O nome "Missa" é um dos
nomes que a Ceia do Senhor tomou. A palavra "missa" designava a
despedida ou o envio dos catecúmenos para fora da igreja, quando terminava a
Liturgia da Palavra; aos catecúmenos não era lícito participar da Eucaristia
propriamente dita, porque ainda não haviam sido batizados. O termo
"missa", que designava esse momento especial, foi no século IV
aplicado a todo o rito eucarístico, de modo que este hoje se chama Missa.
Não se vê com que base Josef Sued pode afirmar que foi
introduzido pelo catolicismo no ano de 394; já estava em uso bem antes de 394.
Aliás,
outro panfleto protestante afirma que em 818 é que a palavra Missa
aparece pela primeira vez na Teologia católica. As
contradições entre os polemistas protestantes bem evidenciam que falam sem ter
investigado criteriosamente a matéria, mas copiam de outros autores, muitas
vezes tendenciosos ou mal informados.
4.
Outro parágrafo do artigo em pauta ainda nos diz:
"Até
o século XII nenhum
cristão aceitava que a farinha se transformasse em 'cristos'".
Este
modo de falar, irreverente e zombeteiro, é desmentido pelo próprio Evangelho,
onde Jesus afirma: "O pão (pão de farinha) que eu darei, é a minha carne
para a vida do mundo" (Jo 6.51). Poderia alguém notar a propósito que o protestantismo,
em sua sanha de acusar e combater, chega a renegar o próprio Cristo.
São
estas as principais observações que ocorrem a um leitor católico após a leitura
do maldoso artigo de Josef Sued.
Dom
Estêvão Bettencourt (OSB)
[1] Comete dois erros de grafia,
pois assim deveria escrever: Encyclopédie.
[2] VerJo3, 4s; 11, 11-14.
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