quinta-feira, 20 de fevereiro de 2014

A Eucaristia nos Evangelhos e na história.

Respondendo à FOLHA UNIVERSAL:

A EUCARISTIA NOS EVANGELHOS E NA HISTÓRIA

Em síntese: O jornal A FOLHA UNIVERSAL, da Igreja Universal do Rei­no de Deus, publicou no início do mês de junho pp. um satírico artigo sobre a S. Eucaristia, da autoria de Josef Sued. - É um escrito destituído de valor científico, pois está eivado de preconceitos: cita textos alheios sem indicar a respectiva fonte com a precisão de quem conhece o assunto mediante um estudo pessoal; o autor do artigo transcreve sem usar de senso crítico, com o objetivo de atacar a Igreja Católica na base da própria inverdade.

Mais: apesar de ser protestante, o articulista não cita uma só vez a Bíblia — o que é um despropósito para um autor protestante, despropósito que se explica pelo fato de que a Bíblia abona a doutrina católica da Eucaristia, que Josef Sued quer impugnar. Além disto, registram-se no texto vários erros de historiografia, anacronismos e formulações imprecisas.... que revelam o pouco conhecimento do autor em matéria de história do Cristianismo: está decidido a ridicularizaras verdades da fé católica e pouco preocupado com a verdade da Bíblia e da história.

O jornal A FOLHA UNIVERSAL publicou no início de junho pp. um vee­mente artigo de Josef Sued, tido como teólogo e escritor, contra a S. Eucaris­tia; de ponta-a-ponta aparece inspirado por sátira e preconceitos. Tal expres­são do baixo protestantismo não mereceria atenção; todavia entre os leitores de PR há quem deseje ver uma resposta a esse artigo. É o que motiva as páginas subseqüentes.

1. OBSERVAÇÃO GERAL

O artigo em foco carece de valor científico, pois cita trechos de obras alheias sem indicar precisamente título, ano de edição, página, etc. Parece assim fazer citações de quem não tem conhecimento pessoal da matéria con­siderada, mas cita em terceira ou quarta mão; Josef Sued transcreveu sem o mínimo senso crítico ou sem a mínima preocupação característica de um tra­balho sério; interessava-lhe firmar-se em textos que atacam a Igreja, indepen­dentemente da exatidão da matéria citada.

Assim, por exemplo, transcreve dizeres atribuídos ao Papa Pio IX a partir de uma fonte muito pouco abalizada, como se pode depreender do texto se­guinte:

"O Papa Pio IX se gloriava com o dogma, proclamando: 'Não somos sim­plesmente mortais; somos superiores a Maria. Ela deu à luz só um Cristo; nós podemos fazer quantos cristos quisermos. Nós criamos o próprio deus!' (Re­gistrado na Gazeta da Alemanha, n° 21, 1870)".

Como se vê, Josef Sued não cita o título alemão da "Gazeta" nem a data precisa da publicação. Se ele pesquisasse pessoalmente os escritos do Papa Pio IX, por certo nunca encontraria ali as palavras que ele transcreve; são ex­pressões que caricaturam e satirizam, como podia ocorrer no século passado, século de ideologias ateias muito acentuadas; de modo especial, Pio IX foi mal visto pelos patriotas italianos, que pleiteavam a unificação da península itálica; na Alemanha, em 1870 já se esboçava o clima que explodiu no Kulturkampf (combate em prol da cultura), que durou de 1871 a 1887, movido por Otto von Bismarck, que queria submeteras atividades da Igreja ao controle do Estado.

O artigo cita também "La grande Enciclopedie Française" ([1]) sem indicar mais precisamente a fonte:
"A 'La Grande Enciclopedie Française'comentando a eucaristia, escreveu: 'Os teólogos católicos imaginaram o maior dos feitícismos e o culto mais idólatra; tomam a farinha cozida e o vinho e dizem: Eis nosso Deus; comei-o!'".

Pergunta-se: que Grande Enciclopédia Francesa é essa? - No fim do século XVIII houve na França a corrente dos pensadores "enciclopedistas", que publicaram uma Enciclopédia de 35 volumes altamente satírica em relação ao Cristianismo; além do quê, promoveram a entronização da deusa Razão na catedral de Notre-Dame de Paris. Entre estes estava François-Marie Arouet, com o pseudônimo de Voltaire, que preconizava: "Esmagai a infame!" e "Menti, menti; sempre ficará alguma coisa". Dada a falta de escrúpulos dos escritores da FOLHA UNIVERSAL, poderia alguém pensar que são mais discípulos de Voltaire do que de Jesus Cristo, que veio dar testemunho da Verdade (cf. Jo 18,37). A mentira muitas vezes repetida acaba passando por verdade; daí a necessidade de que seja desmascarada.


2. E A BÍBLIA?

Chama a atenção o fato de que, embora o artigo seja de pena protestante, não cita uma só vez a S. Escritura nem a ela se refere genericamente. A es­tranheza se dissipa desde que se tenha em vista que, se Josef Sued quisesse ser fiel à Bíblia, nunca escreveria o que se lê em seu artigo ou nunca impugna­ria a fé na real presença eucarística de Jesus. Com efeito; a Escritura afirma sobejamente este artigo de fé católica. Baste citar alguns poucos textos:

Na última ceia Jesus disse, ao tomar o pão: "Isto é o meu corpo, que é entregue por vós. Fazei isto em memória de mim" (Lc22,19). E sobre o vinho disse: "Isto é o meu sangue, o sangue da Aliança, que é derramado em favor de muitos" (Mc 14,24).

Jesus naquela ocasião, ao deixar as últimas instruções aos discípulos, terá evitado qualquer termo de sentido ambíguo (nas horas supremas e decisi­vas os homens costumam recorrer a linguagem precisa). Cristo, sentado à mesa com os Apóstolos, tinha diante dos olhos todas as gerações cristãs através da história; sabia previamente que, durante séculos e séculos, os seus discípulos haviam de interpretaras suas palavras em sentido realista, prestan­do adoração ao SS. Sacramento. Não obstante, segundo as hipóteses de racionalistas, teria usado termos ambíguos induzindo em erro (no erro de crer na real presença) os seus Apóstolo, homens simples e rudes, e, depois deles, uma multidão de fiéis cristãos!

Mais: Cristo teria usado palavras aparentemente claras para esconder um simbolismo difícil de se perceber. Sim; é difícil definir qual o significado metafó­rico que Jesus possa ter tido em vista ao proferir as suas palavras simples sobre o pão e o vinho. Em 1577, sessenta anos após o começo da Reforma protestante, São Roberto Belarmino dizia ter aparecido, havia pouco, um livri­nho que apresentava duzentas interpretações dos protestantes para as pala­vras "Isto é o meu corpo"!

Contra a hipótese de um Jesus a induzir em erro os seus discípulos, insurgia-se em 1529 o humanista, crítico irônico, Erasmo de Rotterdam, que escrevia a Bero a propósito das diversas sentenças "eucarísticas" dos Reformadores Lutero e Zvínglio:

"Jamais me pude persuadir de que Jesus, a Verdade e a Bondade mes­mas, tenha permitido que por tantos séculos a sua Esposa, a Igreja, tenha prestado adoração a um pedaço de pão em lugar de adorar a Jesus mesmo".

Ademais o sentido realista das palavras da Última Ceia é confirmado pelo discurso do pão da vida em Jo 6,51-56:

" 'Eu sou o pão vivo que desceu do céu; se alguém comer deste pão, viverá eternamente! O pão que eu darei é a minha carne, entregue para a vida do mundo!' Puseram-se, então, os judeus a disputar entre si: 'Como pode esse homem dar-nos a comer (phagein) a sua carne?' Retornou Jesus: 'Em verdade vos digo: Se não comerdes a carne do Filho do Homem e não beberdes o seu sangue, não tereis vida em vós. Quem come (ho trogon) minha carne e bebe meu sangue, tem a vida eterna e eu o ressuscitarei no último dia. Porque minha carne é verdadeira comida e meu sangue é verdadeira bebida. Quem come a minha carne e bebe o meu sangue, permanece em mim, e eu nele'".

A clareza e a insistência destas palavras exigem que sejam entendidas em seu pleno realismo. Notemos que no v. 52 os judeus perguntaram como Jesus lhes poderia dar a sua carne a comer (phagein, em grego); então, pro­curando esclarecê-los, Jesus, longe de propor uma interpretação alegorista, reafirmou o sentido literal das suas palavras, utilizando no v. 54 uma expressão ainda mais forte, isto é, o verbo trogô, que significa "mastigar, dilacerar com os dentes", num realismo extremo.

Quem quisesse interpretar metaforicamente as palavras de Jesus, deveria comprovar a sua tese - o que seria difícil, pois o sentido metafórico que os dizeres de Jesus podiam ter em linguagem semita, não combina com o contex­to de Jo 6: "comer a carne de alguém" significaria metaforicamente "ofender essa pessoa, persegui-la até a morte" (cf. SI 27,2); "beber o sangue de alguém" equivaleria a "arder de ódio para com tal pessoa". Ora está claro que Jesus, em Jo 6,54, não poderia convidar os ouvintes ao ódio para com o Divino Mestre, prometendo-lhes em troca a vida eterna.

Os ouvintes de Cristo entenderam naturalmente as palavras do Senhor em sentido literal, perguntando conseqüentemente, cheios de admiração: "Como nos pode dar a comer a sua carne?" (v.52). Ora, acontecia que, quando os discípulos se enganavam a respeito das afirmações do Mestre, tomando ao pé da letra expressões que deviam ser entendidas metaforicamente, o Senhor tratava de desfazer o equívoco; ([2]) no caso, porém, de Jo6, Jesus não atenuou o realismo de suas palavras, mas, ao contrário, o acentuou: nos vv. 53 e 54 acrescentou, em sua resposta, a menção de "beber o sangue do Filho do Ho­mem" e de "mastigar, dilacerar com os dentes a sua carne". O Senhor manteve a sua posição, embora soubesse que, em conseqüência, vários de seus ouvin­tes haveriam de O abandonar (cf. v. 66); Cristo não hesitou mesmo em intimar os doze discípulos a definir a sua atitude com toda a clareza: ou crer no realis­mo das palavras do Senhor e, conseqüentemente, acompanhá-lo, ou negar a fé e, conseqüentemente, afastar-se (cf. v. 67).

3. ALUSÕES À HISTÓRIA

Josef Sued pretende impugnar a S. Eucaristia a partir da história do Cris­tianismo, que ele mal conhece.

1. Assim, por exemplo, escreve:

"No ano de 1200 o pão foi substituído pela hóstia. O Concílio de Constança em 1414 negou o vinho aos fiéis, decisão sancionada pelo papa João XXII, homem devasso, violador de moças virgens, mulheres casadas e freiras, con­forme registra a História".

Este texto sugere três ponderações:

a) O articulista parece não saber o que é hóstia. - É pão..., pão de trigo puro sem fermento, tai como Jesus usou na última ceia. A Eucaristia sempre foi celebrada no Ocidente com pão ázimo chamado "hóstia". O que se pode notar a respeito, é que nos primeiros séculos o pão consagrado tinha o tama­nho da palma da mão ou de uma boa fatia de pão ou, ainda, de uma rosca grande. Por conseguinte, era preciso parti-lo antes de o distribuir aos comungantes; os acólitos da Missa seguravam toalhas de linho debaixo do pão en­quanto era partido. Compreende-se que, nessa fração do pão, se produziam muitas migalhas, que se perdiam pelo chão ou de outro modo. Por isto a Igreja houve por bem usar fatias pequenas de pão prontas para a distribuição aos comungantes, a fim de não ter que realizar a fração do pão com seus inconve­nientes. Apenas a hóstia maior do celebrante é partida, pois é costume colocar uma parcela da mesma dentro do cálice de vinho consagrado.

b) O artigo afirma que o Concílio de Constança em 1414 negou aos fiéis o vinho consagrado... - Na verdade, a comunhão eucarística foi distribuída sob a forma de pão e vinho consagrado até o século XI. No século XII começou o costume de só a distribuir sob a forma de pão: o motivo foram os abusos ou as profanações ocorrentes na distribuição do Preciosíssimo Sangue. O Senhor Jesus está todo presente sob a forma do pão e sob a forma do vinho consagra­dos de modo que os fiéis, recebendo apenas o pão eucarístico, recebem o Corpo, o Sangue, a Alma e a Divindade de Cristo. Em nossos dias, aliás, a Igreja restaurou o hábito da Comunhão sob as duas espécies desde que não haja perigo de profanação. - Vê-se assim que não foi no século XV ou no Concílio de Constança que se mudou a maneira de distribuir a comunhão eucarística. Nem era necessário que algum Papa ou algum Concílio universal (como o de Constança) aprovasse tal modificação; bastava que cada Bispo a aprovasse em sua diocese.

c) O papa João XXII, homem devasso, terá aprovado a nova praxe... -Observamos que no tempo do Concílio de Constança ou no século XV não houve Papa João XXII, como alega o articulista. Houve, sim, um antipapa João XXIII; nem era Papa nem era João XXII. Pode-se notar que antipapa é um chefe de corrente religiosa que se opõe ao Papa legítimo por arrogância, às vezes instigada por um rei ou um Imperador. - Donde se vê que o mencionado antipapa não tinha autoridade alguma na Igreja; o seu tipo de vida pessoal (que Josef Sued pinta com traços caricaturais) não afeta a linhagem dos Papas. Tem-se aqui mais um espécime da maneira leviana como os protestantes abordam a história da Igreja, talvez mais preocupados com atacar e satirizar do que com a transmissão da verdade.

2 Mais adiante no artigo de Josef Sued lê-se:

"A Ceia do Senhor sofreu nova agressão no Concílio de Roma, quando ficou estabelecida a transubstanciação (transformação dos elementos da Ceia em presença real) ".

Seria o caso de perguntar a Josef Sued se ele sabe exatamente o que significa "transubstanciação". - Transubstanciação é palavra técnica que sig­nifica o seguinte: a substância ou a realidade do pão e do vinho se converte na substância ou na realidade do Corpo e do Sangue de Cristo, ficando presentes os acidentes do pão e do vinho (isto é, ficando presentes a cor, o odor, o sabor, o tamanho do pão e do vinho). Esta doutrina está no Evangelho, como demons­trado pouco atrás neste artigo; Jesus, ao passar o pão e o vinho aos seus discípulos, disse-lhes: "Tomai; isto é meu corpo... Isto é meu sangue"; ape­nas a palavra não está no Evangelho.

Quanto à origem da palavra "transubstanciação", pode-se dizer que ela aparece pela primeira vez no século XI e foi assumida nos documentos oficiais da Igreja a partir do Concílio do Latrão IV (1215), Concílio que o articulista pretende citar como "Concílio de Roma"; este ocorreu antes do Concílio de Constança e não depois, como insinua Josef Sued: em 1215, e não após 1414.

3. No início do seu artigo Josef Sued escreve:

"A palavra 'missa' substituiu o culto cristão original, sendo introduzida pelo catolicismo no ano de 394".

Na verdade, a missa não substituiu o culto cristão original, pois ela é o culto cristão por excelência; é a celebração da Ceia do Senhor, instituída pelo próprio Cristo, que mandou repetir os seus gestos e as suas palavras, a fim de perpetuar sobre os nossos altares o sacrifício da Cruz, no qual os cristãos tomam parte oferecendo-se com Cristo ao Pai. - O nome "Missa" é um dos nomes que a Ceia do Senhor tomou. A palavra "missa" designava a despedida ou o envio dos catecúmenos para fora da igreja, quando terminava a Liturgia da Palavra; aos catecúmenos não era lícito participar da Eucaristia propriamente dita, porque ainda não haviam sido batizados. O termo "missa", que designava esse momento especial, foi no século IV aplicado a todo o rito eucarístico, de modo que este hoje se chama Missa. Não se vê com que base Josef Sued pode afirmar que foi introduzido pelo catolicismo no ano de 394; já estava em uso bem antes de 394.

Aliás, outro panfleto protestante afirma que em 818 é que a palavra Missa aparece pela primeira vez na Teologia católica. As contradições entre os polemistas protestantes bem evidenciam que falam sem ter investigado criteriosamente a matéria, mas copiam de outros autores, muitas vezes ten­denciosos ou mal informados.

4. Outro parágrafo do artigo em pauta ainda nos diz:

"Até o século XII nenhum cristão aceitava que a farinha se transformasse em 'cristos'".

Este modo de falar, irreverente e zombeteiro, é desmentido pelo próprio Evangelho, onde Jesus afirma: "O pão (pão de farinha) que eu darei, é a minha carne para a vida do mundo" (Jo 6.51). Poderia alguém notar a propósito que o protestantismo, em sua sanha de acusar e combater, chega a renegar o próprio Cristo.

São estas as principais observações que ocorrem a um leitor católico após a leitura do maldoso artigo de Josef Sued.


Dom Estêvão Bettencourt (OSB)



[1] Comete dois erros de grafia, pois assim deveria escrever: Encyclopédie.
[2] VerJo3, 4s; 11, 11-14.

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