Um
livro revolucionário:
"MADALENA,
O ÚLTIMO TABU DO CRISTIANISMO"
por
Juan Arias
Em
síntese: O autor escreve em
estilo de divulgação, afirmando sem comprovar o que diz. Afirma que não se pode
provar que Jesus era casado, mas adota esta tese: Jesus, "o profeta de
Nazaré", terá esposado Maria Madalena, que deveria ser a orientadora do
Cristianismo, mas foi suplantada pela corrente machista dos Apóstolos Pedro e
Paulo. Ciente disto, a Igreja terá destruído Evangelhos apócrifos gnósticos
que relatavam esse conúbio de Jesus, para não perder o
poder que os homens arrogaram a
si mesmos na Igreja. Somente no século XX a verdade veio à tona após a
descoberta dos documentos de Nag-Hammadi,
diz o autor. O mesmo contesta a Divindade de Jesus;
Paulo terá "nomeado Jesus Deus"...
Em
suma, o autor incide em imprecisões e contradições, negando verdades básicas da
fé cristã tradicional em favor de hipóteses gratuitas e de todo inverossímeis.
O
jornalista Juan Arias foi
correspondente no Vaticano durante quatorze anos; já se tomou conhecido no
Brasil por suas publicações; ver PR 485/2002, pp. 484ss. Ultimamente vem-se
dedicando ao estudo dos Evangelhos apócrifos gnósticos
descobertos em Nag-Hammadi (Egito) na década de 1940.
Acaba de publicar em tradução portuguesa o livro "Madalena, o último tabu
do Cristianismo" ([1]),
que traz o subtítulo "O Segredo mais bem guardado da Igreja: as relações
entre Jesus e Maria Madalena". Como se vê, o livro é sensacionalista
em matéria delicada, merece atenção e discernimento. É
o que as páginas subseqüentes proporão.
Examinaremos
a tese e o fio condutor do livro antes do mais; após o quê passaremos à
consideração de aspectos particulares da obra.
1. A
tese do livro
Como
dito, a obra versa sobre o relacionamento entre Jesus e Maria Madalena.
À
p. 107 diz o
autor:
"É
necessário admitir... que não existem provas históricas que demonstrem
definitivamente que Jesus foi casado. Mas tampouco existem argumentos
definitivos para negá-lo. A interrogação continua de pé".
Todavia
J. Arias opta pela hipótese de que houve casamento entre ambos, pois Madalena
devia ser a líder da religião reformada por Jesus, como deduzem alguns
estudiosos dos evangelhos gnósticos apócrifos. Eis, porém, que o machismo
liderado por Pedro e Paulo prevaleceu sobre o feminismo de Maria Madalena. As
autoridades da Igreja, cientes de tais fatos, trataram de queimar os textos
gnósticos a fim de que não fosse contestado o domínio dos homens na Igreja.
Assim se lê à p. 55:
"Esses
textos foram descobertos em 1945 no
deserto egípcio de Nag Hammadi. Encontravam-se em
um vasilhame e provavelmente foram escondidos ali pelos monges de algum
mosteiro para que não fossem queimados, pois isto era o que desejava a Igreja
oficial daquele tempo".
A
Igreja sempre teve medo de Maria Madalena, porque... "este fato poderia
enfraquecer os alicerces da instituição, que ainda hoje exige a castidade e o
celibato de seus sacerdotes e não permite que as mulheres se ordenem ou
oficializem os sacramentos".
Assim
o autor parte de uma hipótese que ele passa a considerar base firme para
atribuir à Igreja uma atitude desonesta ou a sonegação da verdade no intuito de
garantir seu prestígio e poder.
Na
verdade, quem faz papel pouco honesto é Juan Arias, que calunia a Igreja na
base de uma hipótese que ele mesmo reconhece ser discutível.
Podem-se
citar várias razões que refutam a tese de
Arias: tenha-se em
vista o silêncio de toda a tradição cristã, que jamais conheceu um Jesus
casado, mas, ao contrário, enalteceu a sua vida totalmente dedicada à missão
evangelizadora. Além do quê, deve-se lembrar
que "a mentira tem pernas curtas", cedo ou tarde é desmascarada; é,
pois, difícil aceitar que a falsa versão do Cristianismo nascente se tenha
podido manter intacta durante vinte séculos; ninguém teve como denunciá-la a
não ser Arias e seus colegas no século XXI.
Nota-se
aliás que Arias escreve
sem provar o que diz, afirma gratuitamente sem documentação e sem notas de
rodapé. Isto comunica à sua obra um caráter de superficialidade
e sensacionalismo, que
pouco tem a ver com um estudo científico e bem ponderado.
Acrescente-se
que, segundo Arias, para
dissipar a imagem de Madalena "esposa de Cristo", a Igreja terá feito
dessa mulher uma prostituta possessa do
demônio - coisa que a própria Igreja após o Concílio
do Vaticano II já não sustenta. - De passagem notamos
que o assunto não toca a fé, mas depende de um tipo de exegese bíblica que
durante séculos parecia correto, mas hoje em dia é posto de lado; a prostituta
de Lc 7, 36-50 não é a Madalena de Lc 8, 1-3; cf. PR 530/2006, pp. 341-345.
2. O
"profeta" de Nazaré
J.
Arias cita
sempre Jesus como profeta, e nada mais do que isto; ver pp. 49, 75, 77...
Terá
sido São Paulo que fez de Jesus Deus Filho:
"Paulo,
à frente do Cristianismo ortodoxo e oficial, converteu Jesus no Mestre
prometido e esperado pelos judeus, converteu-o em Deus e o nomeou segunda
pessoa da Trindade" (p. 64).
Daí
o texto da p. 167: "Isto nada tiraria da dignidade do personagem, o mais
importante da história, nem de seu caráter divino - para os que crêem que era
Deus...".
Na
verdade, em todo o decorrer do livro Jesus é sempre tratado como mero homem,...
homem que pecou:
"A
Igreja aceita que Jesus, como homem verdadeiro que era, cometeu o pecado da ira
contra os mercadores do templo... insultou Herodes
chamando-o 'essa raposa'.
Também
aceita a Igreja que Jesus foi acusado de excessos na comida e na bebida...
Aceita que nem sempre foi um rapaz exemplar com seus pais. Escapou no templo e
os fez sofrer... Também aceita que Jesus teve dúvidas de fé no momento supremo
da sua agonia, quando se queixa diante de seu Deus Pai de havê-lo
abandonado" (p. 163).
A
bem da verdade, a Igreja não reconhece pecado em Jesus; se pecasse, Deus
estaria pecando - o que é absurdo. Jesus assumiu as conseqüências do pecado, não
porém o pecado mesmo. Teve afetos ordenados e puros, embora expressos de
maneira enérgica frente aos vendilhões do templo. Aliás, à p. 162 Arias
cai em contradição, afirmando que a Igreja sustenta que
"Jesus foi um homem simples em tudo menos no pecado".
3. Celibato
e casamento
Há
dois tipos de apócrifos: os cristãos e os gnósticos.
Os
apócrifos cristãos respeitam Jesus; atribuem-lhe o
poder de fazer milagres desde a infância muito imaginosamente, mas revelando estima
pela figura humana de Jesus.
Os
apócrifos gnósticos é que descrevem Jesus amante de Maria Madalena (2).
É, pois, dessa fonte não cristã que os
críticos modernos deduzem o pretenso casamento de Jesus com Madalena. Esta
tese, dizem, foi professada por cristãos gnósticos, mas abafada pela Igreja
machista oficial.
2
Cf. PR 529/2006,
pp. 290-294.
Ora
não se pode falar de cristãos gnósticos, pois entre Cristianismo e gnosticismo
há total incompatibilidade. A Gnose se opõe ao Cristianismo por seu dualismo: a
matéria seria má e o espírito bom; o mundo material terá sido criado por um
deus mau; o homem está no corpo em conseqüência de
uma queda dos espíritos. Para libertá-lo da matéria, terá vindo à terra um
emissário do mundo espiritual, que haverá ensinado ao homem o conhecimento
(gnose) que permite deixar este mundo material e voltar ao convívio dos
espíritos. Por conseguinte "o Jesus casado" nasceu num berço não
cristão; jamais tal concepção poderá ter tido origem em ambiente cristão tal
como a Gnose a professa. E por que não?
Para
o Cristianismo, o casamento é santo, mas há um estado ainda mais excelente que
é o celibato ou a vida una e indivisa. Com efeito, Jesus veio inaugurar o Reino
de Deus na terra (ver Mc 1, 15); quem
toma consciência disto, pode sentir-se chamado
a dedicação total a esse Reino, que implica os valores definitivos ou o
antegozo dos bens eternos. É o que São Paulo afirma em 1Cor 7,
38. É da certeza de que um pouco de eternidade
entrou no tempo, que os cristãos se inspiraram para abraçar o celibato desde as
origens da pregação do Evangelho (em Corinto no ano de 56
devia haver quem se entregasse à vida una
ou indivisa). O celibato é portanto uma expressão originária da fé cristã e não
uma prática de época tardia na história. Jesus parece corroborá-lo dizendo que
após esta vida terrestre os homens serão como os anjos no céu: não se casarão.
"Quando ressuscitarem, os homens e as mulheres não se casarão, mas serão
no céu como anjos de Deus" (Mt 22, 30). Ora
Jesus, que veio anunciar o Reino de Deus na terra, devia ser o primeiro a
abraçar o celibato, dando assim o testemunho mais cabal da presença do Reino,
testemunho que não mutila nem diminui a pessoa humana, mas, ao contrário, permite-lhe
realizar façanhas heróicas como as realizou
Jesus até sofrer soberanamente o martírio da sua Paixão.
Em
suma, a vida una ou indivisa é, conforme a tradição cristã, vida angélica,
antecipação da vida celeste. O judaísmo clássico não podia pensar assim, porque
esperava a vinda do Messias através da linhagem carnal, de modo que não ter
descendentes equivalia a ficar excluído dos antepassados do Messias.
Ainda
se pode notar que a arbitrariedade subjetiva de
Arias vai tão longe que admite não somente Jesus como esposo de Madalena, mas
também Jesus como irmão gêmeo de
Tomé o Dídimo (Gêmeo) (ver
p. 69). Alta
imaginação sem respaldo documentário!
4. As
origens do Cristianismo
Segundo
Arias, "Jesus não quis fundar uma Igreja, mas purificar a velha fé
judaica... para convertê-la em uma revelação universal" (p. 84).
Os
discípulos é que interpretaram diversamente o pensamento do Mestre, dando
origem a várias modalidades de Cristianismo, entre as quais a feminista (com
Maria Madalena à frente) e a machista, chefiada por Pedro e Paulo apóstolos. A
princípio essas modalidades disputavam entre si a hegemonia até que se impôs a
chamada "linha hierárquica", "a que organizou a Igreja nascida
da doutrina do profeta crucificado com uma ordem de poder concreto" (p. 57).
Nessas
modalidades tocava às mulheres um papel de orientação muito relevante.
Tal
teoria é gratuita ou destituída de fundamento. O que a documentação existente
(os Evangelhos e as epístolas canônicas) refere, é que Jesus quis fundar
"minha Igreja", que ele confiou a Pedro e seus sucessores (verMt 16,
16-19; Lc 22,
31s; Jo 21,
15-17; Mt28, 18-20).
Ao lado dessa Igreja fundada por Cristo,
houve dissidências ou heresias, como era de esperar, heresias e cismas que
nunca foram equiparados à Igreja hierárquica. Basta ler a literatura antiga (S.
Inácio de Antioquia, S. Ireneu, S. Cipriano, S. Justino...) para perceber a
linha central que procede de Jesus e passa pelos antigos cristãos retratados
por tais autores; há continuidade, que não se perde apesar de dissidências de
cá ou de lá.
Não
se pode dizer que no Cristianismo antigo "as mulheres exerciam funções das
mesmas categorias dos homens como dirigentes de comunidades, bispos, diaconisas
etc... Paulo
declarou que o profeta não fazia distinção entre varão e mulher e entre livres
e escravos" (p. 72).
Na
verdade. São Paulo afirma a mesma dignidade para o homem e a mulher, mas
assinala funções diferentes para homens e mulheres. A pregação na Igreja ficava
reservada aos homens, conforme 1Cor 14, 34s
e 1Tm 2, 10-15. Não
há documentação em contrário.
5.
Mais
dois pontos importantes
5.1.
O Evangelho de João
Segundo Arias, tal escrito sofreu
influência gnóstica e poderia ser atribuído a Maria Madalena (p. 59).
Ora tal afirmação inclui uma contradição:
sim a Gnose é
dualista, como
vimos, ao passo que, conforme São João, o Logos, que é Deus desde todo o
sempre, se fez carne e veio a este mundo material, assumindo todas as
conseqüências do pecado, em oposição nítida a todo dualismo. Foi assim que Deus
tanto amou o mundo; ver Jo 1, 1-14 e 3, 14s. O que o quarto Evangelho tem de
próprio é uma visão mais profunda e teológica daquele mesmo Jesus apregoado
pelos sinóticos; é o Evangelho mais tardio, resultante de longa meditação do
evangelista com seus discípulos.
5.2.
A ressurreição de Jesus
Juan
Arias refere a posição de teólogos recentes que
entendem a ressurreição em sentido espiritual ou como símbolo literário. É de
notar que tais autores se afastam do próprio pensamento paulino, que afirma ser
a ressurreição corporal pedra de quina indispensável da pregação cristã (ver
1Cor 15, 14.17). Jesus veio recriar o homem, apresentando uma nova criatura
que, sendo humana, consta de corpo e alma, corpo portador de um penhor de
vitória sobre o pecado ou de ressurreição (corporal).
6. Falhas
diversas
O
livro apresenta ainda outros pontos falhos, estes de menor importância:
1)
À p. 72: Tessalônica e Beréia não são
mulheres como julga Arias, mas
são cidades gregas.
2)
À p.
153 lê-se: "Jesus nunca exigiu o sacrifício da sexualidade para ser seu
discípulo". - Ora eis o que diz Jesus conforme Lc 18, 29: "Em verdade
vos digo: não há quem tenha deixado casa, mulher,
irmãos, pais ou filhos por causa do Reino de Deus sem
que receba muito mais neste tempo e, no mundo futuro, a vida eterna".
Algo
de semelhante ocorre em Lc 14, 26: "Se alguém vem a mim e não odeia (ou
não ama menos pai e mãe, mulher e
filhos... não pode ser meu discípulo".
O
grifo é nosso.
3)
À p. 165 está escrito: "O galileu
diz a Nicodemos...
que tem de voltar ao seio de sua mãe e nascer de
novo". - É precisamente esta afirmação, proposta por Nicodemos,
que Jesus rejeita (Jo 3, 4).
4)
À p. 181 lê-se: "Jesus tem que dizer a
Madalena: Deixa já de tocar-me". - A tradução do texto grego correta
seria. "Não me detenhas, vou para o Pai" (Jo 20, 17).
5)
Eis os dizeres da p.
57: "A corrente
cristã que finalmente
se impôs
decidiu, no século IV, que as centenas de Evangelhos
escritos que circulavam
na Igreja primitiva até então... ficavam revogados em sua maioria... e que
somente quatro Evangelhos foram inspirados por Deus".
Quem
assim escreve não acompanhou a literatura cristã anterior ao século IV, pois
esta atesta a aceitação dos quatro Evangelhos canônicos desde os primeiros
tempos. Seja citado um texto de
Orígenes (+254),
escritor alexandrino:
"A
Igreja tem quatro Evangelhos; a heresia, vários, entre os quais existe um
Evangelho segundo os Egípcios, outro... segundo os Doze Apóstolos... Também
Basilides (gnóstico) ousou escrever um Evangelho, ao qual seu nome é como
título... Conheço um Evangelho dito 'segundo Tomé'
e outro dito 'segundo Matias', Li ainda
outros vários" (sobre Lucas homilia I, Migne grego 13,
1802).
O
texto de Orígenes atrás
citado refuta a afirmação feita por Juan Arias à
p. 161 do seu
livro:
"O
que não se costuma dizer é que, durante vários séculos, quase até o século IV,
e antes de a Igreja decidir que só os quatro Evangelhos chamados canônicos eram
os únicos inspirados por Deus, todos os demais Evangelhos gozavam da mesma
autoridade e se apresentavam como intérpretes da tradição oral das diferentes
comunidades cristãs".
Como
se vê atrás, Orígenes distingue
entre os quatro Evangelhos da Igreja e os das correntes heréticas, aos quais
não era atribuída a mesma autoridade. Os escritores cristãos comentavam Mt, Mc,
Lc e Jo, não porém os Evangelhos gnósticos.
5) À
p. 65 está
dito que "São Pacômio
foi o primeiro eremita
da historia do Cristianismo". - Na
verdade, o primeiro
eremita foi
Santo Antão
(+356); São
Pacômio (+346)
foi o primeiro
legislador da vida cenobítica (comunitária).
Passemos a
uma
7. Reflexão
final
Juan
Arias entrega ao público uma coletânea de
afirmações gratuitas, de caráter não
científico, e sim preconceituosas e sensacionalistas, que, se fossem levadas a
sério, destruiriam o Cristianismo, pois negam o âmago da mensagem cristã ou a
encarnação do Verbo reduzido à qualidade
de "profeta de Nazaré". É movido pela obsessão da novidade, que o
leva a tudo contestar como faria (em linguagem popular) um macaco em casa de
louças.
Dom
Estêvão Bettencourt (OSB)
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