Antes do mais, é preciso frisar bem que pouca ou nenhuma probabilidade tem a tese segundo a qual a falta de Adão e Eva foi pecado sexual. Esta sentença carece de fundamento no texto bíblico (cf, Gên 2-3). Os principais argumentos induzidos para defendê-la seriam :
a) a expressão “do conhecimento do bem e do mal”, que designa o fruto proibido (cf. Gên 2,17). Visto que “conhecer sua esposa” em Gên 4,1.17.25 significa “ter relações conjugais”, julgam alguns que o conhecimento vedado em Gên 2-3 tem o mesmo sentido.
Como se vê, a hipótese é gratuita ; porque se teria o autor sagrado expresso tão veladamente se as relações matrimoniais de fato ocasionaram a catástrofe do gênero humano? De resto, o consórcio conjugal foi particularmente abençoado por Deus logo após a criação do primeiro casal (cf. Gên 1,28).
Além disto, observe-se que a proibição de ter relações matrimoniais seria totalmente incompreensível a Adão quando o Senhor lhe impôs o preceito paradisíaco, pois então ainda não fora criada a primeira mulher (cf. Gên 2,17.21-22) ;
b) antes da queda, Adão e Eva estavam nus e não se envergonhavam (cf. Gên 2,25); depois do pecado, porém, recobriram-se (cf. 3,7).
O “revestir-se” dos primeiros pais, após a transgressão, significa certamente que com o pecado se despertou a concupiscência desregrada ; não se pode esquecer, porém, que este despertar se seguiu à culpa, não a precedeu. O fato de se seguir à transgressão explica-se simplesmente pela ruptura da harmonia que o pecado (qualquer que tenha sido a sua matéria) acarretou entre Deus e o homem e, dentro do próprio homem, entre as diversas tendências de sua natureza; o corpo humano, tendo perdido o esplendor da graça que o recobria no estado de inocência, é agora desregrado, excitante, e pode ser objeto de um olhar desregrado; daí a necessidade de o revestir artificialmente.
Não se sabe, pois, com precisão qual o objeto da transgressão de Adão e Eva. É certo, porém, que pecaram por orgulho, orgulho que os levou a desobedecer a um preceito do Senhor Deus (o fruto “do conhecimento do bem e do mal” pode ser interpretado em sentido meramente simbólico).
É preciso agora acrescentar que a falta cometida pelo primeiro casal não alterou a fisiologia nem a natureza dos seres vivos ; os carnívoros, por exemplo, não se tornaram tais por causa do pecado de Adão. Por conseguinte, a reprodução da espécie humana no estado de inocência se teria dado segundo as leis fisiológicas ainda hoje vigentes; apenas haveria sido isenta da concupiscência que atualmente a costuma anteceder e acompanhar; os apetites e movimentos da sensibilidade estariam perfeitamente subordinados à razão, de sorte que o ato conjugal só se exerceria nas circunstâncias devidas, sob o pleno domínio do espírito.
Dom Estêvão Bettencourt (OSB)
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