Se
é proibido evocar os espíritos, por que os santos têm visões ?
Bem diferentes dos
fenômenos espíritas são as visões que os santos têm.
Estas são
totalmente gratuitas, não resultando de ritos prèviamente executados para as
provocar. Não há dúvida, tais visões podem ser a resposta do Senhor a preces
justas desejosas de obter um sinal sobrenatural. Contudo, assim como o Senhor
Deus pode atender a essas orações (caso isso concorra para o bem dos fiéis),
pode também não as deferir; nunca será lícito ao cristão crer que dispõe de
meio seguro para se comunicar com as almas dos defuntos ; todo o nosso
intercâmbio com eles se realiza mediante insondável e soberana permissão de
Deus. Mesmo quando uma pessoa devota julga estar sendo agraciada por visões, os
mestres da vida espiritual aconselham-lhe toda a cautela na interpretação de
tais fenômenos, pois Satanás não raro se dissimula em “anjo de luz” !(Cf 2
Cor 11,14). As autênticas aparições de santos ou almas neste mundo (mesmo não
provocadas) não são tão frequentes quanto propalam as notícias !
Como se vê, este
ponto de vista não se identifica com a posição dos espíritas, que afirmam poder
entrar em contato com tal alma, por ocasião de tais ritos... Procedem como se
ainda tivessem jurisdição ou poder sobre aqueles que não são mais da nossa
convivência e cuja sorte só Deus conhece.
Para o católico,
ainda é importante o testemunho da Sagrada Escritura. O mesmo Deus que, segundo
seus inescrutáveis desígnios, permite às vezes a aparição de santos ou
defuntos, proibiu terminantemente a evocação dos mortos:
“Se alguém se
dirigir aos que evocam os espíritos e aos adivinhos, para se entregar às suas
práticas, voltarei minha face contra esse homem e o afastarei do meu povo” (Lev
20,6).
“Todo homem ou toda
mulher que evocar os espíritos ou se der à adivinhação, será punido de morte;
lapidá-lo-ão; seu sangue recairá sobre ele” (Lev 20,27).
Não obstante estas proibições,
sabe-se que o rei Saul, atribulado numa campanha bélica, foi ter com a pitonisa
(ou adivinha) de Endor, pedindo-lhe que o pusesse em comunicação com a alma de
Samuel, seu guia de outrora (cf. 1 Sam 28,7-14). O cronista bíblico acentua bem
que esse feito foi ilícito: “Saul... se tornara culpado diante do Senhor...
porque interrogara e consultara os que evocam os mortos” (1 Crôn. 10,13). Não
obstante, Deus se dignou permitir que o espírito de Samuel evocado respondesse:
permitiu-o, não por causa dos ritos da pitonisa, que eram totalmente ineptos
para tanto, mas tomando como mera ocasião a visita do rei à adivinha. O motivo
por que então o Senhor atendeu a Saul foi, como se depreende das palavras de
Samuel, o desejo de admoestar o rei à penitência, ao menos no fim de sua vida;
a exortação dirigida a Saul em circunstâncias tão extraordinárias seria
particularmente eficaz. Disto, porém, não se segue que Deus se dirija aos
homens por via tão estranha todas as vezes que estes o desejem, para satisfazer
ao capricho das criaturas.
Dom
Estêvão Bettencourt (OSB)
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