A alma do homem
O Evangelho nos apresenta a tocante cena do encontro do santo ancião Simeão e da Sagrada Família no Templo.
É a primeira espada de dor que devia atravessar o coração da Virgem Santa.
Após ter predito o destino do Menino Deus, o velho Sacerdote dirigi-se a Maria e lhe diz: “a tua alma será trespassada por uma espada.”
Pobre filha de Jerusalém, tão pura, tão bela, tão radiante da glória inefável de vossa maternidade virginal; eis-vos no começo da via dolorosa, que só terminará na sepultura deste mesmo Jesus!
Limitemos as nossas considerações ao ponto apologético aqui assinalado.
O Evangelho fala da alma de Maria.
Temos, pois, uma alma, criada à imagem de Deus, a qual vamos estudar aqui, vendo:
1. O que é a alma.
2. A união entre o corpo e a alma
Esta dupla verdade nos vai fazer penetrar plenamente na grande obra da criação divina.
I. O que é a alma humana
A criatura mais perfeita do universo a quem Deus deu o ser e a vida é o homem, porque só ele recebeu uma inteligência capaz de conhecer o seu Criador, e um coração capaz de amá-lo.
O homem, a mais perfeita das criaturas, é um ser racional composto de corpo e alma. O corpo é a parte sensível, visível do homem. A alma é uma substância espiritual, invisível que dá ao corpo o movimento, a vida, o pensamento e o juízo.
Quando a alma se separa do corpo, esse corpo fica inerte, sem pensamento, sem vida e vai se decompondo: tal separação chama-se: a morte.
É a união da alma e do corpo que constitui o homem e faz dele um ser intermediário entre os anjos, que são puros espíritos, e os animais que são simplesmente matéria.
A natureza do corpo e a da alma diferem essencialmente no homem.
A natureza do corpo é de ser visível, palpável: pois é matéria.
A natureza da alma é de ser invisível, impalpável: é espírito. Uma palavra exprime a natureza da alma: espiritualidade.
A espiritualidade exige, não somente a ausência de toda composição e de toda extensão, mas ainda a independência de toda matéria e a faculdade de poder agir, em certas circunstâncias, sem auxílio dos órgãos materiais.
Assim a alma pensa: ela produz o pensamento sem o auxílio de qualquer ser material: o que prova que é distinta da matéria.
A alma não habita o corpo como uma rainha habita o seu palácio; ela não está simplesmente unida ou justaposta a nossos órgãos, ela os anima e vivifica.
Santo Tomás em sua forma filosófica diz que a alma é a forma substancial do corpo.
Vendo um cadáver, tal definição torna-se luminosa. Desde que a alma se separa do corpo, este último dissolve-se e torna-se um conjunto de pó, de água, de matéria em dissolução, que não tem mais nome em língua nenhuma: é um cadáver.
Não subsiste mais nenhuma aparência humana porque o laço vital, que uniu todas as partes do corpo, foi rompido.
A alma cessou de informar o corpo, não lhe comunicando mais o ser humano, a forma humana.
II. A união entre o corpo e a alma
Mas examinemos um instante as principais propriedades do corpo e da alma, para estabelecer a diferença essencial que os separa.
A matéria é necessariamente extensa, composta de partes que constituem o seu comprimento, a altura, a grossura.
A alma, sendo espírito, não é composta de partes: é simples. Por isso nunca se diz que um pensamento é comprido, grosso, alto.
A matéria tem uma forma determinada, podendo ser redonda, quadrada, azul, verde, etc.
A Alma ao contrário, não tem nem forma, nem cor. E ninguém se lembrou ainda de dizer que o pensamento é redondo ou verde.
A matéria é divisível, podendo ser dividido em partes distintas umas das outras.
A alma é indivisível; por isso não se pode tomar nem uma parte, nem a metade de um pensamento, nem da alma.
Os espíritos, ou a alma, por sua vez, possuem certas propriedades que a matéria não pode possuir: São:
A espiritualidade, ou propriedade de escapar aos sentidos e de ser independente da matéria.
A inteligência, ou propriedade de conhecer a verdade, de assimilá-la e de se saber que a conhece.
A liberdade, ou propriedade de escolher entre vários objetos, de querer ou não querer.
A imortalidade, ou propriedade de não poder ser decomposta nem morrer.
III. Conclusão
Há uma categoria de homens, chamados materialistas, que negam a diferença existente entre o corpo e a alma.
Para eles, a alma e o corpo são da mesma natureza, ambos vivem e morrem do mesmo modo.
Admitindo tal idéia, nega-se a responsabilidade moral, a vida futura... A conclusão prática é que o homem está destinado para uma vida animal, sensual, egoísta.
Em nossos dias, os materialistas intitulam-se, positivistas, admitindo só o que se vê, o que é positivo.
Para eles, o pensamento é inerente à substância cerebral; o cérebro pensa como pulsa o coração. O pensamento não passa de uma secreção do cérebro, como o muco é uma secreção das mucosas.
Tal opinião é ridícula e se refuta pela simples reflexão sobre a nossa própria existência.
Com 50 anos de idade, nós sentimos que somos bem a mesma pessoa que éramos com 5 anos.
Tudo se mudou em nosso exterior, mas nosso eu íntimo permanece o mesmo. Temos a lembrança do passado, a consciência de nossos atos: somos sempre nós, o que prova que há em nós qualquer coisa, distinta do nosso corpo, que não está sujeita às modificações do corpo, que não vem do corpo: É a nossa alma.
EXEMPLOS
1. Santa Cecília
Valeriano, esposo de Santa Cecília e seu irmão Tibúrcio estavam encarcerados por causa da sua fé. Era no ano 160, sob a perseguição de Marco Aurélio.
O oficial Maximo, encarregado de levá-los ao suplício, abrindo a prisão, viu-os de joelhos, os olhos levantados ao céu, numa serenidade que se refletia em todos os traços de semblante.
A sua mocidade, seu nascimento ilustre, a sua inocência, sua resignação comoveram o coração do soldado que começou a chorar.
- Por que chorais? Perguntaram os encarcerados.
- Choro, porque vós, tão jovens, ricos e nobres ides morrer.
- Desenganai-vos, Maximo, nós somos cristãos, e, deixando este mundo, os cristãos passam para uma vida melhor, onde não há mais morte.
- Ah! Se as vossas palavras fossem a verdade.
- Se prometerdes abraçar a religião cristã, vereis a verdade com os vossos próprios olhos no momento da nossa morte.
Maximo o prometeu e quando decapitaram os mártires, ele viu as almas deles, resplandecentes de glória, levadas pelos anjos para o céu.
A esta vista, declarou-se cristão e recebeu pouco depois a coroa do martírio.
2. Homem ou animal
Quando se morre, tudo está morto, diz a impiedade.
Sim, para os cães, os gatos, os burros; porém, tu és muito modesto se te meteres neste número.
Tu és um homem e não um animal. É curioso que alguém te deva lembrar disto.
Tu tens uma alma, capaz de refletir, de fazer o bem ou o mal e esta alma é imortal: os animais não têm alma racional.
O que faz o homem é a alma, isto é, o que pensa em nós, o que nos faz amar a verdade e amar o bem. É o que nos distingue dos animais.
Eis porque é uma injúria dizer a alguém: Tu és um animal, um burro, etc. É recusar-lhe a sua primeira glória: de ser homem.
Dizer, pois: quando morrer tudo está morto, é negar a alma e proclamar: Eu sou um bruto, um animal. E que animal?!
Valho menos que o me cão, pois corre mais depressa, dorme melhor, enxerga mais longe, tem mais faro do que eu, etc. Valho menos que o meu gato, que enxerga de noite, que não tem que se incomodar com a sua roupa e calçado. Numa palavra, eu sou uma pobre besta e o mais pobre dos animais.
Se isso te agradar, dize-o, crê-o, se tens a coragem, porém, permita que eu seja um pouco mais ufano e declare em alta voz que sou homem. (Mgr. De Segur)
(MARIA, P. Júlio. Comentário Apologético do Evangelho Dominical. O Lutador, 1940, p. 53 - 58)
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