sábado, 31 de dezembro de 2011

Domingo depois do Natal.

A alma do homem

O Evangelho nos apresenta a tocante cena do encontro do santo ancião Simeão e da Sagrada Família no Templo.

É a primeira espada de dor que devia atravessar o coração da Virgem Santa.

Após ter predito o destino do Menino Deus, o velho Sacerdote dirigi-se a Maria e lhe diz: “a tua alma será trespassada por uma espada.

Pobre filha de Jerusalém, tão pura, tão bela, tão radiante da glória inefável de vossa maternidade virginal; eis-vos no começo da via dolorosa, que só terminará na sepultura deste mesmo Jesus!



Limitemos as nossas considerações ao ponto apologético aqui assinalado.

O Evangelho fala da alma de Maria.

Temos, pois, uma alma, criada à imagem de Deus, a qual vamos estudar aqui, vendo:

1. O que é a alma.
2. A união entre o corpo e a alma

Esta dupla verdade nos vai fazer penetrar plenamente na grande obra da criação divina.

I. O que é a alma humana

A criatura mais perfeita do universo a quem Deus deu o ser e a vida é o homem, porque só ele recebeu uma inteligência capaz de conhecer o seu Criador, e um coração capaz de amá-lo.

O homem, a mais perfeita das criaturas, é um ser racional composto de corpo e alma. O corpo é a parte sensível, visível do homem. A alma é uma substância espiritual, invisível que dá ao corpo o movimento, a vida, o pensamento e o juízo.

Quando a alma se separa do corpo, esse corpo fica inerte, sem pensamento, sem vida e vai se decompondo: tal separação chama-se: a morte.

É a união da alma e do corpo que constitui o homem e faz dele um ser intermediário entre os anjos, que são puros espíritos, e os animais que são simplesmente matéria.

A natureza do corpo e a da alma diferem essencialmente no homem.

A natureza do corpo é de ser visível, palpável: pois é matéria.

A natureza da alma é de ser invisível, impalpável: é espírito. Uma palavra exprime a natureza da alma: espiritualidade.

A espiritualidade exige, não somente a ausência de toda composição e de toda extensão, mas ainda a independência de toda matéria e a faculdade de poder agir, em certas circunstâncias, sem auxílio dos órgãos materiais.

Assim a alma pensa: ela produz o pensamento sem o auxílio de qualquer ser material: o que prova que é distinta da matéria.

A alma não habita o corpo como uma rainha habita o seu palácio; ela não está simplesmente unida ou justaposta a nossos órgãos, ela os anima e vivifica.

Santo Tomás em sua forma filosófica diz que a alma é a forma substancial do corpo.

Vendo um cadáver, tal definição torna-se luminosa. Desde que a alma se separa do corpo, este último dissolve-se e torna-se um conjunto de pó, de água, de matéria em dissolução, que não tem mais nome em língua nenhuma: é um cadáver.

Não subsiste mais nenhuma aparência humana porque o laço vital, que uniu todas as partes do corpo, foi rompido.

A alma cessou de informar o corpo, não lhe comunicando mais o ser humano, a forma humana.

II. A união entre o corpo e a alma

Mas examinemos um instante as principais propriedades do corpo e da alma, para estabelecer a diferença essencial que os separa.

A matéria é necessariamente extensa, composta de partes que constituem o seu comprimento, a altura, a grossura.

A alma, sendo espírito, não é composta de partes: é simples. Por isso nunca se diz que um pensamento é comprido, grosso, alto.

A matéria tem uma forma determinada, podendo ser redonda, quadrada, azul, verde, etc.

A Alma ao contrário, não tem nem forma, nem cor. E ninguém se lembrou ainda de dizer que o pensamento é redondo ou verde.

A matéria é divisível, podendo ser dividido em partes distintas umas das outras.

A alma é indivisível; por isso não se pode tomar nem uma parte, nem a metade de um pensamento, nem da alma.

Os espíritos, ou a alma, por sua vez, possuem certas propriedades que a matéria não pode possuir: São:

espiritualidade, ou propriedade de escapar aos sentidos e de ser independente da matéria.
inteligência, ou propriedade de conhecer a verdade, de assimilá-la e de se saber que a conhece.
liberdade, ou propriedade de escolher entre vários objetos, de querer ou não querer.
imortalidade, ou propriedade de não poder ser decomposta nem morrer.

III. Conclusão

Há uma categoria de homens, chamados materialistas, que negam a diferença existente entre o corpo e a alma.

Para eles, a alma e o corpo são da mesma natureza, ambos vivem e morrem do mesmo modo.

Admitindo tal idéia, nega-se a responsabilidade moral, a vida futura... A conclusão prática é que o homem está destinado para uma vida animal, sensual, egoísta.

Em nossos dias, os materialistas intitulam-se, positivistas, admitindo só o que se vê, o que é positivo.

Para eles, o pensamento é inerente à substância cerebral; o cérebro pensa como pulsa o coração. O pensamento não passa de uma secreção do cérebro, como o muco é uma secreção das mucosas.

Tal opinião é ridícula e se refuta pela simples reflexão sobre a nossa própria existência.

Com 50 anos de idade, nós sentimos que somos bem a mesma pessoa que éramos com 5 anos.

Tudo se mudou em nosso exterior, mas nosso eu íntimo permanece o mesmo. Temos a lembrança do passado, a consciência de nossos atos: somos sempre nós, o que prova que há em nós qualquer coisa, distinta do nosso corpo, que não está sujeita às modificações do corpo, que não vem do corpo: É a nossa alma.

EXEMPLOS

1. Santa Cecília

Valeriano, esposo de Santa Cecília e seu irmão Tibúrcio estavam encarcerados por causa da sua fé. Era no ano 160, sob a perseguição de Marco Aurélio.

O oficial Maximo, encarregado de levá-los ao suplício, abrindo a prisão, viu-os de joelhos, os olhos levantados ao céu, numa serenidade que se refletia em todos os traços de semblante.

A sua mocidade, seu nascimento ilustre, a sua inocência, sua resignação comoveram o coração do soldado que começou a chorar.

- Por que chorais? Perguntaram os encarcerados.

- Choro, porque vós, tão jovens, ricos e nobres ides morrer.

- Desenganai-vos, Maximo, nós somos cristãos, e, deixando este mundo, os cristãos passam para uma vida melhor, onde não há mais morte.

- Ah! Se as vossas palavras fossem a verdade.

- Se prometerdes abraçar a religião cristã, vereis a verdade com os vossos próprios olhos no momento da nossa morte.

Maximo o prometeu e quando decapitaram os mártires, ele viu as almas deles, resplandecentes de glória, levadas pelos anjos para o céu.

A esta vista, declarou-se cristão e recebeu pouco depois a coroa do martírio.

2. Homem ou animal

Quando se morre, tudo está morto, diz a impiedade.

Sim, para os cães, os gatos, os burros; porém, tu és muito modesto se te meteres neste número.

Tu és um homem e não um animal. É curioso que alguém te deva lembrar disto.

Tu tens uma alma, capaz de refletir, de fazer o bem ou o mal e esta alma é imortal: os animais não têm alma racional.

O que faz o homem é a alma, isto é, o que pensa em nós, o que nos faz amar a verdade e amar o bem. É o que nos distingue dos animais.

Eis porque é uma injúria dizer a alguém: Tu és um animal, um burro, etc. É recusar-lhe a sua primeira glória: de ser homem.

Dizer, pois: quando morrer tudo está morto, é negar a alma e proclamar: Eu sou um bruto, um animal. E que animal?!

Valho menos que o me cão, pois corre mais depressa, dorme melhor, enxerga mais longe, tem mais faro do que eu, etc. Valho menos que o meu gato, que enxerga de noite, que não tem que se incomodar com a sua roupa e calçado. Numa palavra, eu sou uma pobre besta e o mais pobre dos animais.

Se isso te agradar, dize-o, crê-o, se tens a coragem, porém, permita que eu seja um pouco mais ufano e declare em alta voz que sou homem. (Mgr. De Segur)

(MARIA, P. Júlio. Comentário Apologético do Evangelho Dominical. O Lutador, 1940, p. 53 - 58)

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