Marcos Roberto Bonelli
“Eu estabeleço uma inimizade entre ti e a mulher,
entre tua posteridade e a posteridade dela”.
(Gênesis III, 15)
Designa-se há muito tempo, com o nome de Protoevangelho, essa passagem do terceiro capítulo do Gênesis no qual Deus, surpreendendo nossos primeiros pais, Adão e Eva, logo após terem pecado, fulminou o castigo merecido contra o demônio, que os havia instigado à desobediência.
Um grande número de autores defende que a mulher e sua posteridade abençoada designam direta e exclusivamente a Virgem Maria e o fruto de seu ventre, Nosso Senhor Jesus Cristo.
Esta opinião é a que prevaleceu na bula de definição do dogma da Imaculada Conceição:
“Assim a Santíssima Virgem, unida com Cristo em um vínculo estreitíssimo e indissolúvel, juntamente com ele e por ele, exercendo uma eterna inimizade contra a serpente venenosa e triunfando plenissimamente dela, esmagou sua cabeça com seu pé imaculado” (Pio IX, bula Ineffabilis Deus).
Também na bula Munificentissimus Deus, de Pio XII, que proclamou no dia 1 de novembro de 1950 o dogma da Assunção, lemos que:
“É necessário, antes de tudo, nos lembrarmos de que desde o segundo século a Virgem Maria fora unida pelos Padres ao novo Adão como a nova Eva, sobre um plano inferior, mas em uma união estreita com ele, no combate contra o inimigo infernal. Ora, este combate, como é anunciado com antecedência no Protoevangelho, devia terminar numa vitória plena sobre o pecado e a morte, que estão sempre associados nos escritos do Doutor das nações [São Paulo]”.
O Protoevangelho esboça, então, o plano divino de redenção do mundo.
O decreto da cólera divina
O decreto de cólera que Deus pronunciou nesta circunstância nos faz odiar o pecado e louvar sua misericórdia.
Esforcemo-nos por imaginar a consternação e o terror que tomaram Adão e Eva neste momento decisivo, e que os deixa imóveis sob o olhar de Deus ofendido, de quem eles buscaram fugir inutilmente.
Eles vêem sua condenação, os bens que perderão, a infelicidade que pesará sobre eles, os males que envolverão toda sua posteridade.
A única causa de tudo isso?
O pecado.
Pecado que se apresentou com a aparência de um conhecimento novo, de um fruto agradável!
Temos aqui uma verdade inegável: todo sofrimento provém do pecado. É por ele que a morte entrou no mundo (Romanos V, 12), e a morte é o modelo de todo mal temporal.
A consternação de Adão e Eva, após o pecado, nos oferece uma imagem bem viva do desencantamento que costuma seguir ao pecado, sobretudo daqueles cometidos por sensualidade. É uma viva imagem, sobretudo, do desespero irremediável que virá sobre o pecador quando, após esta vida, ele se apresentar diante de Deus, que ele não temeu nesse mundo!
Reconheçamos no pecado o grande inimigo de nossa felicidade, e que esta persuasão seja viva o suficiente para nos afastar de toda fascinação pelo mal.
Mas guardemos bem isto: este princípio vale para o pecado mortal e para o pecado venial. O caminho do pecado venial, das negligências voluntárias e da tibieza é um caminho oposto ao da felicidade.
Consideremos também como Deus tem razão de estar irado.
Quantos bens e dons desprezados! Que lei fácil e justa, transgredida pelos nossos primeiros pais!
Porém, antes do castigo, Deus faz entrever sua graça, prometendo a luz que dissipará as trevas.
Como é admirável a imensidade da misericórdia divina em relação a nós!
Devemos corresponder a esta misericórdia com uma confiança total, mesmo após nossas quedas. Vejamos que foi, depois da grave transgressão de Adão, antes da vinda de Cristo e sem ter sido implorado – pior ainda, ouvindo as fracas justificativas de Adão e Eva após terem pecado – que Deus se obrigou a nos dar um Redentor, através uma promessa de misericórdia e perdão.
O estabelecimento da inimizade
Insistamos a respeito da hostilidade entre a mulher e a serpente.
Vejamos o que ela nos ensina sobre a Virgem Maria e aproveitemos o ensinamento que contém para nós.
Colocando em destaque a inimizade que Ele constituirá entre uma mulher e o demônio, Deus revela que virá uma mulher cuja marca característica será a de estar em guerra contra Satanás.
Uma tal guerra implica uma separação radical, uma oposição completa e perpétua.
Ora, o demônio personifica a tentação e o pecado, porque nos instiga a cometê-los.
Esta futura mulher, consequentemente, se distinguirá por estar totalmente livre do pecado e imune de toda tentação.
Seria possível que esta mulher começasse sua existência contraindo o pecado original, contra o qual Deus havia garantido uma revanche gloriosa?
Eis como a inimizade predita entre a mulher e a serpente implica na Imaculada Conceição de Nossa Senhora.
Eis como, desde o começo, a esperança do mundo foi a esperança de ver nascer uma mulher preservada do pecado original.
Notemos como a grande consolação do gênero humano foi prometida sob a forma de uma hostilidade e de uma guerra.
Nosso papel nesta vida não é o de ter uma paz mentirosa e cheia de armadilhas, mas o de lutar energicamente contra o demônio e seu espírito – o espírito do mundo – para ter uma consolação mais nobre, que vem do esforço generoso e da vitória.
Mas esta luta deve ser feita com o sustento de uma fervorosa devoção para com a Sempre Virgem Maria. Todos os atos de amor que oferecemos a Ela são uma declaração de guerra ao nosso inimigo mortal.
O anúncio da vitória
Esta hostilidade anunciada por Deus é uma inimizade vitoriosa. Ela irá até um triunfo completo: a serpente infernal terá sua cabeça esmagada.
Porém, esta vitória possui duas características:
a) A mulher será vitoriosa na sua posteridade abençoada. Ela triunfa porque é a Mãe de um Filho a quem foi dado esmagar a cabeça da serpente. Nossa Senhora deverá tudo a Jesus Cristo e aos seus méritos.
Mas este aspecto da vitória, se é glorioso para o Filho, também o é para a Mãe. A Virgem Maria pertence menos à descendência dos seus primeiros pais, vítimas do inferno e de suas armadilhas, e é antes o princípio de um novo Adão, triunfador do demônio.
Sendo filha do primeiro Adão, Ela deveria herdar o triste pecado original. Mas sendo a Mãe do Libertador e associada a Ele, Ela não deve começar pela servidão.
A necessidade do contágio deve ceder diante da necessidade superiora da imunidade.
Moralmente unida a Jesus, Maria deve ser Imaculada.
A vitória vem depois de lutas e se encontra misturada com derrotas parciais, que a linhagem da mulher irá, conforme a imagem da Sagrada Escritura, padecer no seu calcanhar.
Vemos esta derrota parcial, este calcanhar ferido, na humanidade de Cristo pregado na cruz, na traição dos hereges, nas impiedosas injúrias feitas contra Nossa Senhora, na triste perda das almas arrastadas na revolta fatal do demônio.
Mas o demônio não ferirá nem Deus mesmo, nem seus anjos, nem seus santos. Deus só é vulnerável nas suas criaturas humanas e Ele só permite que elas sejam machucadas no calcanhar, ou seja, durante a curta provação desta vida terrena, no corpo e nos bens exteriores. Na alma, somente se elas o consentem voluntariamente, deixando-se seduzir.
Mais ainda: os sucessos do inimigo são compensados por vitórias esmagadoras.
A cruz de Cristo esmaga a cabeça da serpente, as heresias levam à proclamação dos dogmas, as ofensas lançadas contra a Santíssima Virgem abrasam o zelo de seus filhos e faz com que suas prerrogativas sejam vistas claramente, a derrota dos maus faz com que seja manifestada a virtude e a felicidade dos bons.
Temos uma nobre segurança, que deriva de uma superioridade invencível. Enquanto estivermos com Nossa Senhora e nossa Mãe, poderemos desafiar nossos inimigos.
No meio de tantas tribulações pelas quais passa a Igreja, é um pensamento de grande conforto!
Mas pensemos também que estas feridas no calcanhar atingem nossos irmãos, nossos próximos. Com Nossa Senhora estamos seguros, mas isto não pode nos deixar indiferentes à infelicidade deles.
Combatamos com Nossa Senhora contra a serpente infernal, fazendo o que pudermos para colocar os que estão à nossa volta sob Seus cuidados. Ensinemos a verdadeira devoção a Nossa Senhora, movamos os outros homens a conhecer e a amar a Santíssima Virgem, a qual retribui com generosidade incomparável, até mesmo o menor louvor que lhe damos.
Não há outro caminho mais fácil de salvação: “Ela esmagará tua cabeça”.
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